Reportagem Super Bock Super Rock 2014
Novo ano, nova edição do festival Super Bock Super Rock, que desde 2010 acontece na Herdade do Cabeço da Flauta, no Meco. Esta foi a 20ª edição do festival e por lá passaram nomes como Massive Attack, Disclosure, Eddie Vedder, Woodkid, Foals, Kasabian, entre muitos outros.
No total dos três dias, passaram pelo Meco 86 mil pessoas (27 mil no primeiro dia, 35 mil no segundo dia e 24 mil no último dia), segundo avançou à imprensa a responsável pela contratação das bandas na promotora Música no Coração.
Fiquem então com o rescaldo do festival:
Dia 1 - 17 de Julho
Chegámos tranquilamente ao recinto e já os californianos Vintage Trouble davam o litro no palco principal. Se para alguns acabou por ser uma doce surpresa, dado o blues rock com pitadas de soul apresentado e, principalmente, pela presença do vigoroso vocalista Ty Taylor, um senhor incansável, para outros, como para este vosso escriba, acabou por ser um concerto que passou ao lado e que nada transmitiu. Fomos até outro ao palco EDP…
E encontrámos Erlend Oye, uma das metades dos fantásticos Kings of Convenience. E que falador Oye é. E amável também. Apoiado pelo pôr-do-sol como pano de fundo, este homem de óculos e cabelo ruivo, que nos faz lembrar um eterno rapaz “geek”, lá foi cantando sobre os seus amores e desamores (em inglês e italiano), ao mesmo tempo que nos falava da banda Cock Motherfucker que o próprio criou na sua terra natal, de cerveja e das mulheres italianas. Afinal, Oye mudou-se para Itália, mais especificamente Sicília, para “encontrar uma vida diferente”.
Pediu uma palheta a alguém do público, pediu que os presentes acompanhassem um dos seus temas com “ciao” e “arriverdeci”… Enfim, um brincalhão este ruivo, que esteve em palco acompanhado por um flautista/teclista e um guitarrista, com o primeiro a interpretar depois uma música em islandês.
Desenganem-se aqueles que pensam que esta era a primeira vez de Oye no Meco. Na verdade, o músico esteve com o seu companheiro dos Kings of Convenience num festival eletrónico que se realizou em 2002 e que se conhecia por Hype@Meco. É verdade. Quanto a nós, não ficámos até ao fim do concerto, mas adorávamos que o islandês regressasse num espetáculo a solo.
Regressámos ao palco Super Bock para assistirmos ao concerto dos Metronomy. Com o novo álbum Love Letters na bagagem, não é surpreendente o facto de terem baseado a sua atuação no último registo discográfico e, embora Love Letters não seja assim tão entusiasmante na versão de estúdio, ao vivo os novos temas ganham outra garra e força. Aliás, soam tão bem que quase parece que os Metronomy os tocam há largos anos.
A banda surgiu em palco, com todos os elementos vestidos em branco, apoiada por um cenário composto nuvens cor-de-rosa, a denotar a capa do mais recente álbum. Bem recebidos pelo público (ainda assim, era bastante fácil chegar aos lugares da frente), os britânicos foram largando o seu synth-pop, os seus refrões orelhudos e as suas cartas de amor em temas como “Love Letters”, “I’m Aquarius”, “Reservoir” ou a incrível instrumental “Boy Racers”, todos eles do último álbum de estúdio, mas sem nunca esquecer a sua discografia. Escutámos também “The Bay”, “The Look” (com o vocalista Joseph Mount ao piano) e uma muito dançável “Month of Sundays”. Nesta altura já toda a plateia dançava, e os Metronomy mostravam-se felizes co a reação. A verdade é que, ao vivo, a presença da banda é inesgotável, mostrando que um regresso a Portugal será muito bem-vindo. Nós gostamos. E eles também. Grande concerto.
Optámos por guardar lugar e ficámos à espera do concerto dos Tame Impala. E qual não terá sido a reação de todos quando escutaram uma versão desvirtuada “Can you feel the love tonight”, de Elton John? A música que anunciava a entrada dos músicos da banda em palco rapidamente esmoreceu ao ser substituída por “Be Above It”, a faixa que inaugura o álbum Lonerism.
