Reportagem Super Bock Super Rock 2017
Mais um ano, mais uma edição do Super Bock Super Rock. A 23ª edição do festival mais nómada de Lisboa, que desde 2015 se passou a realizar no Parque das Nações, regressou novamente à costa do Rio Tejo para nos presentear com o seu cartaz eclético, capaz de agradar a todos os gostos, quer fosse rock, hip-hop ou metal, precisamente os géneros dos seus três cabeças de cartaz: Red Hot Chili Peppers, Future e Deftones.
Foi sobre os primeiros que todo o dia 13 de Julho se desenrolou sobre; estamos a falar uma banda que não pisava solo português há precisamente onze anos e que sempre foi alvo de um enorme carinho por parte do público português, bastava olhar pelo recinto onde o rácio de t-shirts alusivas à banda norte-americana deveria rondar uns sessenta por cento da indumentária dos festivaleiros. Aliás, em tempo recorde, os bilhetes para o dia dos Red Hot Chilli Peppers esgotaram em Dezembro, apenas dois meses de serem anunciados, com os passes do festival a seguirem-se rapidamente. Resultado? 22 mil espectadores passaram pela MEO Arena.
Num dia em que já se sabia qual era a atração principal, houve muitos outros momentos a marcar a tarde e a noite do Super Bock Super Rock, com os Boogarins a serem a surpresa mais madrugadora do festival.
“Olá, nós somos os Boogarins, vimos de Goiânia, no Brasil, e estamos aqui para tocar para vocês”, anunciou Dinho Almeida, o vocalista com uma juba de fazer inveja, logo no início do concerto. Claro que a grande enchente que se verificava em frente ao palco EDP sabia que os Boogarins eram muito mais que isso, ou não fosse Portugal como um segundo lar para o quarteto. Desde que os Boogarins partiram numa demanda em busca de sucesso internacional que encontraram, no nosso país, a sua primeira legião de fãs para além fronteiras, com o concerto da passada quinta-feira a cimentar cada vez mais a relação amorosa entre a banda e o público português.
Com o seu terceiro disco de originais, Lá Vem a Morte, lançado em Junho passado, o público português demonstrou-se bem sabedor sobre o mais recente trabalho da banda, aplaudindo fortemente temas como “Foimal”, mas foi em êxitos anteriores, mais propriamente “Doce”, “Lucifernandis” e “6000 Dias” que houve a total comunhão entre banda e público, com os Boogarins a revelarem-se bons estrategas ao ordena-las por início, meio e fim do concerto.
Para aqueles que não conheciam a banda – os muitos que se resguardavam pela sombra da pala do Pavilhão de Portugal – os frenéticos ritmos psicadélicos, com o seu quê de enfeitiçante, lá que convidou a um outro pezinho de samba para acompanhar a bela da cerveja patrocinadora do festival, com os copos reutilizáveis a serem a segunda ‘moda’ do festival atrás das t-shirts de Red Hot Chili Peppers, claro.
Como isto das modas de hoje em dia são sol de pouca dura, muitos foram os copos deixados em cacos que decoravam a frente do palco EDP depois do concerto dos The Orwells, a banda norte-americana de garage rock que, muito provavelmente, deu o concerto mais eletrizante que o palco secundário do Super Bock Super Rock testemunhou ao longo de todo o festival.
Vivendo muito às costas do seu irreverente Mario Cuomo, o quinteto desde cedo quis deixar esclarecido que estava ali para fazer a festa e para “f*ck sh*it up”, convite levado à letra pelo público mais desordeiro daquele dia, que à primeira oportunidade que encontrava, partia para o mosh e uns tímidos crowsurfing que não caíam de bom grado aos olhos dos seguranças, vendo a sua tarefa de vigiar a plateia dificultada. Contudo, foram apenas os mais jovens que tentaram impor um reinado caótico sobre a pala do Pavilhão de Portugal – onde os fotógrafos não foram convidados, com Cuomo a ‘expulsá-los’ depois das três músicas da praxe; “Já fizeram o vosso trabalho, portanto agora desandem daqui” – com a restante massa que por ali saciava a sua curiosidade em ver a estreia dos americanos por Portugal a resguardar-se mais pelas bancas de cerveja ou até mesmo descansando as suas pernas.
Mesmo com três discos de carreira na bagagem, a verdade é que o fenómeno dos The Orwells não teve o mesmo impacto por Portugal como em outros países da Europa e nos próprios Estados Unidos, causando muito menos mossa do que os FIDLAR o ano passado, mesmo contando com temas fortes como “Let It Burn”, “The Righteous One” ou a mais emblemática “Who Needs You”, bem guardada para a reta final e que levou ao descalabro total em frente ao palco, apesar de deixar a impressão que estávamos perante uma multidão que preferia causar barafunda do que aproveitar as canções de uma banda que tanto demorou a chegar a Portugal.
Confusão maior do que a deixada pelos fãs de The Orwells foi aquela que os fãs do Prince causaram, há uns quantos anos, para tentar chegar à Herdade da Cabeça do Flauto, quando o emblemático entertainer tocou por lá. Apesar de já não estar entre nós fisicamente, o espírito do eterno sonhador de chuvas púrpuras esteve bem presente ao som da sua antiga banda de apoio, os The New Power Generation.
Os N.P.G. eram para Prince aquilo que a E Street Band é para Bruce Springsteen, autênticos colossos musicais que muitas das vezes tomam uma posição de segundo plano para permitir os seus ‘chefes’ tomarem as rédeas da coisa. Ter a oportunidade de ver um aglomerado de músicos tão competente a emergir como uma das maiores surpresas do dia, foi algo capaz de deixar qualquer apaixonado de música com um sorriso nos lábios. Aliás, esta foi a expressão mais comum na cara dos muitos que já cerravam lugar na MEO Arena, com os N.P.G. a levar a cabo uma hora cheia de adrenalina e de ritmos contagiantes, tal como o funk assim o exige, puxando por um público que pôs de lado a sua apreensão e lá aderiu ao ambiente festivo.
