Reportagem SonicBlast Moledo 2017
Moledo levou com mais uma maré de distorção e psicadelismo com mais uma edição do Sonic Blast, que trouxe ao norte de Portugal mais um cartaz repleto de grandes nomes e muito talento.
Mas primeiro, uma pequena nota: começam-se a sentir algumas dores de crescimento num festival que tem crescido a olhos vistos, em particular nas condições de campismo, bem aquém de poder albergar todos os campistas e assim a obrigá-los a acampar ilegalmente. Mas o fantástico ambiente, a deliciosa praia e o charme da zona apagam todas as dificuldades, pelo menos este ano. Com isso fora do caminho, Moledo teve o prazer de acolher artistas cheios de talento e, com isso, concertos muito bons.
11 de Agosto
Após uma tarde bem passada na piscina, os israelitas The Great Machine tomaram as rédeas do palco principal com o seu rock inclinado para o stoner sólido e uma presença em palco bem interessante, nomeadamente o irrequieto Omar Haviv na guitarra, um dos líderes e irmãos da banda (o outro é o baixista Haviran). Apesar de não trazer nada de novo ao género, o cruzamento de sonoridades mais lentas com temas mais regados a punk valeram nota positiva.
Chegados às 19h45, hora do power trio oriundo de Austin mostrar as suas garras. Os The Well prometeram hipnoses doom com incursões pelo mundo dos filmes de horror, e a verdade é que as bases em bandas míticas como Black Sabbath ou Electric Wizard ajudam a fazer essa ponte. Com trejeitos mais oldschool, os The Well proporcionaram um belo concerto, onde apesar do peso do som, havia alguma intenção aqui e ali de fazer uma canção rock mais perto do habitual. Com uma despedida em grande nas rédeas de “Lucifer Sam” dos Pink Floyd (outra grande referência da banda), despediram-se do palco sobre uma grande ovação do público, já em bom número.
O cenário por detrás do palco é lindíssimo, com a beleza natural de Moledo, com o seu verde estendido pelos seus montes, a trazer um impacto visual às modestas condições do recinto e do palco.
Dos Estados Unidos directamente para a Suécia, foi a vez dos Yuri Gagarin, que não gravitam longe do planeta cósmico dos The Well, mas dispensando as vozes e incursando em áreas mais space rock e temas mais atmosféricos, com os samples e a salada de distorções e efeitos a resultarem numa autêntica viagem pelo mundo. Do deserto ao espaço, há muito para explorar nas mudanças de ritmo e humor da banda que pediu o seu nome emprestado ao primeiro cosmonauta.
Já em horário nobre, foi às 21h50 que os japoneses Kikagaku Moyo vieram pela terceira vez ao nosso país, mudando um pouco a agulha da noite para os campos mais sediados em psicadelismo rock e folk, despindo um pouco a cortina do stoner e do doom. E que agradável foi “limpar” um pouco os ouvidos com os temas bem menos barulhentos, o que apesar de ter passado indiferente aos mais adeptos do peso, seguramente encantou quem se deixou levar pela mão das melodias etéreas e doces do quinteto oriundo de Tóquio. Presença muito contida e simples, a sua música falou bem alto, por vezes melancólica, por vezes divertida, conquistando muito carinho ao longo de cerca de uma hora de actuação.
E chegava a hora de um dos concertos da noite, com Monolord a pontapear a porta da entrada com o seu doom metal sem tempo para preliminares, logo com “Icon”, do álbum “Empress Rising” de 2014. Apesar da onda ser um pouco em sintonia com o que se foi ouvindo na maioria do dia, os suecos trouxeram um pouco mais de agressividade à noite já de si bem ambientada ao vai-e-vem da cabeça ao som do doom. Com uma abordagem mais ríspida, os Monolord fizeram o que lhes competia com distinção, hipnotizando todos com as suas linhas de baixo e riffs de guitarra sujos e directos ao assunto, onde também não faltaram temas como “Empress Rising” ou tema “Rust”, que será lançado com o próximo álbum.
