Reportagem Super Bock Super Rock 2018
Nuno Fernandes
Há quem o apelide como o “festival nómada”, dada as múltiplas alterações de local que já se verificaram ao longo de vinte e quatro anos de existência. Há também quem o chame de “camaleão”, por mudar o registo dos artistas ao longo de cada dia, apresentando sempre um dos cartazes mais ecléticos nos festivais portugueses.
De pedra e cal no Parque das Nações, e alienando rock, hip-hop e outros estilos, o Super Bock Super Rock deu arranque à sua 24ª edição na passada quinta-feira, em que The XX e Justice foram os principais focos de atenção num dia que acolheu mais de 16 mil festivaleiros.
Em dia de semana, a afluência pelas imediações do recinto não era daquelas de se fazer inveja, mas a que se registava concentrava-se, a cem por cento, em frente ao Palco EDP, cuja pala do Pavilhão do Portugal dá uma agradável sombra para estes dias de calor. Por ali, o demolidor punk rock dos The Parkinsons já se ouvia, com o seu som bem alto a convidar tudo e todos para passarem um bom bocado.
Apesar de a banda estar habituada a tocar em salas mais pequenas, como um MusicBox ou Sabotage Club, poucas são as bandas que vivam um estilo de vida tão ‘rock’, aquele que dá nome ao festival, como os The Parkinsons, muito por culpa do estado de balbúrdia imposto por Afonso Pinto, o irreverente frontman da banda que não descansa até desencadear o caos; fosse a andar no meio de público, a engolir o microfone, a provocar o público ou a soltar piadas, os The Parkinsons conquistaram o difícil público das cinco da tarde, tanto pela ousadia do seu vocalista como pela intensidade do seu punk rock, cujo álbum The Shape of Nothing To Come esteve em principal evidência.
Oriundos da Austrália, mas sedados em Berlim nestes últimos tempos, os Parcels foram indiscutivelmente a grande surpresa deste primeiro dia do Super Bock Super Rock. À boleia do contagiante single de estreia “Overnight”, com direito a mãozinha dos Daft Punk, o quinteto australiano deixou todo o Palco EDP a bater pé, provando que, em festivais, as discotecas também atingem sucesso em horário diurno.
Mesmo sem um disco em concreto para apresentar – esse só será lançado lá para finais de 2018 – a banda beneficiária do facto de ser a única a tocar por aquelas horas para juntar um considerável aglomerado de pessoas em frente do palco. Num concerto bem conseguido, cuja afluência esteve sempre em crescendo, tal como as vibes dançáveis da disco pop dos Parcels, cujo incontrolável groove reencaminha-nos para a década de 70, onde Bee Gees e os Chic eram os senhores das pistas de dança, os Parcles não poderiam ter pedido uma melhor estreia em Portugal, e a julgar pela euforia causada com “Gamesofluck” e “Older”, ainda se vai ouvir falar muito deles.
Ainda dentro das viagens do tempo, os Temples retrocederam dez anos atrás daquilo feito pelos The Parcels, mais precisamente à década de 60 e aos tempos de The Beatles e Beach Boys. Depois do (outrora) Optimus Alive e do Vodafone Paredes de Coura, foi a vez do Super Bock Super Rock acolher o psicadelismo de vanguarda dos ingleses, com estes a serem novamente bem acolhidos pelo público português.
Com Volcano, lançado o ano passado, ainda na fresca, foi precisamente ao som de “Certainty” que começou o reboliço em frente ao Palco EDP, com “Colours to Life” e “Roman God-Like Man” a seguirem-lhe o serviço. Os Temples contrabalançaram sabiamente o melhor dos seus dois discos, embora os índices de euforia fossem quase todos despertados ao som dos temas do estreante Sun Structures, como “Keep in The Dark” e “A Question Isn’t Answered” o tão bem comprovaram, com esta última a merecer fervorosas palmas por parte do público a marcar compasso. Culminando ao som de “Shelter Song”, os Temples voltaram a ser felizes em terras lusitanas, ficando no ar a questão de um eventual regresso por parte dos ingleses quando James Bagshaw disse que aquele seria o primeiro concerto da banda em Portugal neste ano. Será mesmo?