Ninguém substitui Prince e nunca ninguém o conseguirá fazê-lo. Contudo, os N.P.G. encontraram em Billal alguém que não só consegue combinar soul, R&B e funk como Prince fazia, mas como alguém que não pretende ser rotulado como uma fotocópia do cantor, assinalando sempre versões e arranjos de voz bem diferentes do que aqueles que jaziam na memória do público. Apesar de Billal ter sido o frontman de serviço no concerto, houve ainda tempo para uma muito aplaudida Ana Moura, grande amiga do falecido artista, repetir a dose daquela noite no Meco ao interpretar “Little Red Corvette”, num dos momentos mais bonitos e intimistas de toda a noite.
Seguindo a veia do bonito e do pessoal, Kevin Morby regressou novamente a Portugal, um ano depois de ter atuado tanto no Vodafone Paredes de Coura e no Vodafone Mexefest, para nos oferecer mais uma sublime atuação de um homem que não sabe o que é desiludir.
O cowboy do Texas veio a Lisboa apresentar City Music, disco estreado há pouquíssimo tempo, mas foi com o anterior Singing Saw que o concerto encontrou grande parte do seu mote, com belíssimas interpretações de temas como “I Have Been To The Mountain”, “Cut Me Down” ou “Ferris Wheel”. O ex-Woods sempre teve a proeza de conseguir tocar no íntimo do seu público tanto em disco ao vivo como em palco, onde neste último parece mesmo que nos sussurra ao ouvido, muito por culpa da forma como consegue conciliar momentos de guitarra melancólica em punho e de um piano que lacrimeja emoções, oferecendo o melhor de dois mundo em cerca de hora de atuação.
Tal como quase todo o palco EDP, também Kevin Morby ansiava por ver Red Hot Chili Peppers, com versos de “Californication” a serem proferidos nos intervalos entre canções, recebendo fortes aplausos por parte de um público que, infelizmente, só se manifestava em momentos como este e preferia pôr a conversa em dia do que aproveitar as preces de Kevin Morby. De forma a combater este desinteresse, o cantautor solta uma sempre animada “Dorothy”, provocando uns quantos saltos na dianteira do palco e soltando algumas palmas que marcavam o compasso da música por parte dos que estavam mais distante, havendo ainda quem dançasse um pouco.
A verdadeira dança, essa, estava guardada para mais uma atuação exemplar de Throes + The Shine. Arrisco-me a dizer que um concerto deste projeto que une o rock ao kuduro – ‘rockduro’ – é capaz de ser das melhores experiências ao vivo que já presenciei, e o Super Bock Super Rock. Apesar de os Capitão Fausto estarem a meros metros de distância a provarem que, afinal, não têm os dias contados, a afluência que marcava passo no Palco LG era bastante considerável, uma das maiores ao longo de todo o festival.
A fórmula de Throes + The Shine é simples mas eficaz: uma bateria endiabrada a soltar batidas contagiantes, uma guitarra eletrizante, teclados dançáveis e dois animais de palco a comandar o público desde o início ao fim; o que Diron e Mob pedem, os fãs devolvem mil vezes mais. O resultado é fácil de prever: uma autêntica festa de dança espontânea e genuína, repleta de diversão à mistura. Do início ao fim, não houve quem conseguisse tirar pé do acelerador deste velocípede que nunca mostrou fadiga ou vestígios de descarrilar.
“Hoje é festa para dançar / E ninguém me vai parar”, cantavam Diron, Mob e toda enchente do Palco LG, com a dança efusiva a propagar-se mais rapidamente que um vírus que, rapidamente, levou a todos aqueles que optam por aquele palco secundário para se sentarem e descansarem um pouco, levantarem-se e deixarem-se ir pela onda, onda esta que levou mesmo a que ambos os vocalistas fizessem uma wall of death, com ambos no meio, enquanto Igor Domingues e Marco Castro levavam a cabo “Batida”, um dos maiores êxitos da banda. Aproveitando a festa com “a sua família”, os Throes + The Shine seriam os reis do primeiro dia se a noite encerasse ali; antevendo o Super Bock Super Rock, Luís Montez falou sobre a possibilidade de artistas de palcos mais ‘pequenos’ terem a possibilidade de, para o ano, serem promovidos para um palco maior e, sinceramente, os Throes + The Shine partem em primeiro na competição.
A espera tinha sido longa: onze duros anos e um álbum que não passou por Portugal. Houve quem, no próprio dia, marcasse lugar desde madrugada. O público era deveras heterogéneo: quarentões, jovens, famílias ou crianças, ninguém queria perder pitada de um dos maiores nomes a subir a palco em Portugal neste ano de 2017. Aliás, faltando meia hora para o concerto, já quase era impossível circular pela plateia da MEO Arena, com os balcões a também estarem quase lotados. Era meia-noite em ponto quando as luzes de uma sala completamente lotada se apagam e o momento chegara: Red Hot Chili Peppers regressavam a Portugal.
Chad Smith, Flea e Josh Klinghoffer entram, um a um, em palco sobre uma autêntica chuva de aplausos e upos, como se da receção da seleção nacional depois do Euro 2016 se tratasse. Tomando as suas posições, dão asas aos seus característicos improvisos do momento, talvez em jeito de teste aos decibéis que o público português conseguia emitir. Se já tinham passado com boa nota, no momento em que os primeiros acordes de “Can’t Stop” são soltos, a escala rebenta e a casa vai abaixo, com Anthony Kiedis a ser o salvador de serviço.