A verdade é que desde cedo se percebeu que o quarteto australiano se podia afigurar como o grande vencedor da noite. Isto, não só a avaliar pela mancha de público que os acompanhava, como por toda a histeria que se ia instalando em cada música. O público fazia mosh e saltava desenfreadamente mesmo quando não devia, o que deve ter causado algum desconforto naqueles que apenas estavam por ali para apanhar uma trip psicadélica.
Afinal, é mesmo isso que os Tame Impala fazem, levam o psicadelismo a qualquer lado. Neste caso, cada um vive o momento como bem entender – pode-se dançar ou, simplesmente, relaxar e fazer com que os nossos ouvidos sejam o nosso melhor amigo naquele momento.
A banda liderada por Kevin Parker não foi muito faladora, porém, mostrou que os temas retirados de Innerspeaker (2010) e Lonerism (2012) causa mossa ao vivo. A provar, temas impetuosos e preponderantes como “Elephant”, “Apocalypse Dreams” ou “Feels Like We Only Go Backwards” causaram o delírio, ao mesmo tempo que eram exibidas imagens psicadélicas e psicotrópicas.
Esta não foi, de resto, a primeira vez dos Tame Impala no SBSR, dado que tinham marcado presença no palco secundário na edição de 2011. A verdade é que, quatro anos depois, eles são um pequeno fenómeno de popularidade. Foi, provavelmente, a vez em que foram mais bem recebidos no Meco.
Antes do concerto dos Massive Attack, ainda fomos espreitar um pouco do que o britânico Jake Bugg tinha reservado ao público português.
E o que dizer? Há que realçar dois pontos. Primeiro, Shangri La, segundo álbum do puto inglês, está mesmo uns furos abaixo do disco de estreia Jake Bugg. Curiosamente, as músicas do segundo registo discográfico acabam por funcionar ao vivo, mostrando-se algo diferentes das versões de estúdio. E isso ajuda a que o concerto funcione de outra forma.
Mas Bugg ganha pontos ao perfazer um country rock com laivos de pop que nos fazem lembrar artistas tão diferentes como Neil Young ou Rolling Stones. Já o público que por lá andava aparentava ser conhecedor do repertório, recebendo com igual entusiasmo as músicas do primeiro ou segundo CD. Tivemos de sair do concerto para regressar ao palco principal. Afinal, estava para começar o concerto dos Massive Attack.
Este era o 15º concerto dos Massive Attack em Portugal. Podem ter-se formado em 1988 (quase 30 anos de carreira portanto), mas não é qualquer banda que dá tantos concertos no nosso pequeno país. E foi mais um belo concerto. Aliás, achamos difícil que uma banda deste calibre consiga dar maus concertos, embora tenhamos a certeza que, para muitos, os Massive Attack não passavam de “mais uma banda”, ao invés de um verdadeiro cabeça de cartaz.
Liderados por Robert “3D” Del Naja e Grantley “Daddy G” Marshall, os Massive Attack levaram ao Meco um novo espetáculo estreado em junho em Barcelona, Espanha, e que combinava uma performance áudio, visual e artística, com um marcado discurso político. E, no final de contas, estes pioneiros do triphop, que lançaram o último álbum Heligoland em 2010, mostraram que andam bem atentos à atualidade.
Com a participação de Horacy Andy e das senhoras Martina Topley Bird e Deborah Miller, os Massive Attack não só revisitaram a sua discografia, como apresentaram novos temas de um próximo registo de estúdio. As vozes imaculadas destes três cantores, juntamente com imagens e textos que criticavam a política, o desporto, enfim, a sociedade em geral, foram o ponto-chave para um concerto acrisolado, mas também muito hipnótico e laudânico. Eles prometeram um espetáculo interventivo. E cumpriram!
São misteriosos q.b. e podem já ter uns aninhos disto, mas é com agrado ver que souberam amadurecer com qualidade. Assim, temas mais recentes como “Paradise Circus”, ou “Girl I Love You” foram apresentados, assim como êxitos da velha guarda como “Teardrop”, “Angel” e “Unfinished Sympathy”.
Quatro anos após a última visita a Portugal, soube bem ouvir novamente os clássicos de uma carreira muito própria e que só tende a adensar-se. Grande, grande concerto.