Com uma longa carreira, o veterano do Soul, Lee Fields continua em grande forma e recomenda-se. Estreia-se no palco EDP, vem acompanhado pela talentosa banda The Expressions, são eles, que após uma introdução musical brilhantemente interpretada anunciam, de forma apoteótica, a entrada em palco de “Mr Lee Fields”. Não esqueçamos que este senhor é uma referência, partilhou o palco com grandes nomes do Soul e R&B, muitas vezes apelidado de “Little JB”dada a semelhança fisica e de voz com James Brown.
Vestido a preceito, com um impecável fato branco cravado de lantejoulas, apresentou-se com muito groove, vibrantes passos de dança a lembrar James Brown, sorrisos, alegria e festa, tudo acompanhado com muito amor. Expressões como “Are you ready”, “Do you all got soul”, “Love you”, “can you feel the love”, temperadas de piropos como sejam “All these good looking folks out here”, “Happy beautiful people” “You’ll got soul” foram uma constante no concerto. Atmosfera emotiva, sexy, quente e encorpada, são adjectivos que definem o concerto de Lee Fields & the Expressions no SBSR. Também podemos descrevê-la como “suada” dado o recurso à toalha e ao lenço, diversas vezes ao longo do concerto, para limpar o suor que lhe escorria do rosto.
Lee Fields iniciou o espetáculo com o tema “I Am Coming Home” do álbum “Special Night” de 2017. Brilharam os músicos e brilhou Lee, muito bem tocada e interpretada. No público os corpos mexiam-se instintivamente de forma suave e sexy mas ritmada e havia quem acompanhasse as letras. Seguida de “Work To Do “ , também do mesmo albúm, cheia de amor, afectos e brilhantemente acompanhada pela secção de sopro da banda. Referência também para “Special Night” também do albúm homónimo que permitiu o momento de borboletas na barriga e sorriso de olhos fechados.
O concerto centrou-se nos albúns, “Special Night”, “My World”, Faithfull Man “criados a partir da junção dos talentos de Lee Fields com a banda The Expressions. Ponto alto para “Wish You Were Here”, canção que foi dedicada a Sharon Jones e a John Bradley e a todos que perderam alguém. Lee confessou ser uma canção difícil de cantar por causa das saudades que sente de Sharon e Bradley. Referência também para “Make the World”, em que deixa escapar o comentário “vemos tanta coisa doida no mundo, precisamos de mais amor”. Foi um desfilar de canções, letras e arranjos musicais, que quase apetece comer. Lee Fields, um senhor com muito amor. Não esquecer a banda the Expressions que confere a profundidade e escala ao espetáculo; excelentes músicos, muito bem vestidos, sexys, bonitos, charmosos, o que a meu ver também contribuiu para a “sexyness” de todo o espetáculo.
Embora alvos de uma ‘despromoção’ de palcos – em 2015, atuaram no agora Altice Arena, para sempre Pavilhão Atlântico – os The Vaccines regressaram ao Super Bock Super Rock para tomar de assalto a pala do Pavilhão de Portugal, acompanhados por uma enchente sob o mesmo.
Depois de um English Graffiti a emprestar em demasia nuances electrónicos, os londrinos voltaram às origens com o mais recente Combat Sports, e foi ao som do mesmo, com o electrizante “Nightclub”, que os The Vaccines deram o pontapé de saída a um concerto frenético do início ao fim, com “Teenage Icon” e “Wreckin’ Bar (Ra Ra Ra)” a fazerem-se ouvir de imediato e a aumentarem a parada de um ritmo alucinante em que nem a falsa balada “Wetsuit” foi capaz de abrandar, esta que seria cantada em plenos pulmões pelo público nas grades.
Com novas inclusões na banda que dão pelo nome de Timothy Lanham (teclados) e Yoann Intonti (bateira), fruto do abandono do antigo baterista Pete Robertson, os The Vaccines estão mais vivaços do que nunca, com Justin Young a ser o expoente máximo desta segunda vida da banda, quer fosse em frenesins de guitarra ou só de microfone em punho, provocando alvoroço com “Post Break-Up Sex” e “Norgaard”, brilhando quase tanto como a bola de espelhos que decorava o tecto do palco.
