Reportagem Vodafone MexeFest 2016
A Avenida da Liberdade vibra de emoção. Sente-se uma atmosfera de entusiasmo e expectativa, afinal o Vodafone Mexefest está de novo na cidade com as suas paragens, destinos ecléticos, fado, folk, música eletrónica, ritmos africanos, punk, soul and R&B, em locais emblemáticos como o Coliseu dos Recreios, o Cinema São Jorge, o Tivoli e espaços de difícil acesso como sejam o Palácio da Foz e a Sociedade Geográfica de Lisboa , bem como, locais inusitados como a Garagem da Epal, os bastidores do Capitólio e o Vodafone Bus que circula pela Avenida da Liberdade e oferece música ao vivo aos passageiros.
Não é só o corrupio normal do cidadão desconhecido e do turista a passear, surge também aquela espécie de ser que saiu à rua para viajar na música. As pessoas movimentam-se, sussurram, abrem os horários para confirmar as horas dos vários concertos e sua localização. Gosto de adivinhar para onde vão e ouvir os comentários e as sugestões que voam das bocas de perfeitos desconhecidos. Ouve-se “Vim de lá agora, está muito fixe”; “Aconselho”; “É muito bom”.
Tempo frio e chuvoso ou não fosse este um Festival de Inverno. Chocolate quente e bolas de Berlim são distribuídas pelo público. Ajudam a amenizar o frio e reconfortam o estômago ao longo desta viagem pelas várias paragens musicais.
Dezenas de concertos em várias salas, horários sobrepostos e localizações distintas exigem que sejam feitas escolhas prévias do que vamos querer ver. Cada pessoa estabelece a sua própria agenda.
No primeiro dia do Festival a Sociedade Geográfica de Lisboa encheu-se para ouvir Lula Pena. A cantautora desperta curiosidades, está sempre envolta em mistério. As suas músicas significam poesia e remetem-nos sempre para tempos idos e mundos paralelos. Portuguesa de origem mas cidadã do mundo, a sua música mantém as raízes portuguesas, fado e melancolia, mas incorpora muitas outras influências, africanas, brasileiras, árabes. Lula Pena acompanhada da guitarra com a sua voz suave de sotaque indefinido enche o palco e o público manifesta uma certa reverência, quase religiosa perante a artista.
Terminado o concerto de Lula Pena é tempo de outra paragem musical. Nos antípodas de Lula Pena estão os Dead Pretties. A banda britânica apresentou-se na Sala Super Bock (Garagem da Epal) com o seu Punk Rock vibrante. Praticamente desconhecidos os três miúdos britânicos remeteram-nos para uma qualquer cave de Londres em plenos anos setenta e inicio da década oitenta no auge do Punk Rock. Quase que levei com uma lata de cerveja, que o vocalista atirou, na testa, desviei-me no último momento. Muita energia. Bons riffs de guitarra, letras simples e minimalistas, voz rasgada, Dead Pretties cumpriram e surpreenderam.
De seguida uma corrida até ao São Jorge para ver a parte final de The Invisible na sala Manoel de Oliveira. Dave Okumu, vocalista e guitarrista, Tom Herbert no baixo e teclados e Leo Taylor na bateria puseram a plateia do São Jorge a dançar. O rock funde-se com música eletrónica e pop, tudo com muito groove. Canções etéreas cheias de ritmo que podemos ficar a ouvir e dançar eternamente. Dave Okumu partilhou com a plateia que iam continuar a tocar até serem obrigados a sair e o concerto prolongou-se para satisfação do público e dos músicos. Maravilhoso é o adjetivo que me vem à cabeça.
Ainda no São Jorge, uma mudança de sala para ver e ouvir Fandango o projeto de Luis Varatojo e Gabriel Gomes. O nome sugere portugalidade e isso fica comprovado nas melodias portuguesas misturadas com samples eletrónicos. Fandango nasce de uma mistura entre música eletrónica e instrumentos acústicos como sejam o acordeão e a guitarra portuguesa.
Muito bom! Sintetizadores, caixas de ritmos, teclas, acordeão, guitarra portuguesa e elementos cénicos. Bem tocado, boas misturas, magistral. Para dançar numa qualquer pista de dança até de madrugada. “Vocês são do caraças” diz Gabriel Gomes ao público entusiasta e o público quer certamente responder “Não, vocês é que são do caraças”.