Ao início, até se podia dizer que a voz do vocalista era inaudível, mas tal não era verdade: vinte mil almas a cantar em uníssono é que ofuscavam o ‘tio fixe do rock’, com cada palavra da canção a sair disparada da boca de muitos portugueses que ansiavam por aquele momento desde muito. A dose repetiu-se logo de seguida com “Snow (Hey Oh)”, o tipo de baladas que os Red Hot Chili Peppers assinam e que levam uma MEO Arena ofegante em acertar com o tom dos coros de forma tão irrepreensível que não admira nada sermos vencedores da Eurovisão.
Em cima daquele palco, estão, na sua totalidade, mais do que duzentos anos de histórias, experiências, com quatro músicos irrepreensíveis onde dificilmente se tem algo a apontar o dedo, como Flea, um dos melhores baixistas de todos os tempos, ou Chad Smith, um baterista que nunca perderá a sua habilidade com baquetas e percussão. Esta mistela de talento, assim como uma dinâmica de grupo muitas vezes existentes apenas em seio familiar, leva a que todo o improviso e novos arranjos de músicas soem na perfeição, beneficiando a monótona “The Adventures of Rain Dance Maggie” a causar a típica mossa que um tema de Red Hot Chili Peppers consegue fazer.
Quando “Dark Necessities” une Flea e Klinghoffer num duelo para ver quem conseguia fazer a introdução mais alta – ganhou o público – a comunhão entre público e banda já estava no auge, pelo menos julgando por todos aqueles que, independentemente da sua idade, levantavam os braços ao ar e cantavam com um ar de felicidade tremendo, não havendo uma única alma no meio de 20 mil que não esboçasse um sorriso.
Quando já se tem trinta anos de carreira e mais discos do que os dedos da mão os podem contar, há sempre a probabilidade de sermos brindados com resgates de álbuns passados e foi mesmo isso que aconteceu, com temas como “Nobody Weird Like Me”, “Suck My Kiss” ou “Aeroplane” a mostrarem o quão rico e diverso pode ser o reportório dos Red Hot Chilli Peppers. Mesmo não tendo sido das músicas mais aclamadas da noite, há sempre ‘aquela’ música que une gerações e continuam a causar o mesmo impacto como se fosse a primeira fez que ecoassem no nosso ouvido: “Californication” uniu a MEO Arena numa só voz, naquele que será recordado certamente como um dos momentos mais marcantes de sempre do antigo Pavilhão Atlântico.
Uma hora de concerto passada e “By The Way” começa a eclodir pela sala, preocupando os fãs mais estudiosos que sabiam que o final estava próximo pois, apesar de nenhuma das recentes setlists da banda ser igual, essa era música que ditava o término do concerto. A solução era fácil e a entrega do público conseguiu ser ainda maior, não havendo tempo para demonstrar cansaço ou recuperar energias, visto que tal não acontecia em palco, onde três tipos com o dobro da idade de muitos do público tinham ainda energia para, facilmente, mais uma hora de concerto.
Infelizmente, tal não se verificara, com a recente “Goodbye Angels”, uma das mais fracas do último The Getaway, a dar início a um aplaudido encore, servindo mais como faixa de repouso para que o descalabro total acontecesse ao som de um dos maiores hinos da história de Red Hot Chili Peppers, “Give It Away” onde o público seguiu a música à letra e deu tudo o que tinha, tudo o que uma espera de onze anos tinha para dar.
Faltou “Under The Bridge”, “Zephyr Song”, “Dani California” e muitas outras, sim, mas a verdade é que houve tantas outras que nos preencheram o coração que era difícil encontrar alguém que tivesse saído da MEO Arena sem a sensação de ter presenciado um dos maiores concertos da sua vida. Pelo menos, foi assim que me senti, mas, como já dizia o ditado, “a vida são dois dias, e o Super Bock Super Rock são três”, faltando ainda duas noites com muita música para tornar as noites de Julho as melhores do ano, tal como o concerto de Red Hot Chili Peppers.
Depois de uma noite bombástica que celebrou o regresso dos Red Hot Chili Peppers a Portugal onze anos depois, o Super Bock Super Rock regressou para mais um dia de excelentes concertos. Repetindo a temática do ano anterior, o dia 14 de Julho deixou de parte o cartaz eclético que tanto caracteriza o festival para apostar fortemente no hip-hop, género musical que cada vez mais tem ganho destaque nos festivais portugueses.
Se o ano passado a MEO Arena encheu-se para aplaudir Kendrick Lamar, 2017 trouxe Future como cabeça de cartaz para tentar repetir o feito, mas a atração principal do dia não era o único ponto de interesse da passada sexta-feira: London Grammar, Slow J, Akua Naru e Pusha T foram alguns dos outros grandes concertos que ocorreram pelo Parque das Nações.
Perto do início do festival, Tyler, The Creator, nome mais atrativo do Palco EDP cancelou a sua digressão europeia, o que levou a que a Música de Coração procurasse, rapidamente, um nome de peso para o substituir: Pusha T foi o homem escolhido para o serviço e não desapontou ninguém.
Já com o relógio próximo de atingir o marco das cinco da tarde, o DJ de serviço de King T, Rick Geez, ia entretendo a enorme enchente que se reunia em frente do Palco EDP ao som de alguns dos artistas preferidos do público daquele dia: Kendrick Lamar, Future, Chance The Rapper e afins, uma aposta interessante para matar tempo entre concertos, atraindo multidões entretanto. Face à magnitude da popularidade do rapper, a escolha de o meter a abrir o palco secundário do festival é, no mínimo, curiosa, embora algo nos leve a acreditar que tal ideia surgiu do próprio artista e conflitos de agenda.