Apesar de enfrentarem uma autêntica corrida contra o tempo, ou não tivessem uma parte significativa do seu concerto a coincidir com os cabecilhas The xx, a gana pelo rock que vive em The Vaccines tornava difícil a tarefa ao público de arredar pé do concerto dos mesmos, especialmente ao som de malhões como “Handsome”, “If You Wanna” e, para acabar, “I Can’t Quit”. Quem optou por ficar o tempo todo em The Vaccines, certamente que não saiu de lá arrependido.
O público rumou ao recinto do Altice Arena para ver os The xx naquele que terá sido o concerto mais esperado da noite.
As mesmas canções emotivas, ternas mas profundas, desta vez com um som mais eletrónico. Várias faixas etárias, vários estilos, o mesmo entusiasmo pela banda. Com um alinhamento de canções já conhecidas do público e a terminar uma digressão de 2 anos, a banda não deixou de encantar. As suas canções introspetivas, o jeito tímido e genuíno dos protagonistas tocam-nos, ouvimos com atenção, dançamos com os ritmos mais eletrónicos de Jamie Smith, sem contudo perder a reverência aos temas. Às vezes, somos assolados por aquela identificação com as músicas, a emoção dos tempos de adolescência em que parece que algo traduz tanto o que sentimos. O concerto dos The xx foi tudo isso, familiar sem perder a emoção, intenso mas aconchegante.
Ao longo do concerto foram revisitadas as músicas dos últimos três álbuns. Temas como “Islands” ou “Hold On” foram acompanhados pelo público. O tema “Shelter” foi dedicado a todas as pessoas LBGTQ que estavam presentes com Oliver Sim a dizer que era uma delas e afirmar “ I love you, i see you” (eu adoro-vos, eu vejo-vos).
O concerto termina com o tema “Angels” e com Remi Croft a dedica-lo ao novo elemento da sua família, que nasceu durante a digressão, e agradecer ao público toda a energia e amor.
Depois do serão de juras de amor entre The xx e o público português, o Super Bock Super Rock tinha ainda duas cartas na manga para terminar este dia 19 de julho em glória: Gaspard Augé e Xavier de Rosnay, a dupla francesa que assina como Justice.
Fechando o Palco Super Bock, a dupla deu um espetáculo visivelmente apelativo, auferindo de um sensacional jogo de luzes que tanto contagiava o público como levava a que este soltasse uma vasta seleção de movimentos de dança, ou não fosse esta a palavra de ordem que reina ao som de Justice, em que “D.A.N.C.E.” foi, naturalmente, o tema acolhido de forma mais entusiasta por uma Altice Arena bem mais esvaziada do que aquela que recebeu os The xx.
Dia 2
Seguindo a tradição que se instaurou em 2016 com o sucesso de Kendrick Lamar, o Super Bock Super Rock voltou novamente a apostar num dia assumidamente de hip-hop, aposta esta mais do que vencedora a partir do momento em que foi o dia que mais afluência registou ao longo dos três dias do evento: 20 mil pessoas.
Começando o dia numa vibe cheia de groove, Olivier St. Louis deu as honras ao Palco EDP, com a sua boa disposição a renderem-lhe fortes aplausos, mexendo e interagindo com um público que se mostrou cético no início, mas que lá foi alinhando nas brincadeiras – realça-se a imitação de sons de animais pedidas pelo músico, com os senhores a fazerem de cães e as senhoras de gatas - do comparsa de Oddisee.
Momentos mais tarde, e também por aquele palco, seria a vez de Oddisee matar saudades do público português. Depois de uma aplaudida passagem pelo Vodafone Mexefest, o rapper norte-americano veio novamente pronto para causar estragos, desta vez na companhia dos The Good Company, o que só por si eleva (ainda) mais a qualidade do hip-hop de Oddisee.
Ao início, o público acusou alguma reticência em juntar-se aos versos de Oddisee, com a pala do Pavilhão de Portugal a apresentar-se apreensiva perante um rapper cujo airplay na rádio está longe do da concorrência. Porém, o artista mostrou que rima e produz como do melhor que se encontra no mercado, mostrando-se seguro e confiante na sua tarefa de entreter um público de final de tarde.
