Reportagem Super Bock Super Rock 2011
A 17ª edição do festival Super Bock Super Rock teve, de novo, lugar na Herdade do Cabeço da Flauta. O slogan devia ser “Meco, Pó e Rock n’ Roll”. Este ano, pouca gente deixou o lenço de pescoço em casa e o número de máscaras aumentou comparativamente ao ano passado. Na verdade, se ultrapassarmos o pesadelo que é chegar ao recinto e o pesadelo maior que é estar, de facto, lá, vemos que o festival tem tudo para ser um dos acontecimentos do ano: cabeças de cartaz enormes e um palco alternativo recheado de apostas em artistas novos e artistas que já provaram ter algo a dizer que merece realmente ser ouvido.
No entanto, o recinto em si é a pedra no sapato de toda a gente. A quantidade de pó não deixa de surpreender e o espaço não é suficiente para albergar o número de passes que foram postos à venda este ano. As condições de som também não permitem este número absurdo de pessoas, tendo em conta que mais de metade dos espectadores do palco principal não ouviram quase nada de todos os concertos que ali se passaram. As melhorias não o são, na verdade: o chão em frente ao palco principal é inacreditável. Não há quem não tenha passado a maior parte dos concertos a raspar o chão e afastar troncos de madeira de tamanho considerável de modo a conseguir ter ambos os pés à mesma altura.
Mas as pessoas estão lá pela música. E a música, apesar de tudo o resto, é boa.
Coube aos Sean Riley & The Slowriders as honras de inauguração do palco principal (e de todo o festival). O trânsito não nos deixou chegar a tempo de avaliar a prestação da banda de Leiria, mas soubemos que “It’s Been a Long Night” ficou muito bem representado, apesar das falhas de som que levou a banda a oferecer abraços pelo público.
À nossa chegada - com uma pequena corridinha para chegar a tempo - estavam também os The Glockenwise a entrar em palco. Vindos directamente de Barcelos, têm-se mostrado um pouco por todo o pais. O cheirinho a Milhões de Festa (festival que o vocalista Nuno Rodrigues fez questão de publicitar, sem papas na língua) sentia-se um pouco no ar mal os víssemos a eles e a El Guincho em cartaz. Building Waves ainda tem cartas para dar. Por mais apresentado que esteja um disco, uma coisa que puxa ao mexer de pés como este puxa, não é coisa para se deixar na gaveta (como insistem em deixa o EP de estreia). O concerto teve início com “It’s Not a Dead End But It Most Certainly Looks Like One”, música que termina o primeiro longa duração do quarteto. “Local Song for Local People” e “Stay Irresponsible” foram as responsáveis por o espaço em frente ao palco se começar a compor, a última foi a responsável pela guitarra do Rafa desistir (como viria a acontecer pelo menos mais três vezes durante o concerto – tudo culpa da correia). Curiosos e fãs (vindos de Barroselas e de Barcelos) enchiam um recinto que se iria tornando cada vez mais pequeno. Uma banda já de si muito simpática, agradeceu a toda a gente por os ter ido ver, confessando não esperar um público tão grande. Até o mosh teve espaço, em “Columbine (Out of this Town)” ou “Scumbag”. Sem lhes tirar o mérito devido, o público teve certamente um papel fulcral na boa prestação dos barcelenses que pisavam pela primeira vez um festival “grande”.
Pelas 20h20, entram em palco os The Walkmen. Os norte-americanos estavam felizes por regressar e por ter tanta gente a assistir ao espectáculo. «We love it here, we named our álbum after the place!», grita o vocalista Hamilton Leithauser mencionando o álbum Lisbon da banda. A abrir, “On the Water”. O público já estava rendido e os fãs eram muitos. “Woe Is Me” seguiu-se-lhe enquanto mais e mais gente se reunia para ver a banda. Os fãs sabiam as letras e “In the New Year” mostrou isso mesmo. A banda equilibrou temas antigos e temas recentes. Tocaram uma música nova, composta há semanas, ainda sem nome, que foi bem recebida pelos espectadores. Logo a seguir, a primeira música escrita pela banda – “We’ve Been Had” – bem conhecida de todos. Para o fim, depois da apresentação da banda, ficou “The Rat”, a favorita do público. A letra não falhou a ninguém e as palmas acompanhavam a bateria efervescente de Matt Barrick. A fechar o concerto esteve “All Hands and the Cook”.