Entretanto, e após o final do concerto, Panda Bear atuava no palco EDP, mas infelizmente não nos foi possível ver a sua atuação. Porquê? É que os Disclosure, que lançaram no ano passado o aclamado disco Settle, iam entretanto entrar em palco.
A verdade é que já tínhamos visto este duo britânico, constituídos pelos irmãos Guy e Howard Lawrence, noutro festival no verão passado, e já na altura ficámos com a sensação de que eles tinham espaço para explodir e para conquistarem palcos maiores. A nossa dúvida revelou-se certeira e ei-los, aqui, no palco principal do Super Bock Super Rock.
Tinham muita gente à espera deles, e até podem não ter trazido os colaboradores do seu disco, como Mary J. Blige, Sam Smith, Jessie Ware, Eliza Doolittle ou Hannah Reid dos London Grammar, mas o espetáculo visual que apresentaram fazem esquecer por momentos que não está ali mais ninguém em palco para além dos irmãos Lawrence.
A coisa até começou mal: chegaram com 20 minutos de atraso, para desespero de muitos festivaleiros. Mas, logo a abrir, “F For You”, abriu as hostes e acendeu o rastilho para uma hora e pouco de festa. E dança, muita dança.
Os irmãos dividem tarefas. Se Howard leva as linhas de baixo a bom porto, Guy encarregava-se das teclas e outros. Puxaram várias vezes por um público que parecia algo frio e que não reagia assim de forma tão entusiasta. Talvez por causa do som? Às vezes tínhamos a sensação de que algumas melodias eram engolidas pelo poderio do baixo, algo que pode não ter ajudado.
Às tantas lá disseram: “Nós somos os Disclosure do Reino Unido”. Não que fosse algo que alguém quisesse saber ou precisasse de saber.
Há que fazer um ponto da situação: se os Massive Attack não eram os verdadeiros cabeças de cartaz, para muitos os Disclosure eram os reis da noite. Embora, como referimos, o público não fosse tão audível cada vez que os irmãos Lawrence falavam, a verdade é que olhámos muitas vezes para o nosso lado e vimos pessoas a aproveitarem como se aquele fosse o último concerto das suas vidas. Ali cada uma dançava como quisesse ao som de pérolas da música atual como “You & Me”, “When a Fire Starts to Burn”, “Latch” (cantada por toda a gente), ou “Help Me Lose My Mind”.
Nota negativa apenas para a fantástica “White Noise”, que teve de ser interrompida devido a problemas de som e que causou cinco minutos de silêncio do recinto. Sem qualquer culpa para os Disclosure, é claro, que irão um dia regressar mais fortes que nunca.
Dia 2 - 18 de Julho
O dia que chamava mais gente. Um dia à beira de esgotar. O responsável? Eddie Vedder, o senhor vocalista dos Pearl Jam. Mas este também foi um dia pautado por vários atrasos, muito por culpa do mau tempo que se fez sentir.
Neste segundo dia, já não chegámos a tempo de ver os tugas For Pete Sake, mas conseguimos ver a atuação dos também portugueses Keep Razors Sharp sem qualquer problema. É uma espécie de supergrupo português: é uma banda constituída por Afonso Rodrigues, vocalista dos Sean Riley & The Slowriders; Luís Raimundo, vocalista dos The Poppers; Bráulio, ex-Capitão Fantasma, e Bibi, dos Riding Pânico. E se muitos dos que se juntavam no palco Antena 3 não conheciam esta nova superbanda, a verdade é que terão ficado agradados com o som denso baseado em rock alternativo com laivos de psicadelismo.
Soam melódicos, musculados, pesados. Apresentam boas malhas. Esperamos ansiosamente pelo álbum de estreia.
Fomos até ao palco EDP espreitar o virtuoso da guitarra Joe Satriani… Mas não gostámos. Pareceu-nos algo desalinhado e certamente que muitos dos curiosos acabariam por rumar a outros lados por ouvirem solos e mais solos num loop sem fim.
Fomos até ao palco principal para ver a estreia dos nova-iorquinos Cults. E o que dizer? Um concerto fofinho, doce, mas que não gerou muito entusiasmo (até mesmo alguma indiferença) naqueles que guardavam lugar em frente do palco principal. Ainda assim, vimos algumas pessoas a trautearem alguns temas, e também a esboçar alguns sorrisos.