Oddisee surpreendeu na sua entrega em cima do palco, pelas mensagens das suas canções, em que o beat das mesmas em nada ofusca o artista, muito por culpa da presença dos The Good Company, que conseguiram tanto despertar o lado mais groovy de Oddisee, ao som da festiva “That’s Love”, assim como no tiroteio de rimas em “Like Really”. Mesmo com Slow J a começar dali a uns minutos, Oddisee e os The Good Company aguentaram-se de pedra e cal no Palco EDP, onde muitos dos iniciais curiosos sairiam dali como confessos fãs do rapper.
A reta ascendente de Slow J no Super Bock Super Rock é de louvar: em 2016 abriu o Palco Antena 3, 2017 viu-o a encher o Palco EDP e em 2018 deu o derradeiro salto para o palco principal do evento. Contado assim, a vida de João Batista Coelho neste festival é quase o sonho, mas Slow J é daqueles artistas que luta em busca dos mesmos e o que se viu no Palco Super Bock foi a consagração de um dos maiores artistas portugueses da atualidade.
Mesmo escasseando a nível de material – The Art of Slowing Down é o seu único disco editado – Slow J já conquistou o seu lugar ao sol no panorama musical português, ou não fosse a vasta multidão que o acolheu, de braços bem abertos e com grande parte dos temas do rapper na ponta da língua, prova disso.
Humilde como o conhecemos – “vocês são bué de pessoas” – e visivelmente radiante perante uma plateia tão efusiva, Slow J deu o concerto de uma vida, nunca abrandando o ritmo alucinante que se fez sentir desde o início da noite. Mesmo perante a maior sala de espetáculos do país, João não vacilou e transpirava segurança em cima do palco, como se aquela fosse a sua casa.
Com malhas como “Arte”, “Comida” e “Vida Boa” a serem recebidas em grande estado de euforia e cantadas até ao último verso pela sua fiel legião de fãs, o concerto de Slow J poderia focar-se só no artista que a sensação de vitória só por si já teria sido alcançada. Mas não. João teve um vasto leque de convidados a partilhar o palco consigo, como Nerve (“Às Vezes”), Carlão (“Repetido”) – teve direito a uns ‘parabéns’ ou não fosse o 20 de Julho o aniversário do eterno Pacman -, Richie Campbell (“Water”), Papillon e Plutónio (“Iminente”), artistas que participaram em temas de Slow J e que consolidaram o concerto do próprio como sendo uma noite de celebração para um rapaz que entrou menino neste festival e que agora sai de lá um homem feito.
Em dia onde o hip-hop reinava por todo o recinto, foi como uma lufada de ar fresco encontrar Luís Severo a declamar versos apaixonantes da sua pop melancólica num Palco LG bem preenchido.
De cancioneiro rico e já há muito tempo acarinhado pelo público português, Luís Severo (en)cantou com “Escola”, “Planície (Tudo Igual)”, “Boa Companhia” ou “Amor e Verdade”. Bem mais contido do que lhe é característico, ou não tivesse o tempo a jogar contra si, poucas foram as vezes que Luís Severo comunicou com o público, mas não era necessário, ou não tivessem as canções de Luís a capacidade de nos auferir conforto e bem-estar, como se cada uma delas nos fosse sussurrada ao ouvido.
Contando com Manuel Palha (Capitão Fausto) nas teclas, que tornou “Meu Amor” como uma das mais bonitas canções a serem pregadas ao longo de todo o festival, Luís Severo destacou-se pela diferença, com “Ainda é Cedo” a marcar ponto final num concerto que tanto reunião momentos de introspeção e felicidade, numa deliciosa mais do que merecedora de ser ouvida e, acima de tudo, sentida.
