Reportagem Super Bock em Stock 2018
A chegada do outono trouxe consigo os tempos cinzentos, ventosos e chuvosos, mas felizmente também veio acompanhado de mais uma edição do Super Bock em Stock - também conhecido, nas últimas sete edições do festival, por Vodafone Mexefest - para dar ânimo à, agora mais fria, noite lisboeta durante os dias 23 e 24 de Novembro.
O festival tomou início no Cineteatro Capitólio, situado no Parque Mayer, abrindo portas a uma longa noite de agitação pela Avenida da Liberdade.
O público mais assíduo pode contar com Pedro Mafama, o cantor lisboeta, para aquecer o ambiente e dar as boas vindas aos primeiros batimentos de pé no chão que assim despertaram o espírito festivaleiro entre a multidão dos primeiros, no Bloco Moche Lá Fora, com uma atuação repleta de fusões rítmicas. O cantor veio vestido a rigor, misturando o estilo desportivo/urbano, meias brancas subidas até ao joelho por cima das suas calças de fato de treino que remeteram a lembrança de vários dos trajes tradicionais portugueses, expondo perfeitamente a sua identidade musical. Tendo crescido na capital portuguesa, possui uma grande paixão pelas suas raízes, a qual se espelha nitidamente no uso da língua materna, as guitarras melancólicas e as violas de fado, em união com batidas e ritmos africanos que passam também pelo baile funk brasileiro e tarraxinha influenciados pelas tendências atuais no mundo do hip-hop como o trap, drill, e o incontornável uso de auto tune. A sonoridade de Pedro Mafama é uma miscelânea de vários géneros musicais tanto atuais como mais tradicionais que, apresentam o mesmo como um artista extremamente contemporâneo e versátil no que toca ao seu trabalho, capaz de fixar qualquer multidão.
Em correria cima a baixo pela avenida, inúmeras atuações esperavam o público que, começava a ganhar balanço por entre as iluminações natalícias e fumo de castanhas. Para os menos adeptos de passeios, ou, não apreciadores do cheiro a castanhas, e até para quem apenas estava na hora certa no local certo, havia uma solução que agradou a todos: a Taxify. Foi esta a empresa escolhida para assegurar os shuttles do festival, que circulavam entre o Rossio e o Cinema São Jorge, fazendo paragens em pontos estratégicos junto das diferentes zonas de espetáculos. Não houve tempo para impaciências ou atrasos visto que, quando se pensava ter pedido uma boleia, logo rapidamente chegava outro shuttle. Para usufruir gratuitamente deste serviço prestado pelo festival bastava apenas apresentar a pulseira do mesmo e indicar um dos locais de espetáculo onde se pretendia ir.
Três minutos, para quem apanhava o shuttle, dez minutos, ou mais, para quem vinha por aí abaixo na conversa com os amigos, era o tempo média que se demorava a descer a avenida, do Capitólio até à Casa do Alentejo, na emblemática Rua das Portas de Santo Antão, onde a sala EDP, já lotada e em chamas, esperava aqueles que ainda não haviam chegado.
O grupo musical Fogo-Fogo foi o culpado pela combustão causada pela junção da sua boa disposição com a energia de um público que prometia não abrandar. O frio é psicológico, então Fogo-Fogo - composto por Francisco Rebelo, João Gomes, Márcio Silva, Danilo Lopes e David Pessoa - transportou a multidão para um cenário caloroso, celebrando o ritmo cabo-verdiano do funana com outros estilos dançantes, numa atuação energética onde não faltou animação e muitos sorrisos na cara. Afinal o verão prolongou-se mesmo até novembro.
Os amantes do rap tiveram a oportunidade de acompanhar as letras, já à muito tempo enraizadas nos ouvidos desta geração, cantadas por NGA – rapper angolano membro do grupo Força Suprema - que descobriu a grande paixão pela cultura hip-hop na sua chegada a Portugal nos anos 90. Foi dentro do Cineteatro Capitólio que Edson Silva se estreou no festival SuperBock em Stock, relembrando temas do seu primeiro álbum a solo “Filho das Ruas” e “King”, lançados em 2012 e 2014 respetivamente, suscitando um sentimento de nostalgia entre a multidão, principalmente naqueles que já acompanham o seu trabalho há mais de uma década. Com 36 anos, NGA tornou-se uma das grandes referências nacionais no que toca ao prisma do rap e hip-hop, fazendo ecoar o seu sucesso no Capitólio quando terminou a atuação com o tema icónico “Qual É O Mambo?”, juntamente com os restantes membros do grupo Força Suprema e contando também com a presença inesperada dos membro do grupo musical Wet Bed Gang, deixando assim o público presente em total euforia enquanto cantavam simultaneamente.