Liderados por Madeline Follin e Brian Oblivion, os Cults foram apresentando o seu repertório, que basicamente assenta em dois álbuns de originais: Cults e Static. Nisto, ouvimos músicas como “Always, Forever”, “You Know What I Mean”, “Go Outside” ou “I Can Hardly Make You Mine” (dedicada aos Sleigh Bells), sempre bem executadas na voz suave e afável de Follin. Não foi um concerto que ficou na memória, mas foi competente q.b.
Entretanto, no palco EDP, era altura dos Pullet Apart By Horses entrarem em palco. E a chuva começava a não ajudar. Mas isso não impediu a banda de fazer a festa. Vindos diretamente de Leeds, os Pulled Apart By Horses são agressivos e berram muito. São violentos, mandaram um “fuck the rain” para o ar e incentivaram à festa e ao mosh.
Infelizmente não houve pó no ar, e isto porque começou a chover bastante, facto que a organização não prestou atenção. Como consequência, a banda viu-se obrigada a encerrar o concerto mais cedo, deixando três músicas por tocar, ou não fossem eles ficar “eletrocutados”.
Nesta roda-viva de andar de um lado para o outro, caminhámos novamente para o palco principal onde o Sr. Paulo Furtado aka The Legendary Tigerman se apresentava para dar mais um concerto carregado de puro rock’n’roll.
Imparável e mesmo com a chuva a chatear, The Legendary Tigerman conta agora com a ajuda de Paulo Segadães na bateria. Mas este não foi um concerto qualquer, antes especial. O português contou com várias colaborações em palco. Um quarteto de cordas em “Love Ride”, o pianista Filipe Melo para uma cover de “Green Onions” de Booker T and the MGs, o saxofonista João Cabrita em “Gone” e Alex D’Alva Teixeira e Ana Cláudia em “These Boots Are Made For Walking”. Ou seja, toda uma nova experiência, uma nova roupagem espalhada pelos seus três álbuns.
Tigerman, que lançou o seu mais recente álbum True este ano, foi uma fera em palco, mostrando que vai ficando com cada vez mais mestria a cada concerto que vai dando. Um dos melhores artistas portugueses da última década? Talvez, ou não fosse ele o autor de canções poderosas como “Naked Blues” ou “Storm Over Paradise”. O público, já todo molhado, não arredou pé. É que o homem tigre sabe o que faz.
Entretanto a chuva viria causar problemas noutros palcos e fomo-nos abrigar no palco Antena 3, onde Capicua iria presenciar os presentes com um dos melhores concertos do festival.
“Esta gente toda é por causa da chuva, ou é para me verem? Ou será as duas coisas?”, perguntava às tantas Ana Matos, a rapper nacional que em 2014 encanta com a sua Sereia Louca.
Acompanhada em palco por D-One e M7, Capicua foi proclamando as suas histórias e sonhos que eventualmente se transformariam nas suas músicas. Falou das mulheres com mau feitio, com estrias e celulite porque, afinal, o mundo não é composto apenas por mulheres esbeltas, apresentou rap “puro e duro”, mas o que aquele mar de gente queria ouvir era mesmo os temas de Sereia Louca. Assim, temas como “Mulher do Cacilheiro”, “Casa No Campo” e, claro, “Vayorken” fizeram as delícias que todo o público que rebentava com as costuras daquela tenda. Algo a destacar: a proximidade com o público. Nota-se que Capicua é a nova menina bonita do hiphop nacional. E ela quase lacrimejava com todo o apoio demonstrado.
Dali saímos a correr porque, afinal, Woodkid tinha acabado de entrar em palco. Quem já o conhecia certamente que notou uma maior coesão em palco entre o próprio e os restantes elementos que o acompanham; afinal, a fórmula do francês Yoann Lemoine assenta na mesma premissa de algo épico, sempre em crescendo e que não tem espaço para muito improviso. Já quem não o conhecia certamente que terá ficado agradado com o espetáculo visual e sonoro que presenciava em frente de seus olhos e, se não fosse a presença de Eddie Vedder neste dia, estava aqui encontrado o rei da noite.