Os Elder foram os meninos que se seguiram, continuando a senda de psicadelismo, stoner e doom propagado pelas bandas anteriores. O trio de Massachussets, já com uma longa carreira de 11 anos e 5 longas durações pelo caminho, eram talvez a banda mais esperada do dia para muitos, a julgar pela presença de tanta gente ao ínicio da sua actuação. Contudo, e talvez aqui o cansaço e a pouca variedade de estilos escutados durante a noite, acabaram por prejudicar um pouco a experiência do concerto. Sem tirar ninguém muito do sério, apesar da extrema competência dos músicos e da clara maturidade e facilidade de comunicar com o público, a verdade é que pareceu-nos que o concerto foi um pouco mais morno do que se esperava.
E, claro, sofreram com o facto de virem antes do comboio energético que foram os Cosmic Dead, que sacudiram a letargia doom e substituíram por roupagens mais perto do krautrock ou drone. Com a bateria a comandar as restantes tropas, e a libertar o resto para solos longos de guitarra e deambulações mais experimentais, a banda de Glasgow foi uma surpresa. Com quatro álbuns e com a comunicação mais interessante do dia (quem se vai esquecer da fixação deles pelos portugueses Black Bombaim?), foi um concerto que conseguiu trazer um ambiente de festa e energia, sustentado em sequências sonoras ricas e bem estruturadas, apesar da clara génese em jams atrás de jams feitas pelos seus músicos. E a viagem culminou em perfeita sintonia com o público, e foi com os instrumentos elevados bem ao alto que dissemos um adeus (esperemos que até já) à banda.
12 de Agosto
No segundo dia, tempo para explorar melhor o palco da piscina e reter dois nomes, por razões diferentes: os franceses Blaak Heat fazem dos caldinhos folk/world music/metal mais adoráveis de sempre e o vocalista dos belgas Toxic Shock leva o prémio de maior carisma e autoestima em palco (quem rocka thrash metal naqueles speedos… consegue fazer tudo o que quiser da vida). Apesar da falta de espaço, o ambiente bastante familiar e relaxado na piscina preencheu muito bem a tarde.
E quem melhor para abrir o palco que os Sasquatch, mais ligados à corrente do stoner mas que citam bandas como Melvins e Soundgarden como uma das suas principais referências. Com o seu som directo e mais orientado aos curtos riffs e ao seu fuzz, foi com muita energia que os americanos abanaram o recinto do Sonic Blast.
Vindos dos países-baixos, os The Machine apresentaram o seu stoner mais directo e mais em linha com vultos como Kyuss, onde as linhas de baixo sobressaiam para segurar pelas pontas o rock desenfreado praticado pelos três moços de Roterdão. Boa actuação, mas nada de muito relevante a registar, onde certamente os presentes aguardavam as actuações dos principais nomes como Acid King ou Orange Goblin.
Pelas 21h35, os Acid King tomaram de assalto o palco, com um início cerimonial e trippy, antecedendo o rasgo de stoner metal e doom que viria a seguir. Formados em 1993 em São Francisco, são apontados como uns dos responsáveis por trazerem influências mais psicadélicas ao género, e dá para perceber porquê: o registo de Acid King é muito particular e distinto de muitas outras bandas de stoner, já que a letargia quase serpenteante sufoca o ar que respiramos. E é aqui onde se prende o ponto forte e, ao mesmo tempo, o ponto fraco do concerto: é que apesar de brilhantemente executado, e de ser incrivelmente absorvente...o ritmo desacelerado e as sucessivas camadas de distorção desgastam um pouco o ouvido, e não foi de admirar que foi dos concertos que suscitou opiniões bastante polarizadas. Contudo, para os fãs da banda e desta abordagem ao stoner, foi sem dúvida um dos concertos do festival.