Mais uma mudança de cenário, desta vez uma paragem na Sala Toyota CHR na Casa do Alentejo para ver Howe Gelb. Howe Gelb é um músico e compositor norte-americano mestre nos géneros Americana, Alternative Country, Folk Rock, Indie Rock e Blues. Com mais de três décadas de carreira, Howe Gelb participou em diversos projetos sendo o mais conhecido do público o colectivo “Giant Sand”. Howe Gelb canta, toca guitarra e piano, a sua música é de matriz profundamente americana mas, mesmo quem não é apreciador do estilo musical não consegue ficar indiferente às suas canções.
E a primeira noite do Festival terminou com os australianos Jagwar Ma com o seu rock psicadélico e batida eletrónica. Trouxeram temas do seu segundo álbum “Every Now and Then” e deleitaram o público com a sua música.
Na segunda noite do Mexefest, o mesmo reboliço e entusiasmo nas ruas.
Gallant fez a sua estreia em Portugal no Coliseu dos Recreios. O músico norte-americano de Soul e R&B, possuidor de uma voz intensa, imensa, quente e afinada, cantou e encantou. Trouxe temas do seu recente álbum “Ology” que foi considerado uns dos discos do ano. São merecidos os elogios que os media e alguns dos seus pares lhe tecem.
De seguida, rumo ao Capitólio para espreitar o concerto de La Dame Blanche. Yaite Ramos Rodrigues, cujo nome artístico é La Dame Blanche, é filha de Jesus “Aguaje” Ramos, trombonista e diretor artístico dos “Buena Vista Social Club”, caso para dizer que a música corre nas veias desta cubana. A sua música de fusão entre hip hop, raggae, cumbia e dancehall, é quente e suculenta. A sua performance é intensa e sensual sendo intercalada com o seu virtuosismo instrumental na flauta que a acompanha em todos os concertos. No dia em que foi anunciada a morte de Fidel Castro, La Dame Blanche trouxe-nos músicas quentes de matriz cubana, com forte teor poético e preocupações sociais.
Seguiu-se Elza Soares no Coliseu dos Recreios. A cantora, ícone da música brasileira, tem 79 anos, sessenta anos de carreira e uma vida repleta de canções. Rainha da música popular brasileira e do samba apresentou músicas do seu álbum de originais “A Mulher do Fim do Mundo” editado em 2015 e recebido de forma apoteótica pela crítica. Um álbum biográfico que retrata a sua vida e as suas lutas pessoais: direito das mulheres, dos homossexuais, dos negros. Acompanhada por vários músicos (baixo, percussão, guitarras, bateria e outros) a cantora mantém a ousadia nas letras e na caracterização cénica. Letras pungentes sobre violência doméstica, transexualidade, droga, morte, em composições que misturam o jazz, o samba, o funk, o rock, a eletrónica, com timbres arrojados, ruídos e distorções. Destaque para o tema “Maria da Vila Matilde” cuja letra é uma verdadeira ode à luta das mulheres contra a violência doméstica. O refrão “você vai-se arrepender de levantar a mão para mim” é poderoso. Elza Soares termina ainda dizendo às mulheres que gemer só de prazer e não de sofrer. Majestoso e magistral.
Terminado o concerto de Elza Soares, tempo ainda para ver Taxiwars na casa do Alentejo. O projecto resulta da colaboração de Tom Barman, vocalista dos dEUS, o saxofonista Robin Verheyen, o baixista Nicolas Thys e o baterista Antoine Pierre. A voz de Tom Barman acompanhada por músicos de excelência no mínimo desperta curiosidade.
Tom Barman apresentou-se acompanhado pelo saxofone e contrabaixo. O resultado foram músicas de teor jazzistico, experimentais e encorpadas de swing, bem executadas e quase catárticas.
A segunda e última noite do Festival termina com Branko e o seu DJ set. Mayra Andrade sobe ao palco e interpreta o single conjunto “reserva pra dois”.
Para o ano há mais e provavelmente melhor Vodafone Mexefest.
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Organização:Música no Coração
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quarta-feira, 07 dezembro 2016