Quando Pusha T sobre finalmente em palco, a afluência ao palco torna-se bem mais compacta, com o público a marimbar-se se havia lugar à sombra ou não. Muita da culpa por essa decisão partiu por parte da intensidade e entrega que Terrence LeVarr Thornton colocava em cada uma dos seus temas, disparando rima atrás da rima sem acusar qualquer vestígio de cansaço, naquele que se estava rapidamente a transformar-se numa atuação-relâmpago.
Colocado numa corrida contra o tempo, o rapper americano ocupou sempre a posição dianteira da maratona, cuspindo palavra atrás de palavra de forma tão clara e cristalina, transparecendo a ideia que aquelas poderiam, a qualquer momento, ganhar vida própria. Neste jogo de ressurreição, foram mesmo os seus temas que ganharam uma nova dimensão, tornando-se avassaladores quando transpostos do estúdio para palco; “M.F.T.R.”, “F.I.F.A.” e “Nosetalgia” faziam as colunas de som do Palco EDP a atingir decibéis que não conseguiram ser atingidos por qualquer outro artista ao longo dos três dias de todo o evento, sempre bem acompanhados pelas primeiras filas que declamava todos os versos do ‘poeta’, tarefa complicada mas que demonstrava o desejo de ter Pusha T por Portugal.
Para o final, talvez em jeito de homenagem ao cabeça de cartaz do dia, uma versão de “Move That Dope” de Future selou o concerto com chave de ouro, naquela que foi a melhor maneira de se começar o dia. Momentos depois, a intensidade conseguiria subir ainda mais uns quantos portugueses quando, em belo português, acolheu-se Slow J, mostrando-se que o que é nacional é sempre bom.
João Batista Coelho, como consta no seu cartão de cidadão, causou um alarido notório o ano passado como sendo uma das grandes surpresas do (então) Palco Antena 3. Para 2017, a subida de divisão levou-o ao segundo maior palco do evento, desta vez não só contando com o excelente The Art Of Slowing Down mas como também com quase o dobro de um público entusiasta e bem sabedor do trabalho de Slow J, que deixa João incrédulo para com aquele cenário apenas alcançável nos seus sonhos, mas com o tempo foi vendo que estava perante uma doce realidade.
Logo para começar, duas belas homenagens a dois senhores da música portuguesa com “Não Me Mintas”, de Rui Veloso, e “Menina Estás à Janela”, de Vitorino, a aquecer as cordas vocais de um público que demonstrou ter a lição bem estudada quando “Arte”, um dos temas forte do álbum de estreia de Slow J, é lançado de forma estrondosa e recebida de forma demolidora, entoada em plenos pulmões e sem a confusão que as palavras ‘arte’, ‘ar’ e ‘heart’ poderiam suscitar.
Num festival que tem o conceito de ‘rock’ incorporado no seu próprio nome, a aposta no hip-hop poderia ser arriscada, mas Slow J soube contornar a situação, contando com a presença de Fred (Orelha Negra) e Francis Dale a servirem de banda de apoio e, com a sua vasta experiência de projetos anteriores, a polir as arestas do rock e a dando uma outra intensidade às sonoridades de Slow J. Para cimentar aquele concerto imaculado, o prol de artistas a pisar o palco foi construindo-se com a presença de Gson, Papillon e Nerve, com “Às Vezes” a ser uma das mais aplaudidas.
Provando as maravilhas que um ano de crescimento podem ter, “Vida Boa” voltou a soar pelo Parque das Nações, mas sendo recebida de forma tão efusiva que chega a chutar para canto a versão interpretada no ano passado, ou não tivesse João evoluído de forma tão grandiosa que se tornou num dos artistas portugueses do momento, conquistando já lugar na próxima edição do Super Bock Super Rock, prevendo-se uma enchente ainda maior, agora na MEO Arena. Simplesmente sublime.
Mantendo a onda alucinante de Slow J, consultou-se o cartaz para procurar o concerto que conseguisse manter o mesmo nível festivo deixado por João, com a escolha a ser fácil: Octa Push.
Talvez fosse pela proximidade para com a hora do jantar ou o horário meio diurno, mas a afluência no palco LG foi bem mais reduzida do que o expectável, com apenas umas quantas dezenas de pessoas a dançarem timidamente ao som de Octa Push, com outras tantas dezenas sentadas na escadaria da MEO Arena.
Que os Octa Push são um projeto que se enquadra bem melhor num ambiente noturno é um facto inquestionável, mas mesmo jogando contra um horário que não é o deles, lá que fizeram aquilo que teria que ser feito, recorrendo a umas quantas cartas na manga como “Please, Please, Please”, “Gáia Cósmica” ou “Bárbara”, com estes últimos a contar com a participação especial de Lula dos Cachupa Psicadélica e Cátia Sá, respetivamente. Com a noite a finalmente dar o ar de sua graça, a afluência lá que foi aparecendo e as danças por parte do público também.
Antes de finalmente marcarmos passo pela MEO Arena, houve ainda tempo de presenciar o enorme furacão que dá pelo nome de Akua Naru.
Multi facetada descrever o estilo da americana é tarefa complicada; há momentos de hip-hop, jazz e até mesmo de spoken word. Todavia, é notório a forma como os conjuga de forma tão espontânea e natural, sendo irrepreensível naquilo que faz, cimentando o seu estatuto como uma das artistas mais carismáticas de todo o cartaz do Super Bock Super Rock.
Curiosamente, nem duas semanas se passaram desde a sua mais recente passagem por Portugal - esteve no Festival MED - mas a receção que recebeu por parte de Portugal assemelhou-se ao reencontro entre velhos que já não se viam há meses. Com uma lírica marcada por uma forte consciência social e política, o pseudónimo de LaTanya Olatunji foi espalhando mensagens de ativismo ao longo de todo o concerto, aplaudidas fortemente por um público que tem bem noção da força das palavras que uma canção nos dias de hoje pode transmitir.