Há quem diga que John Lennon voltou, e que lançou um disco na Austrália. Ouvindo Innespeaker, percebemos porquê. Era chegada a vez de “uma das melhores bandas do mundo” (segundo o Nuno dos The Glockenwise). Os Tame Impala chegam-nos directamente da terra dos cangurus com um disco ainda fresco apesar de ter mais de um ano, a estrear o palco EDP de nomes internacionais. Largamente aplaudidos à chegada, entram timidamente com “Why Won’t You Make Up Your Mind?”, com alguns problemas de som. É que nem todo o palco está pronto para este tipo de psicadelismo, com guitarras a soar a plástico e no entanto tão perfeitamente arranhadas. Durante “Solitude is Bliss”, uma multidão bem feita entoava baixinho as letras do single. “It Is Not Meant to Be” preparava-nos para “Alter Ego”, o momento mais dançável do concerto - para alguns, houve bem quem não parasse durante “Desire Be Desire Go” em versão extended. "É de lamentar que ainda haja público a achar que tem piada apontar lasers aos músicos": Se não teve piada nenhuma durante Iggy Pop no Alive!, durante “Island Walking” teve ainda menos. Os australianos despedem-se com “Half Full Glass of Wine”, esperemos que para voltar em breve.
Dois anos depois, The Kooks estavam de volta a Portugal. Na bagagem vinham temas novos do álbum ainda por lançar Junk of the Heart. Uma multidão sem fim reunia-se pelo recinto do palco principal para ver a banda de Brighton. Temas como “She Moves in Her Own Way”, retirada do primeiro álbum da banda e conhecida de todos, ou “Seaside” mostraram como as letras estavam ainda na memória dos fãs. Todos os álbuns foram corridos e equilibrados com os temas ainda por vir do último trabalho da banda. “Junk of the Heart” e “Is it Me” (tocada pela primeira vez na rádio inglesa BBC Radio 1 nessa mesma tarde) foram acolhidas pelos espectadores e havia quem já soubesse as letras, inclusive. Dançava-se por toda a parte ao som de “Naive” e “Stormy Weather” e o vocalista Luke Pritchard passeava pelo palco de guitarra às costas notavelmente feliz por estar de volta.
Há alguém que ainda não saiba o que esperar dos espanhóis El Guincho? Já pudemos vê-los pelo menos três vezes a fazer o que fazem melhor, uma tropicália de sons, em ambiente mais que perfeito. A esta hora, já tínhamos os pés cheios de areia, e até soube bem. Os problemas de som mantinham-se no palco EDP e quase que aconselhávamos o Pablo a ir fazer o próprio som. “Kalise” não teve, de todo, a recepção que merecia. Grande parte do público parecia não saber como se mexer ao som da música (que pouco se ouvia, pelo menos algo mais alem do baixo) e ficámos todos a gravitar no espaço durante um bocado, até “Ghetto Facil” e “Soca del Eclipse”, do último Pop Negro. O espírito Milhões de Festa instalou-se em “Palmitos Park”, sob uma lua cheia que iluminava o espaço – foi o próprio Díaz-Reixa a admiti-lo. Um festival que deixa marcas ao ponto de ser falado duas vezes no mesmo palco, só pode ser boa coisa. “Novias” e “Bombay” já estavam a deixar toda a gente treinada para os paços de dança obrigatórios – a nuvem de pó levantou-se e já não baixou. O adeus nunca feito com “Antillas” gerou o caos no EDP e não deixava vontade de que acabasse, mas ainda havia Lykke Li para encerrar o espaço. Os espanhóis despedem-se, elogiando o país de onde, pelos vistos, gostam de regressar vezes sem conta.
A anteceder os cabeças-de-cartaz, esteve Beirut. Zach Condon e a sua banda regressaram a Portugal para um concerto que encantou os fãs mas não fascinou o público do Meco. Com algumas palavras proferidas em português, o jovem músico apresentou temas dos seus trabalhos Gulag Orkestar e The Flying Club Cup, juntamente com temas já incluídos no seu último trabalho, The Rip Tide, com data de lançamento prevista para 30 de Agosto, como foi o caso de “Vagabond” e “Santa Fe”. Longe do rock n’ roll, mas com uma variedade de sons e instrumentos admirável, foram temas como “Elephant Gun”, “Postcards from Italy” e “My Night With the Prostitute From Marseille” que fizeram as delícias dos fãs presentes. O som não chegou a todos, havia sítios onde se ouvia melhor a música das bancas da Sic Radical e afins. O músico mostrou a sua alegria em ter voltado e agradeceu a presença e apoio dos fãs, que entoaram as letras sem falhas.