Acompanhado por uma banda responsável pela percussão, sopros e teclados, poucos diriam que este homem, que gesticula e se apresenta em palco vestido como um rapper, podia criar uma autêntica orquestra pop carregada de batidas que fazem lembrar sons militares. São metais, tubas, trombones e trompetes. É clássico mas, ao mesmo tempo, muito cinematográfico.
Apenas com o aclamado The Golden Age na bagagem, este é também um espetáculo imensamente teatral, ou não fosse Lemoine também conhecido por realizar vídeos musicais. Portanto, um jogo de luz que, apesar de fazer lembrar algo minimalista dado os seus tons a preto e branco, acaba por conseguir sugar para dentro de si todo o público presente, muito em parte pelas imagens preponderantes que vão surgindo ao longo do espetáculo.
Lemoine não tem uma voz particularmente poderosa, mas é imponente no tom triste em que canta e nos apresenta os temas compostos por si, casos de “Golden Age”, “Iron”, a percetual “Conquest of Spaces”, a apaixonante “I Love You” ou, claro está, “Run Boy Run”, entoada a plenos pulmões por todo o Meco, tema esse que fechou o alinhamento.
O projeto Woodkid conheceu agora o seu fim, ou pelo menos, vai ficar parado durante algum tempo. Resta saber qual será o próximo passo musical na carreira de Lemoine.
Entretanto começaram as chatices. Depois de um grande concerto, eramos informados que, devido ao mau tempo, os concertos tinham sofrido alterações. Assim, Eddie Vedder apenas tocava depois do fim do concerto de Cat Power (só começou quando já passava da 01h00), sendo que os Sleigh Bells só tocariam depois do vocalista dos Pearl Jam. Uma confusão e uma tremenda falta de organização.
Portanto, fomos ver Cat Power. E, para infelicidade de muitos, cantou pouco mais que um punhado de temas. A cantora nem teve a culpa e pediu desculpas pelo sucedido. Na verdade, a culpa estava apenas na organização.
Escutámos temas como “Metal Heart”, “Manhattan”, “Ruin”, “The Greatest”, “Cherokee”, mas o mal já estava feito. Foi, certamente, a desilusão da noite, sendo que o próprio concerto ficou aquém do esperado.
A razão pela qual Eddie Vedder apenas subia ao palco quando passavam uns minutos das 2h00 deve-se ao facto da própria Cat Power ter depois cantado um tema em conjunto com o senhor dos Pearl Jam.
Vedder, mais que cantor, é um amigo e um contador de histórias. E isso percebe-se pela componente cénica que apresenta em palco: uma viola, uma guitarra e um ukelele, conjugados num ambiente acolhedor e, claro, a bela da garrafa de vinho.
Sempre descontraído, e para gáudio de muitos, Vedder passou por muito do repertório dos Pearl Jam, mas também por covers e temas do seus mais recente álbum a solo Ukelele Songs.
Numa primeira fase, e mesmo com um tempo algo frio, Vedder não precisou de fazer nada de verdadeiramente extraordinário para conquistar o público. Afinal, os laços já estavam criados. Afinal este era o dia que levava mais gente ao Meco.
Ouvimos “Cordury”, dos Pearl Jam, “Brain Damage” dos Pink Floyd e as conhecidas "Sometimes" e "Wishlist". Só depois Vedder se dirigia ao público português. “Boa noite! Foi há dois anos que estive em Portugal para tocar para muita gente. É bom estar de volta.”, enquanto lia o que lhe tinham escrito numa folha. O seu português não é o melhor (“é muito difícil”, dizia), mas percebe-se facilmente.
Vedder tinha plena noção do que o público queria ouvir. E lá ia ele, tocando uma e outra música, enquanto falava da sua adolescência e do passar dos anos da sua vida. Ele enrolava charros (e ainda os fuma de vez em quando), contou que não era muito bom na escola mas que, no final, acabou por se safar “bastante bem”… Enfim, como referimos, um contador de histórias. Aliás, toda esta intimidade e proximidade com o público fez-nos pensar como funcionaria um concerto do sr. Vedder à porta fechada.
Ah, sim, as músicas. Houve espaço para tudo. “Better Man”, “Black” (cantada praticamente apenas pelo público), “Porch”, “Just Breathe”, temas de vários artistas que o inspiraram (“The Needle and the Damage Done” e “Rockin in the Free World”, de Neil Young; “Tonight You Belong to Me”, de Irving Kaufman e aqui com a colaboração de Cat Power; “Masters of War”, de Bob Dylan e aqui com a participação de Legendary Tigerman) e uma “Guaranteed” dedicada a uma Patrícia que fazia anos naquele dia.