A riqueza na sonoridade de Akua Naru, assim como o seu timbre característico, poderiam facilmente perder-se no ambiente ao ar livre do Palco EDP, com o eco fruto das conversas gerado pela Pala do Pavilhão de Portugal a serem possivelmente prejudiciais. Apesar de um espaço fechado ser-lhe mais adequado, a verdade é que a norte-americana conseguia superar as adversidades e dar uma prestação competente e surpreendente, com a certeza que leva consigo bem mais fãs no bolso do que aqueles que tinha quando entrou em palco, absolutamente rendidos a temas como "Poetry, How Does It Feel?".
Finalmente instalados nas imediações do outrora Pavilhão Atlântico, as linhas mais dianteiras do palco eram ocupadas por fãs que certamente tinham os seus corações a palpitar de forma intensa por uma das estreias mais aguardadas de 2017: os London Grammar.
O trio londrino tinha a curiosidade de partilhar tanto o estatuto de 'nome-grande-do-cartaz' como o de 'nome-mais-desfalcado-do-dia'. A pop melancolicamente doce e repleta de emoções cantada por Hannah Reid não condizia com a temática 'hip hop' daquele dia, mas a sua presença apenas veio reforçar a forma como o cartaz do Super Bock Super Rock consegue ser eclético, brindando os seus discípulos com um dos discos mais pedidos pelo público português de 2014.
Quatro anos passaram-se desde que If You Wait lançou os London Grammar para as luzes da ribalta, mas foi com o novo Truth Is a Beautiful Thing que a banda se consolidou enquanto artista para massas; justificando a grande afluência na MEO Arena minutos antes do concerto começar. Apesar das dimensões do palco, o espaço estava reservado em exclusivo para os três músicos que, apesar das suas personalidades meio tímidas e introvertidas, preencheram-na como gente grande, sem medos de soltar "Hey Now", um dos seus primeiros sucessos, logo no início.
A sonoridade negrume da banda tem como estrelinha o versátil e sublime vozeirão de Hannah Reid, trocando facilmente entre tons como se de a coisa mais básica do mundo se tratasse, chegando às notas mais graves e agudas sem qualquer tipo de dificuldade, conjugando-os numa bem conseguida "Sights" ou quando se atira de cabeça a uma "Rooting For You" em formato acapella. O mais surpreendente de tudo isto é a forma como a sua voz soa tão límpida como em disco, proeza rara nos dias de hoje.
Com quatro miúdos anos de carreira e dois discos de originais, os London Grammar souberam percorrer os maiores êxitos da bagagem, apresentando alinhamento coeso e com ambos os álbuns representados em igual peso e medida; "Flickers", "Wasting My Young Years", "Bones of Ribbon" e a inevitável "Strong" fizeram os delírios da plateia, com os fãs mais acérrimos a trautear todas as palavras de um vasto leque de onde canções, com os restantes a ficarem hipnotizados pelo excelente jogo de imagens transmitidos em palco.
Para o final, a acompanhar os agradecimentos e elogios da praxe, o término fez-se ao som de "Metal and Dust", numa versão muito mais vibrante e experimental do que a sua versão em estúdio, naquele que foi a cereja no topo do bolo servido na estreia dos London Grammar em Portugal, com as fatias do mesmo a serem tão saborosas que não nos admirávamos nada de serem novamente servidas num futuro tão não longínquo.
Na teoria, a escolha de Future enquanto cabeça de cartaz tinha tudo para dar certo: duas vezes número 1 na Billboard, milhões de visualizações tanto no YouTube como no Spotify, um leque de singles bem chorudos e, talvez o mais importante, é um dos nomes mais in no panorama hip hop da atualidade. Já na prática, a história não se fez tão bela como se esperava.
Não seria justo comparar as afluências da MEO Arena em Red Hot Chili Peppers e Future, visto que a dimensão do nome que acatam nas costas é completamente diferente, assim como reúnem aglomerados de fãs completam distintos. Também não o seria se fizéssemos com Kendrick Lamar, pois apesarem de ambos serem estrelas do hip-hop, o seu trabalho é completamente distinto.
A um cabeça de cartaz, cabe muitas das vezes a função de entertainer da noite, de proporcionar um espetáculo capaz de fazer até os mais céticos aderirem ao seu estilo. Foi nesta questão que Future se debateu, não conseguindo dar o concerto "tipo" que cabe a um headliner de primeira liga; entertainer? Completamente, soube puxar pelo público e era difícil não se ver alguém a saltar copulativamente, nas filas da frente, ao longo de uma hora de concerto.
Em termos de espetáculo em si, Future ofereceu um concerto super básico a nível de palco: no centro, um suporte para o microfone... só. Algures, talvez ofuscado pelas cortinas da MEO Arena, o MC-barra-DJ de serviço nem sinal, com a única presença para além do rapper a serem três dançarinos.
Mesmo com um preenchimento tão pobre a nível de palco, ninguém pode contestar que * o conseguiu preencher por completo, literalmente, visto que pouco foi o tempo em que Future não estava a andar de um lado para o outro, quer fosse a saltar, correr ou a dançar. Puxando pelo público, uma constante, aplaudia o rebelde público português que respondia sempre de forma positiva aos desafios do norte-americano; "Têm erva?", "Meta a mão no ar quem hoje já esteve pedrado", "Façam barulho se hoje é para ficarem todos lixados". Sim, sim e sim, Future tinha os seus admiradores na mão e não os pretendia largar.
Com uma bagagem discográfica já considerável, o autor de "Mask Off" apresentou mais de vinte (!) canções, mas como o tempo era escasso, muitas foram aquelas que se viram 'encurtadas' para caber no repertório. Como quantidade não é sinónimo de qualidade, logo aqui o concerto de Future começou a perder-se aos pedaços, matando a vibe - olá, Kendrick - de alguns temas quando estes finalmente começavam a causar moça.