O palco EDP encheu-se de luzes e panos pretos do chão à altura dos holofotes. O cenário estava pronto e o público aguardava a entrada da sueca Lykke Li em palco. Esperava-se um concerto com muita energia, como a cantora nos tem vindo a habituar, mas todos estavam de pé atrás por causa do tom mais calmo que o seu último trabalho, Wounded Rhymes, tinha adquirido. Para dar início, ouviu-se “Jerome”, do último álbum, um belo tema. De véu preto, que tirava e colocava durante os temas para os dramatizar a seu bel-prazer, Lykke Li empunhava a sua baqueta e dava vida à sua percussão (menos vezes que o que se esperava ver, no entanto). O recinto enchia e acolheu com furor “I’m Good, I’m Gone”. Não foi suficiente, no entanto, já que se ouviu a sueca gritar «you’ve got to give me more than that!» no final do tema. A sua vontade foi feita e uma multidão eufórica recebeu “Sadness is a Blessing”, um dos singles retirados de Wounded Rhymes. No alinhamento, constaram duas covers: “Silent Shout”, de The Knife e “Until We Bleed”, de Kleerup. “Little Bit”, a habitual favorita, foi recebida com entusiasmo e para o fim ficou a explosão de “Get Some”. Apesar do receio de que este fosse um concerto menos espectacular da sueca, a verdade é que a cantora conseguiu conferir força ao seu último álbum, deixando todos com vontade de um espectáculo em nome próprio por terras lusas.
Em posição de cabeças de cartaz, os ingleses Arctic Monkeys regressam a estas bandas para mostrarem Suck it and See, álbum que deixa algumas reservas em casa, mas que em concerto se traduz nos clássicos macacos. Entraram em palco ainda antes da hora prevista, com “Library Pictures” e um jogo de luzes do qual as outras bandas não gozaram. E se Suck it and See vinha como assunto principal, houve bastante espaço para temas mais antigos, “Brianstorm” e “This House is a Circus” os primeiros desse grupo a serem entregues a um público devoto que não deixava nada nem ninguém passar-lhes à frente. “Still Take You Home” ainda levou Alex ao chão, esperneando-se com a sua guitarra até voltarmos a assuntos sérios: “Don’t Sit Down Cause I’ve Moved the Chair” e “Pretty Visitors”, dos dois últimos álbuns. Para os momentos de maior festa e danças por todo o recinto, serviram o clássico “I Bet You Look Good on the Dancefloor” e “When the Sun Goes Down”, antes do encore. A terminar este fantástico concerto, ouviram-se “Suck it and See”, seguida de “Fluorescent Adolescent”, culminando na fantástica “505”. Puro rock n’ roll.
Tivemos poucas oportunidades de passar pelo Palco @Meco, mas o que vimos chegou para perceber que Nicolas Jaar com banda e Tiago Miranda mantinham a tenda no mesmo nível de animação que o restante festival. O fim da noite ficou por conta de James Murphy, dono dos agora defuntos LCD Soundsystem e que levou o maior número de pessoas à tenda, ganhando para muitos o lugar de homem da noite no @Meco.
15 de Julho de 2011
Mais um dia de concertos no festival Super Bock Super Rock, marcado por temperaturas altas e música para todos os públicos, porém, a continuação de más condições. tanto nos acessos como no recinto. O pó e a sobrelotação do acampamento levou a que muitos festivaleiros se sentissem mal no decorrer do evento, no entanto, a vontade de ver as bandas adoradas como Arcade Fire e Portishead é maior do que o desconforto e tenta-se suportar tudo (ou quase tudo). Por volta das quatro horas da tarde, à hora da abertura do recinto, já podiam ser vistas inúmeras pessoas, quer sentadas à sombra das árvores, quer a marcar lugar na grade – pois avistavam-se dois grandes concertos que, certamente, ninguém queria perder.