Já a noite era uma criança quando, do outro lado da avenida, já se formava uma enorme fila para ver o concerto de Conan Osiris, que viria a lotar o Teatro Tivoli.
Tiago Moreira é o nome que se esconde por detrás do grande artista que ao longo deste ano, tem sido presença habitual nos festivais nacionais. Com 29 anos pode orgulhar-se de ter enchido a sala de espetáculos principal do Teatro Tivoli com um concerto que contrastou harmoniosamente o ambiente clássico e tradicional português com a sua sonoridade moderna e arrojada tão bem representada em temas tocados do seu álbum “Adoro Bolos”, lançado no final do ano passado. Para os que ainda desconheciam o artista, certamente despertou curiosidade e encantou pois não havia assento que servisse à sua função, o teatro estava vivo, entre a comédia e a tragédia, Conan Osiris elaborou uma das mais fascinantes peças. Em pleno 2018, foi um concerto único e memorável que deixa repleto de esperança o futuro musical português.
Por entre filas, o sobe e desce de escadas, passagens estreitas para tanta gente e passadeiras da avenida, fez-se o timming perfeito para chegar a tempo de ver um dos cabeças de cartaz no Capitólio. O êxito do jovem de 25 anos, Micah Davis, mais conhecido pelo seu nome artístico Masego – traduz-se “benções” do dialecto africano Tswana – espalhou-se a nível global depois do lançamento de singles como “Navajo” que ganharam dimensão no canal de Youtube A Colors Show.
Natural de Kingston, o músico residente nos Estados Unidos da América gosta de intitular a sua identidade musical de “TrapHouseJazz”, o que explica o seu sucesso abrangente a vários tipos de público. Passando pela jazz fusion, o neo soul e R&B, a música de Masego é uma onda de boas vibrações onde facilmente se mergulha. Ansiosos estavam aqueles que já esperavam o artista dentro da sala à algum tempo. Os músicos chegaram, tomaram a posição dos seus instrumentos e então ouviram-se os primeiros acordes da tão conhecida canção “Tadow”. Foi a maior satisfação ouvir algo já tão familiar ao ouvido, mas Masego continuava fora de vista, até que, por entre melodias, se ouve o som do saxofone incontornável a este tema e ao próprio artista em si. A sala estava cheia mas despreocupada, Masego revelou ser uma fonte de boa disposição e deixou a multidão completamente à vontade. A atuação contou com temas do seu álbum de estreia “Lady Lady” - lançado a 7 de setembro deste ano – tais como “Old Age”e “QueenTings”, não esquecendo canções como “Bounce” e “Girls That Dance” pertencentes à sua EP de 2015 “The Pink Polo”, que o público acompanhou incansavelmente. O músico teve tempo de mostrar todo o seu talento, para além do saxofone tocou também piano e bateria - tendo crescido a tocar na banda da sua igreja, está familiarizado aos instrumentos - sempre em brincadeira com os seus companheiros músicos, chegou até a fazer malabarismo com garrafas de água espelhando uma enorme naturalidade em palco. A despedida do público português foi tão calorosa que o músico não resistiu em voltar ao palco para cantar mais um tema, intitulado “Send Yo’ Rita”, samplando a conhecida canção “Señorita” do cantor Justin Timberlake, superou todas as expectativas com uma hora de concerto inesquecível terminando em grande o primeiro dia de festival.
O segundo dia veio acompanhado de muita chuva que não parecia querer fazer tréguas com os festivaleiros, mas nada que guarda chuvas, gorros e impermeáveis não conseguissem suportar. Com certeza que deu preguiça sair do conforto caseiro para sair à Lisboa chuvosa, no entanto quem corre por gosto não cansa então toca a correr da saída do metro da avenida diretamente para o Cineteatro Capitólio onde o primeiro concerto dava inicio ao último dia de espetáculos.
Eram poucos os presentes na sala, mas sem dúvida já estariam familiarizados com o nome do artista que marcava presença em palco. Com mais de 15 anos de carreira relativamente à produção musical, Darksunn – produtor e dj associado à MonsterJinx – é um nome já habitual em várias festas na capital e Portugal. Foi com instrumentais da sua autoria e misturas experimentais que Bruno Dias deu boas vindas aos primeiros a chegar, mantendo-se sempre no seguimento da sonoridade eletrônica com apontamentos de hip-hop, o artista apresentou mais um dj set diverso, repleto com beats refrescantes de se ouvir. Para os que já o conhecem foi sem dúvida um gosto vê-lo pisar este palco e para os novos ouvintes uma “brisa de ar fresco” a nível musical.