Outro dos problemas que caracterizou a atuação de Future foi a impercetibilidade das palavras do rapper, com muitos dos seus testemunhos a tornarem-se inaudíveis, especialmente a todos aqueles que ocupavam as laterais dos balcões. Para a irrequieta massa que preenchia todos os espaços de vácuo perto do palco, estes auxiliavam o rapper ao cantarem todas as letras de uma ponta à outra, uma tarefa complicada já em si mas ainda mais quando se salta de forma tão frenética.
Recorrendo a auto-tune, a uma voz pré-gravada e um camuflado DJ-barra-MC a ser de fiel comparsa, “Draco”, “Super Trapper”, “Stick Talk”, “Move That Dope” ou “Fuck Up Some Commas” foram apenas alguns dos muitos temas com que Future se estreou em Portugal, culminando com uma irreconhecível "Mask Off", que com a ajuda de uns alucinantes jogos de luzes e de confetis, lá que causou os estragos que se previam, com os fãs de Future a adorarem todos os seus velozes segundos. Só gostaríamos de, tanto como muitos outros, ter partilhando um pouco desta excitação pelo concerto...
No segundo dia do Super Bock Super Rock, demonstrou-se que não é apenas de cabeças de cartaz que se faz um cartaz. Felizmente que, nesse aspeto, o festival da Parque das Nações não sofreu de falta de bons concertos ao longo daquele dia, com muitos mais a acontecerem no dia a seguir.
Tudo o que é bom acaba depressa e nem o Super Bock Super Rock foi exceção; após dois dias de muita música, o Parque das Nações deixaria de ser o ponto de encontro para todos aqueles que procuravam a festança de um festival alienado com o conforto da cidade. Contudo não haveria tempo para remexer sobre saudades, pois se o melhor fica guardado para o fim, o terceiro e último dia do Super Bock Super Rock levou o dito à letra, contando com atuações de Deftones, Foster The People e afins.
Como tem sido costume, é sempre por baixo da pala do Pavilhão de Portugal que os primeiros concertos do dia se desenrolam, com aquela calorenta tarde de sábado a receber a fresca sonoridade de Bruno Pernadas como anfitrião do dia.
O novo grande génio do panorama musical português cozinhou um dos melhores álbuns da temporada passada, o belíssimo Those Who Throw Objects At The Crocodiles Will Be Asked To Retrieve Them, com este a ser o principal mote do concerto. Rico de uma sonoridade que concilia o melhor do jazz com o indie característico de Pernadas, pairava a dúvida de como o músico iria implementar toda a riqueza instrumental do disco para o palco.
Ditavam os Beatles que "they got by with a little help of their friends". Tal como o mítico quarteto, Bruno Pernadas fez-se acompanhar por bons amigos, naquele que foi sem dúvida alguma o maior aglomerado de músicos a passar por todos os palcos do Super Bock Super Rock, num total de dez peças fundamentais - com destaque para Francisca Cortesão dos Minta & The Brook Trout e Afonso Cabral de You Can't Win Charlie Brown - que tornaram bem real o colorido mundo imaginário de Bruno Pernadas, numa atuação competente e que certamente deixou muitos do público com água na boca por desvendar mais sobre o trabalho do autor de "Galaxy".
Mantendo o mesmo ambiente ternurento iniciado por Bruno Pernadas, Lúcio Silva Sousa - apenas Silva para as multidões - foi o senhor que se seguiu, trazendo consigo a melhor pop que se faz pelo Brasil.
Desde a sua última passagem por Lisboa, que remonta ao longínquo Vodafone Mexefest do ano de 2013, o carioca perdeu-se de amores por Marisa Monte e, lá pelo meio, lançou o disco Silva Canta Marisa, onde colocava o seu cunho pessoal nos temas da compatriota. A quem julgava que este seria o principal ponto de referência no concerto de Silva, o brasileiro trocou as voltas e apresentou-se em jeito de best of, percorrendo o melhor que se encontra no seu repertório - de Marisa, só se ouviram "Ainda Bem" e "Infinito Particular".
Acompanhado por três músicos, Silva conquista até os mais céticos com a ternura emitida em cada sorriso que esboça, sendo facilmente percetível que se diverte tanto em palco como se fãs na plateia se tratassem. Para estes, a doce pop do artista brasileira transpira tal sensações de pura alegria m, quer só ou acompanhado por um teclado, que alguns chegavam mesmo a pôr em prática uns quantos pés de dança, ou não fosse esta uma das consequências subliminares que a música de Silva desperta em nós.
Com um timbre repleto de doçura e ar de quem estava realmente grato de por ali estar - "Lisboa é ainda mais bonita no Verão!” - Silva contagiava um público em crescimento com os seus raios solares de felicidade, quer fosse com "Júpiter" ou "Janeiro". Ainda o sol raiava no céu e o terceiro dia do Super Bock Super Rock já dava cartas no que a concertos dizia respeito.
Não querendo quebrar a corrente de boa música que se vivia pelo Palco EDP, Tom Barman voltaria a um festival onde sempre foi feliz com dEUS, só que agora foi a vez dos seus Taxi Wars brilharem.
Depois de terem sido um dos concertos mais aplaudidos no Vodafone Mexefest do ano passado, o conjunto belga regressou a Portugal para mostrar o quão in o jazz pode soar em pleno ano de 2017. Com uma fórmula simples - bateria, contrabaixo, guitarra, saxofone e teclados - mas em tudo eficaz, os Taxi Wars distribuíam notas e ritmos vibrantes, com toda a classe e requinte que um grupo de quatro homens bem formados consegue ser e a sua qualidade enquanto um excelente quarteto de músicos.