Foi ao projecto Noiserv, de David Santos, que coube a honra de abrir o palco principal e, apesar de ter tido um público numeroso e ansioso por o ver tocar, não somos capazes de deixar de estranhar este início de alinhamento, uma vez que o cantor e intérprete certamente beneficiaria um palco menor com um ambiente mais intimista. David Santos não se intimida, no entanto, e, com o seu arsenal de instrumentos e maquinarias, tal como com Diana Mascarenhas, encarregue dos desenhos a preto e branco que iam sendo projectados em metades opostas do palco, encantou um público que o recebeu de braços abertos, a si e aos seus temas acústico-electrónicos suaves. Parecem canções de embalar, mas revelam-se mais profundas que isso: ‘Melody Pops’ e ‘Consolation Prizes’ têm histórias por detrás que são reveladas por uma voz introvertida atrás de uma guitarra. O público encanta-se e o artista sai satisfeito.
Era a altura da actuação dos L.A. no canto oposto do recinto arenoso, um concerto que terá feito a delícia dos muitos espanhóis que se misturavam entre o público, no entanto, a nossa atenção esteve focada em Rodrigo Leão. Acompanhado pelos Dark Jazz Ensemble, este ofereceu ao público um concerto que terá agradado em maior parte a um público mais adulto, conhecedor quer dos talentos quer do material do artista, mas que não deixou de ser agradável. O multifacetado Leão prima tanto pela construção instrumental elaborada como pela infusão de estilos muito diferentes, mas que nunca chegam a parecer distintos, e é um deleite especial ouvi-lo quando acompanhado pela voz fantástica de Ana Vieira. ‘Vida Tão Estranha’ todos reconhecem, já ‘A Corda’ e o novo tema ‘A Dor Mente’ passa mais ao lado e o concerto culmina em ‘Pasión’ - é com muitos aplausos que se despedem os versáteis músicos.
No palco secundário, é B Fachada que entretém as massas. Uma espécie de ave rara na cena musical portuguesa, é decerto que não agradará a toda a gente, mas transborda de auto-confiança e carisma de tal ponto que os seus concertos acabam por ter graça. Acompanhado por três músicos na sua banda, B Fachada passou por alguns dos temas que já são sua marca, como ‘Estar à Espera ou Procurar’ e mesmo ‘Zé’, muito pedida pelo público. Este combina a voz teatral em Português às guitarradas acústicas de cantautor, lembrando Sérgio Godinho com um twist moderno, desdobrando-se em personagens nas suas letras quase como Fernando Pessoa. Já não é desconhecido do público português, relembramos que no festival Super Bock em Stock do ano passado também actuou para um São Jorge lotado, e é com toda a naturalidade que se juntaram muitas pessoas para assistir ao miúdo maravilha de língua afiada, mas de talento peculiar a transbordar.
Já o concerto de Paulo Furtado ou Legendary Tigerman, no palco secundário, não tivemos oportunidade de presenciar (são estes os pontos menos bons de um festival centrado em dois palcos), decidindo apanhar os The Gift, no palco principal, juntando-nos aos muitos que já marcavam lugar para lá ficar o resto da noite. No entanto, se todos estavam à espera de um best of da banda portuguesa na hora e pouco em que actuaram, os The Gift decidiram trocar as voltas ao público e apresentaram, na sua grande parte, temas do novo álbum Explode. Evitam-se os grandes êxitos (menos os inevitáveis, como ‘Driving You Slow’) da grande carreira dos portugueses e entra-se num universo mais agitado, mais entusiasta, com um ligeiro desvio musical, do novo material. Sónia Tavares e Nuno Gonçalves de tudo tentam para agitar a hoste, incitando-a, correndo pelo palco, no entanto, fica a impressão que os temas de Explode, como ‘RGB’ e ‘Made For You’ não têm o impacto nem a qualidade desejadas. De facto, é com uma certa despreocupação que se assistiu a este concerto, que nem aqueceu, nem arrefeceu.