Destiny Nicole Frasqueri aka Princess Nokia é uma rapper americana de ascendência porto-riquenha. Depois de um concerto em Portugal na Galeria Zé dos Bois é a vez de ser recebida no palco EDP. Protagonista de uma história de vida com eventos traumatizantes; a sua mãe faleceu quando ela tinha 16 anos e passou pelo sistema de foster care (acolhimento familiar à guarda do estado); revela uma grande força e convicção nos seus ideais e define-se como feminista e bissexual. O seu álbum de estreia “1992 Deluxe”, lançado em 2017, obteve boas críticas e teve boa receção pelo público.
Princess Nokia deu um concerto enérgico, com boa interação com o público apesar de o som não ter estado nas melhores condições. “Brujas”, “Kitana” e “Tomboy” foram alguns dos temas tocados que tiveram boa receção do público.
No fim do concerto fica o comentário de que talvez Princess Nokia teria sido mais bem enquadrada a terminar a noite no Palco Sommersby para uma atmosfera mais dançante e descontraída.
Anderson Paak era, sem dúvida o rapper mais esperado da noite. Perante o recinto do altice Arena, palco Superbock, cheio, o cantor que é também produtor e baterista, apresenta-se com a sua banda de apoio Free Nationals.
Temas como “Put Me Thru”, “Heart Don’t Stand a Chance”, “Sweet Gidge” e “Room in Here” foram celebrados com o público. Paak canta, toca e rappa, movimenta-se no palco, ora no lugar central de vocalista ora no banco da bateria.
Lugar ainda para os solos dos elementos da banda e do próprio Paak que é também incentivado a solar pelos elementos da banda.
Tom Mish esteve no palco EDP com um concerto que começou tímido mas depressa se expandiu. Tom Mish é ainda muito jovem, mas já revela talento. Longe dos holofotes de promoção das massas, Tom Mish goza já de um boa reputação. Bem fundada em plataformas digitais como sejam a Soundcloud e o Bandcamp e na divulgação pelas redes sociais, Tom tem já a sua legião de seguidores. Eclético, o seu som viaja entre o hip-hop, o jazz, o funk, a música de dança e confere-lhe interesse e revela criatividade.
Temas como “I Wish” do EP “Reverie” ou “It Runs Through Me” do seu disco de estreia “Geography” foram bem recebidos pelo público. O artista foi ganhando confiança e o espetáculo cresceu. Tom Mish agradeceu o carinho.
Em 2016, Kendrick Lamar foi um sucesso. Já para 2017, Future foi um fracasso. Para 2018, Travis Scott, cabeça de cartaz no dia de hip-hop do Super Bock, caiu de paraquedas no primeiro grupo para assinar o mais violento e triunfante concerto desta edição do Super Bock Super Rock.
Se ao longo do festival sempre foi razoavelmente fácil circular pela Altice Arena, em Travis Scott o caso mudou completamente de figura, sendo este o único concerto a levar à abertura de portas do Balcão 2.
A nível de adereços, era difícil de não ficar surpreendido com o espetáculo de Travis Scott, com máquinas de fumo e de fogo a estarem inquietas durante toda a noite, acompanhadas por um vibrante jogo de luzes. Aliás, mais incendiário que as chamas que marcavam o drop das canções de Travis, só mesmo um público que não esteve um único minuto parado, fosse a dançar ou a saltar compulsivamente.
Em palco, há uma gigante plataforma central, quase disfarçada de torre, para o DJ de serviço de Scott, enquanto o rapper fica cá em baixo a impingir o caos. De persona enérgica, percorrendo o palco de uma ponta à outra como se de uma mini maratona se tratasse, Travis Scott saltava e gritava como se as suas energias nunca encontrassem um fim, e claro que o público nunca lhe quis ficar atrás.
Usando e abusando de auto-tune, eletrizando a voz do artista ao mesmo tempo que a torna mais contagiante e endiabrada, Travis Scott foi explosivo em todos os sentidos da palavra, tornando a Altice Arena num autêntico estado guerrilheiro, com a força das canções a serem as principais constantes ao longo de todo o concerto, assim como os sucessivos mosh que marcaram toda a atuação.