Por melhor que estes jogadores sejam em conjunto, a estrela da equipa é sem sombra de dúvidas Tom Barman, o irreverente vocalista de timbre sombrio mas que se adequa na perfeição ao estilo jazz da banda. Mesmo adotando uma persona de frontman, o belga passa sempre o esférico das luzes da ribalta aos seus colegas, com cada um a ter direito ao seu próprio momento para brilhar em solos dos seus respetivos instrumentos, transformando o Pavilhão de Portugal num improvisado bar em Nova Orleães.
Apresentando Fever quase na íntegra a banda manteve sempre um elevado ritmo ao longo do concerto, com os temas a complementarem-se uns aos outros, com transições entre músicas a soar de forma tão natural que era difícil não ficar admirado com a qualidade dos músicos em palco. Infelizmente, e isto não sendo culpa da banda, a afluência ao concerto não correspondeu à qualidade do mesmo, com talvez o público mais adulto, e por consequência, respeitador, que o Palco EDP viu ao longo do evento a manifestar-se em maior peso.
Perante um concerto de tão boa qualidade estar meio vazio, não era necessário andar muitos metros para se perceber o porquê, visto que ao mesmo tempo, os Foster The People incendiavam uma MEO Arena rendida por completo a Mark Foster, Sean Cimino, Isom Innis e Mark Pontius.
Os Foster The People podem gabar-se de serem uma banda cujo nome é quase sinónimo da palavra 'diversão': desde que "Pumped Up Kicks" lhes trouxe reconhecimento mundial, o tripleto norte-americano tornou-se num dos maiores fenómenos da atualidade referente ao indie rock pela forma como alienavam uma vertente eletrónica que tinha tanto de dançável como de vibrante e cativante.
Engane-se quem achar que os Foster The People foram um mero 'one hit wonder', ou não fossem os singles "Don't Stop (Colour On The Walls)", "Houdini", "Are You What You Want To Be" e "Best Friends" a serem recebidas por uma plateia ao rubro. Completamente na mão do enérgico vocalista, o público pulava de alegria e cantava em uníssono com Mark Foster, endiabrado frontman que raramente ficava estático num palco bem mais preenchido do que os Foster The People nos tinham habituado. Com disco novo à espreita, juntam-se novos músicos para recriar os temas do futuro terceiro disco.
Sobre o próximo futuro longa duração da banda, que os levou a ficarem "isolados do mundo durante alguns meses, com as paredes e os instrumentos a serem a nossa única companhia", como Foster desabafou, houve material considerável a ser apresentado, como “Doing It For The Money”, o que nos leva a crer que o desaparecimento repentino da banda foi uma mais-valia a nível da sua qualidade enquanto artistas, mas claro que foi dos temas mais emblemáticos como "Helena Beat" que se fez a festa.
Já perto do fim, houve ainda tempo para um momento ativista por parte de Mark Foster, incentivando a sua plateia - maioritariamente juvenil - a marcar a diferença neste mundo, independentemente da sua etnia, orientação sexual ou religião. Este teria sido o momento mais aplaudido da noite se não antecedesse "Pumped Up Kicks", levando a MEO Arena ao rubro, sendo uma das poucas a beneficiar das atrativas infraestruturas LED instaladas para o Palco Super Bock. Voltem as vezes que quiserem, a diversão estará sempre feita por onde os Foster The People andarem.
Num registo completamente diferente do festivo que se vivia na MEO Arena, o Palco EDP acolhia o concerto mais emotivo do dia através da estreia de James Vicent McMorrow em palcos portugueses, com o seu emotivo folk a destroçar corações.
Apesar de enfrentar duras e apelativas competições no palco principal do evento, o cantautor irlandês conseguiu mesmo assim juntar um enorme mar humano por baixo da pala do Pavilhão de Portugal, demonstrando que a sua primeira vez em Portugal já se fazia tarde. Captar o intimismo que paira no romântico McMorrow poderia ser uma tarefa complicada quando em palco, mas tal foi alcançado através de uma irrepreensível banda de apoio, com especial destaque para as duas vocalistas de apoio que conseguiram transmitir a melancolia sensual dos temas do artista oriundo de Dublin.
Alternando entre guitarra e teclado, James Vincent McMorrow tem a peculiaridade de, ao vivo e a cores, entrar no nosso mais profundo íntimo, fazendo-nos refletir sobre os nossos maiores medos e ânsias, mas tem também a preocupação de sussurrar-nos palavras de conforto e esperança ao ouvido; James é um amigo, um conselheiro, mostra-nos o quão difícil a vida pode ser mas ao mesmo tempo faz questão de demonstrar que está lá presente para fazer connosco a caminhada em busca da paz e da felicidade, por mais árdua que a estrada seja.
Ver McMorrow num ambiente tão simplista e puro remete-nos para o quão bela a música consegue ser, sem ter necessariamente de precisar de artifícios ou artimanhas para se tornar memorável nos nossos ouvidos e fugir ao rótulo de ‘só-mais-uma-no-meio-de-tantas’. É neste campeonato que James Vincent McMorrow, ao oferecer um extenso leque de canções que onde nos conseguimos identificar e rever ao ponto de as apelidarmos como sendo a nossa canção e aí, o irlandês consegue destacar-se no meio de tantos outros trintões de guitarras ao peito. Entre “If I Had a Boat”, “Killer Whales”, “Gold” e a “1000 Times”, a escolha era muita assim como as palmas que o acolheram ao longo de uma hora e picos que deixaram o autor de “Higher Love” – falha grave no repertório – a ver Lisboa como um novo porto seguro.
A espera foi grande, mas finalmente chegara ao fim: sete anos depois da sua última visita em terras lusitanas, os Deftones regressavam Portugal para matar as saudades de um público que sempre lhes foi fiel e que nunca teve problemas em demonstrar-lhes o enorme carinho nutrido pelo quinteto norte-americano.