Mudança mais anti-climática dificilmente houve nesta edição do Super Bock Super Rock, o que nos levou a questionar, novamente, o alinhamento deste segundo dia: chegou a altura dos Portishead tocarem no palco principal, num dos concertos que se afigurou como inesquecível para todos os presentes. Os ingredientes principais desta fórmula (quase) imbatível? Em primeiro lugar, a estética assombrosa dos efeitos em loop das câmaras que filmavam a banda em palco, que tanto nos transportavam para os anos 80, como nos proporcionavam arrepios na espinha. Em segundo lugar, a voz belíssima de Beth Gibbons, que tem de doce e aterrador em doses iguais, e que é como o estandarte da imensa qualidade musical dos Portishead. É esta voz que nos leva de ‘Silence’, tema que abriu o concerto, para a muito aplaudida ‘Glory Box’ de Dummy (1994), através de um encanto tão grande que parece fantasia. Por último, é a grande capacidade técnica, não só de execução como de mestria do som, dos restantes membros da banda, que os temas mais mecânicos como ‘Machine Gun’ e ‘The Rip’ são entregues ao público na perfeição. Teme-se o quebrar do feitiço, que à luz da lua parece mais forte do que nunca, no entanto, o público português não hesita em acompanhar Gibbons em temas como ‘Roads’ e ‘Wandering Star’. Foi ‘Over’ o momento alto da noite, num concerto de excelente qualidade, que serviu como um primeiro KO deste segundo dia do festival.
Chega, por fim, o final da noite, e sente-se no ar a ansiedade dos fãs portugueses, que já esperavam pelos Arcade Fire desde Novembro do ano passado. O cenário da banda canadiana envolve a tela de uma sala de cinema e é precisamente assim que começa o concerto, com a exibição de uma sequência de trailers retro e de uma pequena apresentação de Scenes from the Suburbs, o filme de curta metragem da sua autoria, realizado por Spike Jonze. Lançam-se as bases para a completa histeria do público português, exacerbada pela entrada dos músicos em palco e por uma ‘Ready to Start’ que se pronta imediatamente a irromper pela Herdade do Cabeço da Flauta.
Se os Arcade Fire já tinham um certo estatuto de banda de culto entre os portugueses, foi com esta terceira vez em Portugal (já tinham passado precisamente pelo festival Super Bock Super Rock, em 2007) que estes consolidaram uma base de fãs que roça o impressionante. Em ‘Keep the Car Running’ e ‘Neighbourhood #2 (Laika)’, o público não hesita em saltar, esbracejar e cantarolar, tanto as letras, como as próprias melodias, tanto que recebem de Win Butler, porta-voz e líder da banda, o enorme de elogio de lhes lembrarem porque actuam ao vivo. Ora, tamanha devoção a artistas não é rara, mas de uma dimensão tão grande é um ode à qualidade desta banda, que reúne tudo o que uma banda rock moderna deve ser e que se espalha por todos, sem nunca perder o que tem de único: a ligação com quem os ouve.
É, de facto, uma ligação muito especial que estabelecem com os seus fãs, quase espiritual, muito pautada por temas nostálgicos de uma juventude eterna que é bela, e nunca barata. ‘Neighhourhood #1 (Tunnels)’ e ‘The Suburbs’, do homónimo esforço musical lançado ainda este ano, são excelentes exemplos, tal como a universal ‘Crown of Love’ e a adorável ‘Haiti’, interpretada pela mágica e colorida Regine Chassagne, a outra metade da dupla que encabeça esta revolução sonora.
Em palco, estão quase uma dúzia de músicos, que nunca descansam e dão tudo de si, numa despejo de energia incomparável sem nunca se descuidarem tecnicamente. ‘Month of May’ foi um dos momentos que incendiaram por completo o recinto do festival num rodopio frenético sonoro, que quase põe um pézinho no punk, seguida da estrondosa ‘Rebellion (Lies)’, que todos têm na ponta da língua. Este foi, seguramente, um dos momentos da noite e, vindo-se pelo sorriso de orelha a orelha de Win Butler, este não passou despercebido.
Claro que um concerto desta magnitude nunca poderia acabar sem bang e, já no encore, ‘Wake Up’ foi prontamente aplaudida por um público com ânsia de catarse emocional, que atingiu o extremo no tema emblemático dos canadianos. Levantam-se os braços, brada-se aos céus com uma comoção que desassossega e emociona – é este o fenómeno que inunda a Herdade do Cabeço da Flauta e abafa os próprios músicos, é este o abalo delirante que é provocado pelo espírito de um movimento que é maior do que os seus criadores. ‘Sprawl II’ encerra um dos melhores concertos que este festival já viu – para muito agrado de quem tudo suportou para o poder presenciar.
Por fim, uma vez mais, os Arcade Fire provam que já são pesos pesados no panorama musical internacional, mas mais que isso: são uma banda que, além de estilo, têm coração e espírito a transbordar.
