Reportagem Vagos Open Air 2012
3 de agosto
Após uma viagem paga, num autocarro que supostamente deveria seguir directo ao festival, mas que se encontrava a fazer serviço normal e que arrancou antes do tempo estipulado, a densidade da cor preta começa a aumentar: o Vagos Open Air (VOA) está cada vez mais próximo. Os novos campistas começam a estabelecer-se junto daqueles que chegaram com antecedência para aproveitar o dia 0 do festival. Começam a ser trocadas as primeiras impressões e expectativas e dá-se início ao crescendo do ânimo colectivo: é dia de ver At the Gates, um ícone ancião e renascido no mundo do metal, que para muitos até agora era apenas um mito para escutar em CDs lançados algures na primeira metade dos anos 90.
As filas para as bilheteiras não intimidam nem aborrecem as centenas de metaleiros que delas se acercam, porque para eles o festival está a dois passos e a meros de minutos de começar. Abertas as portas do inferno, para aquela que é uma das maiores descargas de decibéis a acontecer no nosso país, está então iniciada mais uma jornada de dois dias de peso. As tendas de merchandise enchem-se daqueles que decidiram completar a sua indumentárias festivaleira in loco e as tendas das comidas e bebidas enchem-se daqueles que pretendem combater a tarde quente que se faz sentir com o habitual refresco dos festivais de Verão. Mais uma vez, são os fãs de metal a mostrar que a crise não chegou ao VOA. Ainda que seja de salientar as dimensões cada vez mais reduzidas do espaço para a aquisição de merchandising, bem como o facto de que estas mesmas tendas já não dispõem de um espaço coberto, tendo os compradores que formar filas expostos ao sol da tarde. De estranhar, também, a ausência de material de At the Gates, um dos cabeças-de-cartaz, à venda.
A 3 de agosto e após algum tempo do estipulado, eis que começa a primeira banda nacional do festival, os também renascidos Disaffected (que lançaram álbum este ano, dezassete anos depois do seu álbum de estreia). Este novo álbum, legitimamente nomeado "Rebirth", mostra um som algo diferente do que deixaram em suspenso há quase vinte anos atrás (ainda que com as mesmas raízes), mais maduro e mais actual. À parte a eventual discordância e a possível divisão de fãs que as mudanças de sonoridade costumam susceptibilizar, os Disaffected deram uma demonstração de peso, mostrando que o metal nacional está vivo, de saúde e recomenda-se.
Na iminência do momento folk do festival, a ser encetado pelo catalães Northland e culminado pelo suíços Eluveitie, um dos principais nomes do cartaz para 2012, as filas para o hidromel, a bebida oficial do VOA, enchem-se. O espírito viking/épico apodera-se aos poucos do público. Erguendo e expondo a bandeira da Catalunha, os Northland começam, então, a visita sonora à idade média. A temática e a sonoridade ao estilo nórdico, ainda que pouco o nada ligadas à história da Catalunha e de Espanha no geral, contribuem para a luxuosa extensão do tapete vermelho para Eluveitie protagonizada por estes catalães. O público começa a responder com danças medievais e com headbang enérgico e a banda responde com mais peso, mais metal de alto nível. Quem não conhecia, decerto que ficou bem impressionado. Quem já conhecia, ficou a gostar ainda mais. O público menos fascinado por temáticas de folclore e fantasia ia juntando energias nas bancadas, porque a tarde e a noite estavam para durar.
Acabam os Northland, mas de pronto se dão a afinação e o sound check para garantirem que os Eluveitie têm as melhores condições para continuar a visita guiada aos remotos tempos dos vikings, celtas e afins. O hidromel continua a ser a bebida de eleição para refrescar e restabelecer os guerreiros do metal. A moldura humana vai-se completando e é hora de começar a actuação dos suíços. Com a capa do último álbum ("Helvetios") como pano de fundo, a setlist deixou de ser surpresa para aqueles que não se informaram acerca dos concertos anteriores da tour da banda. Ainda assim houve lugar a algumas músicas anteriores, com alto destaque para aquela que é a mais acarinhada pelos fãs: "Inis Mona". Algumas das melodias celtas que remontam a tempos medievais e que os Eluveitie adaptam e utilizam nas suas músicas já tinham sido ouvidas pelos campistas, já que um fã decidiu levar consigo para o festival a sua gaita-de-foles e presentear todo o espaço do campismo com estes brindes sonoros. Quanto ao concerto em si, que pecou por ser excessivamente curto e porque deixou a grande maioria do público com o pensamento: "então e a Slania's Song…?", nada mais de relevante há a dizer. De notar que a banda aproveitou o melhor possível o escassíssimo tempo que lhe estava atribuído, evitando pausas e diálogos desnecessários. Estava assim concluído o momento folk do VOA 2012, que acabou por ser repetição da fórmula de 2010, onde os papéis pertenceram respectivamente a Gwydion e Ensiferum.