A chuva abrandou então a noite acelerou em direção ao Cinema São Jorge para uma sessão de música com Conner YoungBlood. O jovem músico proporcionou um concerto relaxante, num ambiente intimista, o público “estava em casa”, e os mais próximos do palco sentaram-se no chão descansando o corpo dos andamentos non stop, típicos deste festival. O facto é que, era este o momento perfeito para tal. A sua sonoridade funciona quase como um calmante auditivo, inspirada em cores e em cenários que o músico visualiza tudo encaixa harmoniosamente devido a sua sensibilidade que o aproxima bastante ao que o rodeia. Apresentou temas do seu álbum de estreia “Cheyenne” - lançado em agosto deste ano – transportando o público, que rapidamente preencheu a sala, numa viagem intensa e sentimental.
O calor dos espetáculos funcionou como combustível à alma e ao corpo dos festivaleiros, que aproveitavam as movimentações pela avenida para se refrescarem e quem sabe, com sorte, apanharem o SuperBock Bus que realizava subidas e descidas pela avenida oferecendo concertos “andantes” no seu interior a quem apresentasse pulseira. De modo a que todos pudessem usufruir do mesmo o autocarro, destacado pela luz vermelha intensa, efectuou viagens em diferentes horários ao longo da noite, terminando à meia noite.
No extremo sul do perímetro do festival, ao lado do Rossio, situa-se o Palácio da Independência que deu palco a um concerto muito particular pela autoria de David Bruno. Oriundo de Vila Nova de Gaia, o músico já antes conhecido por db na produção realizada com o Conjunto Corona, pisou o palco a solo na sua estreia no festival. À vista do público estava uma mesa de mistura, uma garrafa de Jack Daniels e um microfone. As cartas estavam lançadas, e então aparece David Bruno que de imediato encheu o seu copo de wiskey, saboreando-o. “Alfa Romeu e Julieta” foi o tema escolhido do seu álbum “O Último Tango e Mafamude” para dar início ao concerto. Baseando-se na arte que mais domina – o sampling – o artista expôs canções de amor, recheadas de um espírito satírico e cómico, que representam bem a postura do artista que auto define-se como uma mistura de MadLib e Toy.
O final destes longos dois dias aproximava-se rapidamente e já dava asas ao pensamento sobre a próxima edição, contudo para fechar o último dia havia ainda um dos cabeças de cartaz por ver: Rejjie Snow. O cantor irlandês de 25 anos, foi um dos mais esperados pelo público que meia hora antes do seu concerto já tinha formado uma fila de espera que dava a volta ao Parque Mayer. Dentro do Cineteatro Capitólio – que acabou por esgotar a lotação - mais se esperou por entre gritos que ecoavam o nome do artista, as expectativas aumentavam a cada minuto que passava. E passados quase vinte minutos de espera após a hora marcada aparece finalmente Rejjie. Apostou na simplicidade e encantou a multidão assim que pegou no microfone, esta que, o acompanhou a cada canção. Não deixou de parte ninguém, cantando temas dos mais antigos como “Olga” pertencente ao aclamado primeiro projeto “Rejovich” - lançado em 2013 - até aos mais recentes do seu álbum de estreia “Dear Annie”, como “Rainbows”, “Room 27”, “Desolé”, The Ends” e “LMFAO”. Foi ansiosamente esperado e celebrado em lágrimas por muitos. Sinceros foram os agradecimentos que o artista fez ao público que nunca o abandonou canção após canção, e ainda mais sinceros foram os gritos e palmas que aplaudiam o mesmo, fazendo-o voltar para, num momento único, meter o Capitólio inteiro a cantar consigo um dos seus maiores clássicos “1992”. Vagarosa foi a saída do público que, em geral, estava em êxtase com o acontecimento. Rejjie foi, e certamente, será, esperado mais uma vez com muito carinho nos palcos portugueses.
Terminaria assim a noite, e, mais uma maravilhosa edição do SuperBock em Stock que zelou, como sempre, por um cartaz versátil, contemporâneo e que certamente deixou bastante satisfeitos aqueles que mais um ano o festejaram juntos.
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terça-feira, 04 dezembro 2018