Com o tema da guerra bem presente, e com vários panfletos no público a pedir paz e amor no Mundo, Vedder é alguém sensível a este tema. Por isso, e para surpresa de muita gente, o cantor enveredou por uma cover de “Imagine”, de John Lennon, “a canção mais poderosa que alguma vez foi escrita e, por isso, nunca a cantei ao vivo.” Entoada pelos milhares, a música do ex-Beatle deu arrepios naquela noite.
Às tantas, alguém foi dizer a Vedder “que podia tocar o tempo que quisesse”. E ele lá tocou mais algum tempo para, por exemplo, oferecer aos presentes covers de “Last Kiss”, de Wayne Cochran, e “You’ve Got to Hide Your Love Away”, dos The Beatles.
Foram praticamente duas horas e meia de um concerto que vai ficar certamente marcado na história do Super Bock Super Rock.
Eram 4h20 da manhã, sim, uma hora imprópria para começar um concerto no palco EDP. A fazer horas extraordinárias, a má sorte coube aos Sleigh Bells, que acabaram por dar um miniconcerto de meia hora com o pretexto de terem de apanhar um avião às 7h00.
A comandar as hostes a todo o gás estava a vocalista Alexis Krauss, um animal de palco que deu a todos os que por ali se encontravam uma verdadeira descarga de adrenalina.
Posto isto, foi com toda a pujança que a banda se entregou, sem rodeios, a temas como “Bitter Rivals”, “A/B Machines” ou “Crown on the Ground”. Krauss ainda chamou algum público para cima do palco e, mesmo antes de se despedir, cantou uma versão acapela de “Rill Rill”. E lá foram apanhar o avião.
Nota final para a organização: já são muitos anos a organizar o festival e, ainda assim, existem falhas e pouca preocupação com alguns aspetos. Inadmissível por vezes.
Dia 3 - 19 de Julho
O tempo trocou-nos as voltas. Choveu no segundo dia, quando a previsão anunciava tempestade para o último dia. Surpresa das surpresas, não houve chuva ou mau tempo no terceiro e derradeiro dia do SBSR. Só houve rock’n’roll. Afinal, havia lá melhor forma de celebrar o 20º aniversário?
A animação no palco principal contou com Zé Pedro e Amigos num tributo a Lou Reed. Não era uma iniciativa inédita, já que no ano passado houve uma ação semelhante no Largo do Intendente. Aqui, houve dificuldade: o público era pouco e tímido e não ficou particularmente entusiasmado.
Mas vamos ao pessoal que estava em palco. Os Ladrões do Tempo – Tó Trips na guitarra, Samuel Palitos na bateria, Doni Bettencourt no baixo, Paulo Franco na guitarra e voz e, claro, Zé Pedro na guitarra. A ajudar à festa estiveram Tomás Wallenstein, vocalista dos Capitão Fausto, a cantar “Venus in Furs”, Frankie Chavez com “White Light/White Heat”, Paulo Furtado aka The Legendary Tigerman numa versão irrepreensível de “Femme Fatale”, Lena D’Água (sim, essa mesmo) a ficar com a tarefa dificultada em “Sunday Morning”, João Pedro Pais em “I Love Suzanne” e Jorge Palma, ao piano, numa versão agridoce de “Perfect Day”.
Ao mesmo que o espetáculo ia decorrendo, Miguel RAM ia grafitando ao vivo. Já no final, todos se juntaram para “Walk on the Wild Side”. Pode não ter sido o melhor tributo ao ex-músico dos Velvet Underground, mas conta a intenção.
Morno, muito morno o concerto de Albert Hammond Jr, mais conhecido por ser o guitarrista dos The Strokes. E o próprio músico não demonstrou muita vontade de estar ali.
Sempre discreto, Hammond Jr foi apresentado os temas dos seus discos de estúdio, "Yours to Keep" de 2006 e "¿Cómo Te Llama?", de 2008. Ou seja, já lá vai algum tempo sem novidades. Portanto, e mesmo com temas como “In Trasit” e “Holiday”, o desinteresse do público foi sempre bastante notório. Salva-se, no entanto, a cover de “Ever Fallen in Love”, dos Buzzcocks. De resto, má aposta da organização.