Tal como se verificou no dia de Red Hot Chilli Peppers, os muitos fãs que usavam t-shirts alusivas da banda percorriam diferentes gerações, desde adolescentes, passando por jovens adultos e adultos de barba rija, ditando qual era o nome mais desejado do dia. Com uma MEO Arena semi perto do cheio, destaque logo pela fraca decoração de telemóveis no ar; afinal, fã de Deftones que se preze sabe que melhor do que ter recordações fotográficas de um concerto, só mesmo contar as histórias como ‘deu tudo’ naquele cenário de guerra e não aconselhável para os mais débeis.
Os Deftones foram avassaladores, destrutivos e caóticos, um autêntico turbilhão de sensações de onde o ‘belo’ prevaleceu como a palavra de ordem. Com um estilo musical bem característico, que oscila entre um metal alternativo e o rock experimental, os Deftones nunca tentaram soar a outra banda que não eles, com Chino Moreno a ser a arma secreta do grupo, com uma voz bem versátil que alterna entre gritos destruidores capazes de fazer abanar as paredes da MEO Arena ou de um registo bem mais suave e ordeiro. Claro que coube ao primeiro fazer os estragos que os fãs tanto pretendiam, com sucessivos mosh ao longo de todo o concerto e até alguns vestígios de crowdsurfing; pobres foram as almas jovens que se mantiveram de Foster The People para Deftones, com os seguranças do recinto a serem os seus heróis improváveis.
Apesar de toda a manifestação física que temas como “Digital Bath”, “Elite” ou “House of Flies” geravam pela plateia, a banda oriunda de Sacramento também soube como recriar a celebração vinda do público, mantendo uma adrenalina constante e a todo o gás durante aquela hora de destruição, cuspindo os melhores êxitos de uma já vasta carreira. Com Gore, último disco que viu a luz do dia no ano passado, a ser praticamente ignorado do repertório, a noite foi mesma dedicada aos clássicos que sete longos anos separaram os Deftones de Portugal.
Talvez em jeito de compensação pela longa ausência nos palcos portugueses, Moreno tratou de matar as saudades entre banda e público pessoalmente, ora não tivessem sido múltiplas as vezes em que desceu para a plateia para abraçar e saudar uma vasta legião de fãs que tratava de aproveitar todos os momentos de um concerto que já vinha tardio, mas que nunca deu vestígios de desgaste. Entoando o refrão de “Knife Party” junto às grades, onde humildemente emprestava o seu microfone aos seus súbitos que tão bem sabiam a letra, a comunhão total entre os Deftones e os portugueses tornara-se oficialmente numa relação de muito amor e cumplicidade, celada logo a seguir com o maior hino da banda “Change (In The House Of Flies)”.
“Obrigado, obrigado, obrigado”. Homem escasso em palavras, Moreno prefere levar a coisa através de atos, ou não fosse ele um autêntico condutor de eletricidade que tão bem soube estabelecer energias dentro e fora do palco. Com um tripleto de arromba constituído por “Bored”, “Teething” e “Engine No. 9”, os Deftones soltaram níveis de decibéis tão monstruosos que transcendiam as estruturas do antigo Pavilhão Atlântico, levando ao derradeiro mosh pit da noite onde nada ficou por dar. Com um “até à próxima” revestido de saudade, esperemos que sete não sejam os anos que teremos esperar por ver Deftones outra vez, ora não tivesse Portugal gostado tanto de os ver e a banda de fazer a MEO Arena estremecer.
A noite em si já estava feita: nada poderia destronar Deftones como o concerto da noite. Como os sábados à noite de Julho andam de mão dada com as pistas de dança de norte a sul do país, o Palco Super Bock transformou-se numa enorme e improvável discoteca, com Fatboy Slim a fazer de DJ residente.
Com cinco décadas de idade, com metade a ser passada com o seu alter-ego Fatboy Slim, Norman Cook sabe bem como fazer o povo mexer-se, ou não fosse ele um dos pioneiros na arte do disco jokey, nos tempos de outrora. Para os que viveram a década de 90 ao máximo, quem não se lembra de hinos de dança como “The Rockafeller Skank” e “Right Here, Right Now”? Ironicamente, em pleno ano de 2017, foi o próprio Norman Cook a esquecer-se dos seus êxitos do passado, apresentando-se, sem aviso prévio, em formato (quase) de DJ Set.
O objetivo da atuação de Fatboy Slim era simples: fazer o público do Super Bock Super Rock queimar os últimos cartuchos que restassem depois de três intensos dias de concertos. Missão cumprida, sem dúvida, mas a que custo? Apresentando remisturas de temas icónicos desde os anos 60 até aos mais recentes – The Ramones, Queen, The Prodigy ou Disclosure estiveram representados – houve muito por onde se dançar, mas aquilo que fez poderia ser feito por tantos outos DJs que por aí andam que não nos foi possível não sair dali desiludidos com o que apresentou, especialmente tendo em conta o peso que o próprio nome acata.
Tirando de parte a falta dos clássicos intemporais de Fatboy Slim, a verdade é que Norman Cook soube entreter e fazer uma autêntica festa da MEO Arena, soltando tema após tema ao longo de duas excitantes horas e que certamente drenou a (pouca) energia que ainda tinha sobrevivido de Deftones.
Mais um ano, mais uma edição do Super Bock Super Rock e, tal como a sua ocorrência no mês de Julho costuma ser tradição, também é a excelente oferta de concertos com que nos presenteia ao longo de três das mais calorosas noites do mês mais quente do ano. Para o ano, já há datas marcadas: 19, 20 e 21 de Julho, o rock voltará ao Parque das Nações e com ele, muitos festivaleiros.
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segunda-feira, 24 julho 2017