E de uma referência norte-americana, passamos para a estreia em terras portuguesas de uma das maiores referências europeias e, em particular, alemãs: os prolíficos Colour Haze (já levam 12 álbuns editados desde 1995) são uns autênticos monstros do stoner e do mais que se lembrarem de tocar, já que estes meninos viajam em estilos e em estéticas como se estivessem num tapete voador. E nesse tapete visitaram um pouco toda a sua discografia, incluindo “In Her Garden”, álbum lançado este ano, e que apresenta um som completamente diferente do seu álbum de estreia, “Chopping Machine”. Os Colour Haze, na verdade, são actualmente muito mais do que a banda stoner que eram na sua génese, privilegiando bastante a melodia e despindo roupagens mais heavy, o que lhes permite ser meio groovy a espaços. São também daquelas bandas que ao vivo transcende-se, sendo difícil transcrever para álbum a magia que os experientes stoners atingem em palco. Seguramente um dos concertos do festival, também pautado pela excelente forma como Stefan Koglek foi comunicando com o público. Acabaram, como manda a lei, em festa, e o público não se fez rogado na hora de os brindar com os berros e aplausos da praxe.
A esta altura, já dava para perceber o porquê do apelo do Sonic Blast: grande olho para misturar novos talentos e bandas com créditos firmados na cena, garantido uma mão cheia de concertos e momentos inesquecíveis para quem está mais ligado ao stoner e derivados, mas também atraindo curiosos que simplesmente já se cansaram dos festivais urbanos ou indie mainstream e procuram algo mais genuíno e perto das raízes do que realmente o rock se propõe ser.
E eis que às 00h30 os britânicos Orange Goblin sobem a palco, com a simpatia contagiante de Ben Ward a ser o prenúncio de mais uma excelente passagem da banda por Portugal. Orange Goblin é um pouco como aqueles artefactos do tempo, que raramente mudaram e que conservam de tudo o que de bom este lá do início. Com uma presença e sonoridade mais heavy metal que os restantes parceiros de crime, foram disparados tema atrás de tema, com muito falatório pelo meio, inclusive um gigante obrigado a todos os presentes por continuarem a ouvir e amar bandas fora do circuito alternativo, independentemente do rótulo stoner, psicadélico, heavy metal ou doom, já que na sua essência todas partilham algo semelhante. E é esse algo semelhante que é notório em Orange Goblin, aquele prazer de fazerem o que realmente querem, despreocupados com a prateleira onde os possam colocar, desde que nos consigam levar na sua chopper para beber um fino no bar motoqueiro mais próximo. Houve espaço para uma dedicatória especial ao falecido Lemmy, dos Motorhead, com “No Class” a invocar mosh à antiga, e, na despedida, um gigante “Orange fucking Goblin” e a promessa de um novo álbum em 2018. E nós ficaremos ansiosamente à espera dessa tour.
Para fechar, coube aos Dead Witches essa tarefa inglória, em particular depois do concertão de Orange Goblin. E apesar das tropelias da italiana Virginia Monti (dos Psychedelic Witchcraft)em cima do palco, envergando um vestido de couro e constantemente a abanar-se ao som dos seus colegas, a sua voz fica bem, bem aquém do que é possível ouvir em gravação. A par disso, a sua interacção com o pública parecia muito forçada e muito pouco genuína, coisa que normalmente não combina bem com a prática do stoner e do doom, mas valeu o esforço de tentar hipnotizar os já muito cansados festivaleiros. E nem o facto de ter na bateria um nome forte como Mark Greening (que já foi parte dos Electric Wizard) realmente salvou um concerto bem medíocre, revisitando um pouco as mesmas sonoridades ouvidas constantemente no festival.
E assim foi mais um Sonic Blast Moledo, cheio de fuzz e baterias em mudança de velocidade, regado a muito álcool e as mais diversas substâncias possíveis. Em claro contraste com dificuldade que o Reverence tem tido em reunir os seus fiéis, aqui já se nota que há quem não falte à missa.
-
Organização:Garboyl Lives
-
segunda-feira, 21 agosto 2017