Já no palco EDP era hora dos nova-iorquinos Skaters se estrearem em Portugal. Por lá andavam alguns curiosos que queriam perceber como é que funcionava uma banda que mistura ska e punk melódico e ecoa laivos de bandas como Ramones ou The Clash.
Manhattan, disco de estreia lançado este ano, foi sendo apresentado com temas conhecidos do público como “Miss Teen Massachusetts” e o hit radiofónico “I Wanna Dance (But I Don’t Know How”. Um concerto a decorrer em bom ritmo. Talvez regressem brevemente para um espetáculo em nome próprio.
Voltámos ao palco principal para ansiosamente aguardarmos a chegada dos explosivos The Kills. Dizemos explosivos porque a sua vocalista, a bela Alison Mosshart é coisa rara de se encontrar hoje em dia, ou não fosse ela um animal de palco tão cativante como inquietador.
Este concerto, embora não tão demolidor quanto o do festival Alive, mostrou que a qualidade do duo continua a aumentar. Embora já tenham referido que o próximo disco vá beber inspiração de estilos tão diferentes como reggae e dubstep, a verdade é que a agressividade continua toda lá.
Se Jamie Hince, o guitarrista, aqui sempre de chapéu militar, é algo brando, Mosshart, de cabelo loiro e casaco de cabedal, é furiosa, agressiva e, ao mesmo tempo, tão sensual. A julgar pelas reações do público, a presença de Mosshart, que vai andando pelo palco qual personagem irrequieta, acaba por funcionar como hipnotizante aos olhos dos outros.
A abrir o concerto, “URA Fever” começava logo a causar estragos, sempre com a ajuda de dois percussionistas e da guitarra serpenteada de Hence. Ainda ouvimos malhas como “Heart Is a Beating Drum”, “Getting Down”, “Future Starts Slow”, “DNA” ou “No Wow”, mas o público nunca foi muito efusivo, excetuando as primeiras filas, os chamados frontlinners.
A elétrica e vertiginosa Mosshart não dava descanso a ninguém, e o próprio Hince, que funciona como mestre-de-cerimónias, tentou puxar pelos presentes sempre que o conseguia. É verdade que a comunicação com o público foi parca ou nula, ainda assim pedia-se mais entrega dos festivaleiros. No final, estranhou-se a ausência de Last Goodbye, para infelicidade de muitos.
Não foi o melhor concerto dos The Kills em Portugal, mas a verdade é que dificilmente eles dariam um mau espetáculo.
Já no palco EDP depressa nos impressionámos com a enorme multidão que assistia ao concerto dos Dead Combo, o que apenas demonstra que a dupla serve para lugar e que é capaz de agradar a todos.
Desfilando canções (e com a ajuda de Alexandre Frazão na bateria), a dupla constituída por Pedro Gonçalves e Tó Trips, irrepreensíveis na atuação, encantaram com muita facilidade quem andava por aquele palco. “Pacheco”, “Cachupa Man”, “Eléctrica Cadente”, “Miúdas e Motas”, “Waits”, “Bunch of Meninos”, “Blues da Tanga” e “Lusitânia Playboys”, enfim, vários temas que misturam estilos tão diferentes como fado, rock ou blues, acabam por se transformar num emaranhado de altíssima qualidade. Tudo se encaixa perfeitamente. À medida que o tempo passa, o duo vai ficando cada vez mais maduro, provando que os Dead Combo são um curioso e caso raro de sucesso em Portugal. Uma festa arrebatadora.
Já os tínhamos visto em outubro do ano passado no Coliseu de Lisboa, mas a verdade é que estes Foals deram no SBSR um concerto muito mais enérgico. Quem os viu em Lisboa pode ter ficado algo desiludido; aqui, a história foi outra.
E isso percebe-se logo com a própria entrega da banda, o que nos leva a pensar que os festivais de verão são o habitat natural dos Foals. Protegidos por um sensacional jogo de luzes (dos melhores que vimos por ali), Yannis Philippakis e companhia criaram todo um ambiente e uma química para um dos concertos mais dinâmicos de todo o festival.