16 de Julho de 2011
Foi com concertos como o dos nova-iorquinos The Strokes e Slash que foi encerrada esta 17ª edição do Festival Super Bock Super Rock, na Herdade do Cabeço da Flauta. A segunda edição do festival lisboeta no Meco foi um grande sucesso aparentemente. Apesar de esgotados os bilhetes para a maior parte dos dias o festival conta ainda com algumas deficiências estruturais, tanto a nível do recinto em si, como no acampamento. O pó parece ser uma das maiores queixas, algo a que os organizadores têm de tomar atenção, para não dissuadir os possíveis e futuros festivaleiros que terão reservas em respirar a poeira levantada.
Neste último dia foram os X-Wife, os já muito conhecidos músicos portugueses, que estrearam o palco principal por volta das sete da tarde. Apesar do público ser menor e as condições climatéricas não estarem a favor (tanto em termos de calor como de vento), os portuenses proporcionaram um agradável concerto, repleto de energia e boa-disposição. Junta-se o estilo descontraído dos artistas ao indie rock electrónico e tem-se a receita dos portuenses: temas eficazes como “OntheRadio” e “I Keep On Dancing” conseguiram incitar as massas a abanar as ancas, naquela que foi uma oportunidade de apresentação do novo esforço Infectious Affectional. Considerem-nos convencidos.
Pouco depois, eram os PAUS que faziam furor no palco secundário. A super banda, constituída por nomes como o de Hélio Morais (Linda Martini e If Lucy Fell), Joaquim Albergaria (The Vicious Five) e de Makoto Yagyu (If Lucy Fell), levou os amantes de música por uma viagem tribal e espacial mirabolante ao longo de quase uma hora. Considerado como um dos novos e mais entusiasmantes projectos que se desenrolam em Portugal, os PAUS aliam o inabitual (tanto na bateria a dobrar como na multiplicidade de influências sonoras) ao empiricamente provado (principalmente os coros) numa comunhão feliz e de inegável qualidade. Ao vivo, mostram uma enorme mestria técnica nos temas do EP É Uma Água – ‘Mudo e Surdo’ é o ponto alto do concerto, sem dúvida - e também nos do disco por lançar em Outubro, que mostram uma vertente ainda mais experimental dos heróis do público português. Um concerto vertiginoso que encheu as medidas.
Novamente no palco principal, era Brandon Flowers que dava ares da sua graça. Sem os The Killers, o músico americano apresentou-se bem disposto e comunicativo na apresentação do seu álbum de estreia, Flamingo, ao público português. Menos chamativo que o trabalho com os restantes membros da banda, os temas do seu álbum de estreia não mostram um grande desvio da sonoridade chave dos The Killers, nem são particularmente originais. No entanto, ‘Jilted Lovers’ e ‘Only The Young’ foram algumas das músicas que mais agitaram os jovens, que os receberam de braços abertos, mas que apenas vibraram nas versões de ‘Mr. Brightside’ e ‘Read My Mind’. Refrões chorudos e pé no electrónico marcam o passo e Brandon Flowers pode, com certeza, ter razões para sorrir com a sua recepção em Portugal a solo.
Já os Junip, no palco secundário, também foram bem recebidos, talvez por um público que ansiava um ambiente mais calmo e uma fuga ao frenesim que caracteriza os festivais de verão. Mais conhecidos pelo seu vocalista, José González, a banda sueca proporcionou um concerto calmo, mas repleto de interesse, naquele que foi o regresso a Portugal desde a actuação no festival Super Bock em Stock, em Dezembro do ano passado. O receptivo público ouvia com atenção do folk suave, dedilhado em guitarra acústica pelas hábeis mãos de González, claro mestre e maestro dos Junip: mostra-se um tímido e subtil intérprete, mas o sueco sabe quase que hipnotizar os festivaleiros com a sua voz amena, deliciando os ouvidos de quem estava presente. ‘Always’, ‘Rope and Summit’ e ‘Without You’ foram alguns dos temas tocados de Fields(2010), demonstrando uma sonoridade harmoniosa que, não sendo espectacular, é única.
Se os Junip gozaram de um público bastante acolhedor, no palco principal eram os Elbow que se esforçavam por manter os festivaleiros bem despertos. É decerto que os ingleses não criam o rock alternativo mais barulhento, sendo talvez demasiado emotivo e etéreo para reunir um entusiasmo maior do público, mas não se poderá dizer que não têm qualidade. Vencedores do Mercury Prize pelo álbum SeldomSeen Kid, os Elbow demonstram uma enorme sensibilidade musical na construção de temas belíssimos como ‘LippyKids’, que têm uma complexidade maior do que a que aparentam à primeira vista (daí que cheguem a um rock progressivo, que não o deixa de ser por ser mais moderado). Na apresentação de Build a RocketBoys!, os britânicos mostraram-se excelentes, com uma performance em palco activa e animada, no entanto, a massa de cabeças que já se alojavam perto do palco principal parecia apenas guardar lugar para concertos maiores. É uma pena.