Com “Butterfly Effect”, “Antidote” e “Goosebumps” a serem das maiores estrondos da noite, houve também tempo para versões, como as de “Sky Walker” (Miguel) e “Love Galore” (SZA), mas ao fim ao cabo, as palavras de Travis Scott pouco importavam – num concerto tão ruidoso, a acústica da Altice Arena em nada ajudou – quando a intensidade da atuação falava por si. Em suma, foi uma noite de sucesso que veio a confirmar que a aposta do Super Bock Super no hip-hop estará longe de ter os dias contados.
N.R.: Por motivos alheios à vontade do Festivais de Verão, não nos foi possível fotografar Travis Scott.
Dia 3
Depois de um dia onde o hip-hop prevaleceu, o terceiro dia do Super Bock Super Rock destacava-se pela forte aposta eclética no seu cartaz, com artistas e géneros capazes de agradar a todos os gostos. Em dia do ‘amigo’, que seria sustentado por uma campanha promocional, por parte do festival, que oferecia bilhetes diários para aquele dia, 17 mil foram aqueles que se deslocaram ao Parque das Nações
Tal como aconteceu no primeiro dia, a sede de rock nu e cru para se começar o dia a todo o gás era imensa, mas foi preciso esperar até às sete e picos da tarde para se ouvi-lo, aparecendo este na companhia dos portuenses Sunflowers, no Palco LG.
Com Carlos de Jesus e Carol Brandão no leme – contam com a presença de um baixista para atuações - os Sunflowers começaram bem cedo a sua descarga de psicadelismo disfarçado de punk, tocando os seus instrumentos de forma tão violenta que quase dava a entender que a dupla tinha sido possuída no preciso momento que subiu a palco.
Desde a guitarra, cheia de distorção e tocada de forma tresloucada por Carlos, até a uma bateria prestes a soltar o caos a cada baquetada de Carol, ao que se juntava um baixo galopante, os Sunflowers impuseram um estado de desordem pelo Palco LG – para acompanhar os tímidos moshes nas linhas da frente. Numa altura em que a música segue cada vez mais uma trajetória monótona, onde tudo soa igual, é bom ver uma banda que não tenha medo de sair da norma.
“Portugal, o meu nome é Stormzy e venho de Londres. Não preciso que saibam quem eu sou, só preciso de sentir a vossa energia”. Este foi o mote com que Stormzy se estreou em Portugal e ao longo de uma hora, toda a energia solicitada à “energy crew” portuguesa foi devolvida a dobrar.
Liderando a frente do grime juntamente com Skepta, Stormzy mostrou a uma Altice Arena, longe de cheia mas mais do que disposta em acolhê-lo, o quão intenso e agressivo consegue ser o estilo primo do hip-hop. Num palco praticamente livre de adornos, com a exceção sendo a mesa do DJ de armas do londrino, seria mesmo o primeiro a dar o ar de sua graça num aquecimento que contou tanto com temas de Skepta (“That’s Not Me”, por exemplo) e Drake (“God’s Plan”) para entreter até à chegada do evento principal.
Quando chegou, Stormzy fez bom uso do seu nome artístico para provocar uma intensa tempestade de rimas e batidas: “First Things First”, “Cold”, “Standard”, “Cigarettes & Cush” e “Big For Your Boots” foram apenas algumas das canções que foram distribuídas de rompante e cheias de confiança, com a t-shirt de Stormzy a ficar toda encharcada de suor perante toda a entrega de um artista que rappou como se a sua própria vida dependesse disso.
Espantando com uma receção tão calorosa na sua primeira passagem em terras lusitanas - confessaria mesmo que não fazia a mínima ideia do que é que encontraria por cá – e depois das musculadas “Bad Boys”, “Big For Your Boots” e “Shut Up”, Stomrzy acabaria mesmo por prometer que o seu regresso a Portugal seria iminente. Cá se estará de braços abertos para o receber novamente.
Svedaliza apresentou-se no palco EDP. Não sendo a sua primeira vez em Portugal, Svedaliza tem já um público fiel de seguidores a juntar aos curiosos que pretendem ver o espetáculo ao vivo pela primeira vez. A cantora de origem irariana, a viver há muitos anos na Holanda, tem uma voz potente, uma dança estonteante e sensual. Apareceu em palco acompanhada apenas de um baterista e de um teclista mas a sua actuação encheu o palco. “Voodoov” foi o primeiro tema seguido de “Insider”. O público apesar de dançar, escuta com reverência, os temas.