Como já referimos, os frontlinners são a mancha de público que mais vive os concertos. Entre mosh e muitos saltos, alguns deles tiveram de levar com o vocalista Philippakis em cima quando este fazia crowdsurfing tocava os acordes de “Providence”.
E, se este foi um concerto mais curto que o anterior do Coliseu, superou em muito em termos de festa e efusividade.
Pujantes e implacáveis, os Foals começaram a atuação com a belíssima “Prelude”, para depois dividirem o alinhamento pelos três álbuns de estúdio já lançados. “My Number”, “Balloons”, “Milk and Black Spiders”, a incrível “Spanish Sahara” e a extensa “Red Socks Pugie” causaram explosões de coros e alegria nos milhares que ali estavam.
Inconfundíveis como eles conseguem ser, os Foals acalmaram as hostes com “Late Night”, mas uma muito requisitada “Two Steps, Twice” causou histeria e loucura no final. Certamente que muita gente ficou com nódoas negras e as pernas cansadas depois deste concertão. Na verdade, redimiram-se (e bem) do razoável concerto do Coliseu. Estava aqui um dos melhores concertos do festival.
Não nos foi possível ver a melancólica Oh Land, mas ficámos em lugar privilegiado para assistir à atuação dos britânicos Kasabian. E uma coisa garantimos: se existiam dúvidas sobre se a banda seria capaz de ser cabeça de cartaz num festival, essas ficaram todas dissipadas.
Com 48:13, novo álbum na bagagem (ilustrado ao fundo do palco), os Kasabian entraram em cena com o single novo “Bumblebee”, seguidas de “Steve” e “Treat”, mas cedo se percebeu que o público estava ali por outros hits.
Não obstante, a verdade é que o vocalista Tom Meighan e o guitarrista Sergio Pizzorno fizeram com que os Kasabian dessem uma atuação a roçar o brilhante, levando o público pelo beicinho. Aliás, o grau de loucura foi tanto como tão poucas vezes vimos ali no Meco. E isso explica-se não só com a atitude da banda, mas com o seu som, que deambula entre o rock de estádio e a eletrónica a puxar o pezinho para a dança.
“Eez-Eh”, também single do último álbum, foi muito bem recebido, mas foram hits como “Club Foot”, “Underdog”, “L.S.F (Lost Souls Forever)”, “Shoot the Runner” ou “Empire” que meteram o público em alvoroço. Ao contrário de outros dias, o terceiro dia do SBSR mostrou festivaleiros muito mais participativos.
Completamente rendidos e felizes com o que se estava a passar, a banda de Leicester ainda evocou Fatboy Slim numa cover de “Praise You”, tendo assim passado pelo mal-amado Velociraptor com “Days are Forgotten”.
Se o êxtase já estava instalado, o que dizer dos temas que a banda guardava para o encore? “Switchblade Smiles” a tão conhecida “Fire” e “Vlad, the Empire” elevaram os Kasabian ao estatuto de deuses, numa louquice que só seria acalmada com uma versão acapella de “All You Need Is Love”, dos The Beatles, a fazer a despedida definitiva.
Se os Foals tinham dado um belíssimo concerto, os Kasabian conseguiram superar, mostrando que estão mais fortes a cada álbum que passa. Eles já não passam despercebidos, e até podem não ser das melhores bandas do mundo, mas a qualidade e atitude, essas, ninguém lhes pode negar. Eletrizantes, contagiantes, belo final de festival.
Ainda fomos espreitar os quatro DJs franceses, mais conhecidos por C2C, mas não nos fizeram fãs. Uma fórmula muito assente em scratch e em battles pré-combinadas, deixando pouco ou nenhum espaço para o improviso.
Considerações finais: um bom cartaz, bem doseado, contrariamente ao cartaz do ano passado, que apostava em grande nos cabeças de cartaz, mas que se desleixava nos restantes nomes. Tivemos grandes concertos, apostas falhadas e, apesar do dilúvio do segundo dia, o balanço acaba por ser positivo.
No entanto, é necessário pensar em novidades e na cobertura dos palcos, para que situações como a do segundo dia não se voltem a repetir. Até para o ano, Meco.
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Organização:Música no Coração
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sábado, 20 dezembro 2014