Continuando ainda no espírito viking, mas já fora do mood folclórico, entram em cena os antigos e reputados Enslaved. Tidos como uma das grandes bandas da cena do black metal norueguês da primeira metade dos anos 90, estes multidisciplinares, progressivos e não-convencionais músicos tinham como missão fazer o público embarcar numa jornada além do metal convencional. Uma fasquia colocada pelos seus próprios trabalhos de estúdio. O concerto foi uma passagem pela carreira, com mais ênfase na fase progressiva, que terminou de uma forma peculiar, com uma curiosa cover à "Immigrant Song" de Led Zeppelin e com uma música da demo "Yggdrasill" de 1992, intitulada "Allfoðr Oðinn". Inesperado, como é de esperar por parte de Enslaved.
E se a palavra "peculiar" é aplicável ao terminus da actuação dos noruegueses Enslaved, tão ou mais aplicável é ao que estava para acontecer: era a vez de Arcturus subirem ao palco. Ainda mais certo é socorrermo-nos do francês para utilizar a palavra que melhor caracteriza estes outros noruegueses: avant-garde. É uma banda que acaba por suscitar uma opinião binária: ou se gosta muito ou não se gosta nada. A voz versátil do baixista ICS Vortex, em consonância com teclados quase psicadélicos e um jogo de luz bizarro (que decerto terá dificultado a vida aos fotógrafos) encheram as medidas aos fãs do metal mais complexo, enquanto que outros terão aproveitado para conservar energias para o cabeça de cartaz.
Eis que chega o momento da noite, que para muitos terá sido o momento so festival: os carismáticos suecos At the Gates pisam, pela primeira vez, os palcos portugueses. Tidos como um dos grupos mais influentes para o metal moderno, estes suecos separaram-se após o lançamento de uma pedra basilar na história do Death Metal melódico: o álbum "Slaughter of the Soul". E é precisamente este o disco com que os suecos abrem o concerto, nomeadamente com a faixa homónima. Poucos estariam à espera de um começo tão forte, com uma das músicas unanimemente favoritas. Dado o mote, este foi, não para o espanto de muitos, o álbum mais presente numa actuação que passou pelos quatro álbuns de estúdio da banda, um pouco à semelhança do que sucedeu em 2010 com os britânicos Carcass e o seu álbum "Heartwork". O fluir de energia era espantoso e as cabeças dos milhares de metaleiros presentes movimentavam-se verticalmente a seguir as batidas agressivas do baterista Adrian Erlandsson, enquanto os gémeos Björler deliciavam os fãs com os riffs emblemáticos que todos tão bem conhecem e o carismático frontman Thomas Lindberg punia com os seus vocais growl rasgados, que há vinte anos atrás definiram o estilo vocal do célebre movimento do Death Metal melódico de Gotemburgo. O último round da agressão a que os At the Gates submeteram o público foi selado com um knock out constituído pela mais célebre faixa da banda (que tem, inclusive, videoclip) "Blinded by Fear", seguida de outro hino, a brutal "Kingdom Gone", do primeiro álbum "The Red in the Sky is Ours".
Estranhamente, a afluência ficou aquém do esperado, bem como a convergência da opinião do público acerca da qualidade deste concerto de At the Gates.
Para fechar o dia, Nasum, os veteranos do Grindcore como convidados especiais. A hora tardia a que o concerto começou contribuiu para que o público se tivesse dispersado um pouco. Ainda assim, o mosh pit esteve activo e as faixas curtas e pejadas de brutalidade serviram para colmatar o dia dos mais resistentes.
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4 de agosto
Após uma noite animada no campismo, com cânticos, megafones, músicas de Marco Paulo cantadas pela madrugada fora e muitos outros momentos hilariantes e muito convívio (como é típico no VOA), reabrem as portas do recinto para o segundo e último dia de Vagos Open Air 2012.
O dia é encetado pelos algarvios Mindlock, enquanto muita gente permanece nas tendas ou nas bancadas à sombra, pesando muito para isto o calor e o já visível cansaço. Em 2010, os conterrâneos Prayers of Sanity conseguiram cativar mais o público, apesar de se ter tratado de um concerto sólido.
Directamente de Taiwan, um país pouco enraizado na cena do metal, chegam os ChthoniC como segunda banda para este segundo dia de VOA. Com um black metal melódico, muito ritmado e interessante, cedo se conectam com o público, que também tinha bastante curiosidade em ver ao vivo a baixista, que é tida como uma das "caras bonitas" do mundo do metal. De salientar o trabalho de uma actuação coerente, com muito peso, melodia e... beleza. Uma boa surpresa para quem desconhecia a banda.
Com uma sonoridade a fazer lembrar um cruzamento entre Meshuggah e Gojira, chegou a vez dos Textures fazerem as delícias dos fãs da vertente mais técnica do death metal. Uma descarga sonora com riffs complexos e contratempos, bem como estruturas músicais fora do comum. Já se começava a notar um recinto mais cheio, até em comparação com o primeiro dia.