“Human” protagonizou o momento mais alto do espetáculo. O tema do seu primeiro albúm de longa duração “ISON” é intenso, suculento e fez as delícias do público. Depois do tema Svedaliza confessou ter uma surpresa para o público, uma nova versão da música “Human” desta feita em português que interpretou pela primeira vez especialmente para nós. “Eu sou, eu tenho, eu inspiro” e o refrão “Eu sou humana/ Nada mais que humana” parecem crescer de intensidade quando cantados em português. Foi um concerto emotivo e intenso. No fim Svedaliza despediu-se do público e distribuiu abraços pelos fãs que estavam na primeira fila.
De seguida rumo ao Palco Super Bock para ver Benjamin Clementine. O recinto não estava cheio, o que constituiu uma surpresa dado que Benjamim Clementine é um astro a acompanhar no universo da música atual. Talvez por ser já repetente nos palcos portugueses não tivesse a afluência merecida, o que não impediu que o concerto fosse maravilhoso. De pés descalços, peito desnudo, Benjamin enche o palco, uma voz exuberante, uma presença marcante, um desempenho teatral e uma intensidade… Uau! A onomatopeia define o concerto.
A primeira música foi “Ave Dreamer” do seu segundo álbum “I Tell a Fly” de 2017 seguida de “An Awkward Fish” também do mesmo álbum. A bateria poderosa, o baixo pulsante, teclas e voz… tudo perfeito. Benjamin é completo, os poemas são poderosos, a música é eclética, transporta-nos desde o passado ao futuro, lembra os grandes intérpretes de outrora e inclui roupagem mais moderna e arrojada. Benjamin sentado ao piano chama Ana Moura ao palco. A convidada é apresentada pelo próprio como uma voz elegante, bonita, a mais autêntica das vozes. Juntos interpretam “ I won´t complain” muito bem, as duas vozes, o jeito do fado de Ana Moura, contribuem para o incremento na intensidade da música.
Ana Moura sai do palco e Benjamin apresenta um novo convidado, Seu Jorge, o público vibra e Benjamin diz “in your dreams”. Era uma brincadeira, um toque de humor inglês do artista que se relaciona com o público de uma forma íntima, há ali uma amizade consolidada que permite estas coisas. Benjamin confessa que é uma pena não falar português e comenta “some day, some day…” (Um dia, um dia…). Lugar ainda para mandar calar o público em alta voz “ Silence, please…shhhh” (silêncio, por favor) quando este fazia demasiado barulho. Referência para os temas “Condolence”, “Jupiter” e “Phanton Of Allepoville” brilhantemente interpretados, conseguem ser melhor ao vivo do que em estúdio. O espetáculo termina com “Adios”, um tema intenso e teatral, no qual envolveu o público. Benjamin desceu do palco e convidou elementos do público a cantarem com ele. Os versos “The decision is mine/So let the lesson be mine/Cause the vision is mine/the vision is mine” foram interpretados por vários elementos do público de forma intensa, teatral, quase à desgarrada, como o tema o exige.
Benjamin deu o devido destaque ao baterista e ao baixista que o acompanharam, ambos tiveram direito a vénia e aplausos do público. O espetáculo termina com uma homenagem a Portugal, no ecrã apareceu a bandeira portuguesa acompanhada da frase “eu vou lembrar-me de Portugal para sempre”.
De alma cheia com o concerto de Benjamin Clementine foi a altura de espreitar o concerto dos “The The” no palco EDP. A banda britânica, com mais de 30 anos de carreira está de volta aos aos palcos. Mantém-se com a direção de Matt Johnson, compositor e vocalista, que é o único membro original da banda. Os The The editaram em 2017 o novo single, "We Can't Stop What's Coming" que não foi tocado no concerto.
A banda tinha casa cheia, muitos elementos do público a acompanhar as letras e dançar os êxitos dos anos 80 da banda. Muita gente com curiosidade de ver a banda indie que termina um hiato de cerca de 14 anos. Referência para os temas “This Is the Day “ o maior êxito da banda, "I've Been Waitin' for Tomorrow (All Of My Life)" e “Uncertain Smile” que foram acompanhados pelo público.