Fomos impossibilitados de assistir ao concerto de Ian Brown, no entanto, permanecemos para testemunhar a presença do mítico Slash, ex-guitarrista dos Guns N’ Roses, no palco português. Rock and roll puro já é de esperar, e foi o que marcou o passo no final do último dia no Meco. Slash, de cartola na cabeça, continua um inatacável performer ao vivo, deslizando pelo braço da sua guitarra eléctrica como se fosse um próprio membro do seu corpo. A mestria do seu instrumento nunca poderá ser algo que podemos criticar, no entanto, o temas do seu álbum a solo pareciam agradar mais a entusiastas e conhecedores do seu trabalho, permanecendo indiferente para muita gente que assistiam ao artista. Myles Kennedy emprestou a voz, de forma competente, a temas como ‘Ghost’, ‘Mean Bone’ e ‘Nighttrain’, porém, estes pouco foram capazes de agitar a hoste. O acordar da hipnose (já o cansaço era muito) dos que assistiam só veio com a famosíssima ‘Sweet Child O’ Mine’ e ‘Paradise City’, então sim, entoada pelo recinto e aplaudida como nunca. Velhos êxitos que nunca morrem, por isso pode Slash estar grato.
Messias do indie rock, ídolos de uma geração, chamem-lhe o que quiserem – o fenómeno The Strokes ainda é grande e capaz de atrair um grande público. Os senhores que lançaram uma grande parte do movimento indie, no início do século XXI, apostaram num concerto eficaz, com os melhores momentos da sua carreira, embora tenha pecado por ser curto.
Julian Casablancas e a sua trupe entraram de maneira despreocupada em palco, abrindo de imediato com ‘New York City Cops’, seguindo-se pouco depois por ‘Reptilia’ – e o delírio é universal. Fãs apertam-se, saltam e bradam os versos mais que recordados, tão ansiosos por catarse emocional que é impressionante de ver. Apesar de terem a etiqueta de alternativos, não estão longe do apelidado comercial, com o rock extremamente melódico e harmonioso, repleto de solos, que satisfazem qualquer ouvinte fácil de música. Sabem que a sua fórmula funciona – basta assistir à sequência ‘Last Nite’, ‘Modern Age’ e ‘Is This It’ para o confirmar, uma vez que, apesar dos ligeiros problemas de som, o público retribui tudo o que lhe é dado, com ânsia de agradar aos seus ídolos. Talvez este culto aos The Strokes tenha sido resultado do pequeno interregno de cinco anos que se seguiu ao lançamento de First Impressions of Earth, em 2006, mas o que é certo é que os fanáticos Strokeanos até o disparo algo ao lado de Angles, lançado neste ano, perdoam. ‘Machu Picchu’ e ‘Under Cover of Darkness’ são belos e agradáveis exemplos deste ligeiro desvio sonoro que deixou a pedir mais, mas que é bem recebido por um público com energia inesgotável.
Ora, se o público brilhou pelo seu apoio incondicional, os performers é que ficaram um pouco a perder. Apesar de comunicativos, o espírito e a quase rebeldia que caracterizava a banda nova-iorquina no início de carreira (e até na passagem por Lisboa, em 2006) parece ter desaparecido, sendo substituído por uma exibição mecânica, embora tecnicamente irrepreensível – Valensi e Hammond, Jr. dedilham as suas guitarras com a mesma pujança de Slash. Já Casablancas passeia pelo palco despreocupado e parece uma sombra de si mesmo – parece estranho quando anteriormente viviam do espírito e da performance ao vivo exuberante e energética.
A lendária ‘Hard to Explain’ antecede a agressiva e energética ‘Juicebox’ e pouco depois é ‘Take It or Leave It’, num fechar explosivo de concerto, mas que não contou com nenhum encore. Os fãs ficam a pedir mais, mas não têm sorte. Fica a memória de uma banda crescida, de um concerto divertido e eficaz, mas também a memória do que já foi.