Abertas as portas da máquina do tempo, o público dá por si nos anos 80: os lendários Coroner vão actuar, seguidos dos não menos lendários Overkill. Um show de thrash metal técnico que pôs os milhares de fãs a cantar em coro. Gente de todas as idades a sobrelotar um mosh pit muito activo e com dimensões respeitáveis. O crowd surf também se intensificou, com a equipa de segurança a prestar um óptimo trabalho, bastante menos limitativo que em anos anteriores.
Overkill, um nome, uma banda, toneladas de energia e uma legião de fãs impressionante. Os coletes de ganga com mangas rasgadas e o patch de Overkill faziam parte da indumentária de centenas de fãs desta banda de thrash metal mais antiga que a maioria das pessoas no recinto. A actuação arrancou e as perto de 200 batidas por minuto rapidamente fizeram com que o pó levantasse do chão, à medida que o circle pit crescia em intensidade. Com uma setlist sempre no pico da velocidade e da intensidade, seguiram-se hinos e hinos dos quais muitos se recordarão pelas suas "marcas de guerra" no mosh pit. E quando todos pensavam que a actuação estava terminada, os Overkill aproveitaram para oferecer aos fãs um encore de luxo, composto pela sequência: "Deny the Cross", a tão aguardada e pedida "Rotten to the Core" e "Fuck You", uma cover de uma banda punk dos anos 80, que foi um tremendo momento de distracção para os fãs. O VOA 2012 estava a ficar mais próximo de terminar e a qualidade da arte de palco mantinha-se.
Com recinto populado como em nenhum dos concertos anteriores, chega a vez dos Arch Enemy destruirem as hostes metaleiras com o seu misto de beleza e brutalidade, como lhe chama o guitarrista, compositor e influência para milhares de guitarristas por todo o mundo, Michael Amott. "Khaos Legions", o último registo de estúdio da banda, era o alvo principal do concerto (o que foi desde logo visível pela preparação do palco com as faixas com a imagem da capa). Mas o álbum não era a única novidade da banda. Muitos fãs estavam a ver pela primeira vez ao vivo o guitarrista que substituiu Chris Amott, o irmão de Michael. Uma tarefa não muito fácil, não só pelo virtuosismo de Chris, mas também pelo seu entrosamento com o irmão Michael.
"Yesterday is Dead and Gone", o primeiro single do último álbum, começa após tocar a introdução do mesmo. A entrada explosiva da banda em palco, com a vocalista Angela Gossow a invadir o palco com uma indumentária muito ao estilo da sua compatriota Doro Pesch, mostrou desde cedo ao público o que deveria esperar deste concerto. Os milhares de fãs cantavam em coro e entoavam as melodias de guitarra que iam surgindo no meio da agressão sonora.
Seguiram-se "Ravenous" e "My Apocalypse", para entrar um dos picos do festival: "Bloodstained Cross", single do último álbum. Angela Gossow introduz a faixa a pedir "sangue e ossos pelo ar" aos fãs. E os fãs acederam, num mosh pit que ia oscilando de intensidade, acompanhando os excertos de beleza e brutalidade da música. As letras anti-religião (num sentido revolucionário e libertador), acompanhadas por melodias belíssimas levaram o público a um estado superior de existência. Algumas músicas depois surge o clássico "Dead Eyes See no Future" e os fãs mais uma vez levantam os pés do chão, para depois serem levados a um estado zen por uma secção de duas músicas de guitarra solo: a primeira pelo novo guitarrista Nick Cordie (numa altura em que este já não tinha mais nada a provar); a segunda por Mike Amott, a conhecida e aclamada "Intermezzo Liberté".
Após a "Silent Wars", chega uma das faixas mais catchy do último álbum e até da banda em geral: "No Gods, No Masters". O público reagiu, ainda que não com muita agitação, já que a música não o pede. "Dead Bury Their Dead" antecedeu a música que levou a banda aos píncaros: o super hit "We Will Rise", que pôs toda a gente a cantar e a saltar. Um momento impressionante e digno de cabeça-de-cartaz. "Snow Bound", acompanhada de um video a passar com montanhas nevadas construiu o ambiente para a potente "Nemesis" e o fim da actuação e do festival com a parte final da música "Fields of Desolation", do primeiro álbum da banda, com que é hábito despedirem-se.
Foi um concerto que pecou por ser curto e por algumas falhas de Michael Amott, que não esteve na mesma forma do que em 2010 quando veio com os Carcass. De qualquer forma, enquanto durou, os fãs sentiram-se mais que vivos. E isto aplica-se ao concerto de Arch Enemy e ao festival.
"Para o ano estamos de volta", disse um fã, espelhando por completo o que o Vagos Open Air significa para os seus fiéis.
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quarta-feira, 26 junho 2013