A banda provou estar em forma e o palco ainda é um lugar onde se sentem em casa.
É difícil falar sobre o concerto dos The Voidz. Apesar de todo o carinho que Julian Casablancas conquistou com os The Strokes, com a banda inclusive a ganhar o estatuto como uma das mais-bem sucedidas bandas deste milénio, é preciso ser realistas e admitir que o concerto dos The Voidz foi uma experiência deplorável, medonha e quase a roçar o traumático.
Apesar de os The Voidz serem um entusiasmante projeto de Julian Casablancas, o estatuto de cabeça de cartaz é algo que ainda lhes está a milhas; bastava ver a afluência da Altice Arena minutos antes do concerto para o comprovar. De um modo geral, o interesse por parte do público do Super Bock Super Rock em ver The Voidz era pouca ou nula.
Mesmo que o começo tenha ameaçado um ou outro ponto de interesse no seu início, com “M.utually A.ssured D.estruction” e “QYURRYUS” a serem mais do que merecedores da nossa atenção, a partir daí não houve ponta por onde se lhe pegasse: som ridiculamente elevado, estridente ao ponto de se tornar quase prejudicial para a saúde, riffs de guitarras a fazerem tudo estremecer no seu caminho… foi tenebroso.
Virtue, o mais recente disco dos The Voidz, é até uma viagem agradável por um universo onde o psicadélico anda de mãos dadas com o rock, mas aquilo que se viu foi apenas uma sombra de todo esse potencial. Chegou mesmo a ser triste o cenário de dispersão que se avistava por toda a sala, ficando então a Altice Arena praticamente deserta, e isto nem vinte minutos depois do começo do concerto.
Já sobre Julian Casablancas, visivelmente alterado, até este se demonstrou perdido no meio do jogo de luzes – único ponto a louvar do concerto. Entre gritos a relembrar o vocalista de uma banda de death metal e a provocar um massacres auditivo sempre que libertados, Julian diria frases aleatórias como “bem-vindos à Arca de Noé”, “eu engulo no primeiro encontro”, “não consigo largar a Internet, ajudem-me” que só vinham a suportar o óbvio, e perdoem desde já o tom grutesco da coisa: aquele gajo tava todo f*dido.
Para o fim, ainda houve uma réstia de esperança em ouvir-se The Strokes quando Casablancas acusou “I’ll Try Anything Once”, embora fosse rapidamente abandonada em prol de uma canção da autoria dos The Voidz. Se soubéssemos do massacre que estes iriam causar momentos antes, também nós teríamos abandonado a sala mais cedo daquele que foi certamente o concerto mais marcante desta 24ª edição do Super Bock Super Rock… mas pelas piores razões.
Depois do massacre de The Voidz a ameaçar tingir a bonita imagem que o Super Bock Super Rock tinha deixado este ano, os Sofi Tukker apresentaram-se como plano de emergência no Palco Somersby (antigo Carlsberg), com a sala a apresentar a maior lotação registada até aquele momento no festival.
Dupla de música house, os Sofi Tukker conquistaram logo o público com “Energia” e “Matadora”, canções cantadas em brasileiro ou não tivesse a vocalista Sophie Hawley-Held vivido uns bons anos no Brasil; sempre que abordou o público, fê-lo nessa mesma língua, caminho meio andado para cair em boa graça.
“Fuck They”, “Benadryl” e “Batshit” foram apenas algumas das canções que deixaram o público ao rubro, nem sendo preciso conhecimento prévio das mesmas para aproveitá-las ao máximo. Sempre comunicativo e fazendo o que quisessem de um público mais do que conquistado, os Sofi Tukker acabariam por pôr um ponto final à história desta edição do Super Bock Super Rock em tons de festa, alcançados ao som das suas canções mais conhecidas: “Best Friend” e “Drinkee”.
Para o ano, celebra-se as bodas de prata do Super Bock Super Rock entre os dias 18, 19 e 20 de Julho. Lá estaremos nós para apagar as velas.
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sexta-feira, 03 agosto 2018