Reportagem Vodafone Mexefest 2011
Rita Trindade
Nuno Beijinho
Este ano, o festival que conhecíamos como Super Bock em Stock voltou sob o nome de Vodafone Mexefest, resultado de alterações de patrocínios. O conceito, esse, manteve-se: 40 bandas em 2 dias, espalhadas por vários palcos. Já se conhece bem a correria pela Avenida da Liberdade, de sítio em sítio, prioridades bem definidas ou é impossível ver-se o que se quer. Para ajudar à sobreposição de bandas e diferentes localizações, o festival esgotou.
2 de Dezembro:
A fila que se viu para entrar em James Blake era, no mínimo, ridícula. Sim, há outras bandas para ver, mas é possível ver-se um pouco de todas e pagar o tal «euro por artista» em vez de se ver apenas meia dúzia. Coisas boas: a ponte pedonal sobre a Avenida da Liberdade que evitava esperas nos semáforos, castanhas de oferta em frente ao Tivoli e carrinhas de transporte de espectadores pela avenida (alguns deles com direito a concertos no Vodafone Bus), a ajudar a combater uma noite fria, que não demoveu os lisboetas de irem, neste primeiro dia de festival, ver e ouvir Handsome Furs, John T. Pearson, PAUS, Fanfarlo e S.C.U.M. entre tantos outros.
Asterisco Cardinal Bomba Caveira foram os escolhidos para abrir o cartaz e para iniciar a primeira noite de espectáculos, actuando na sala 2 do São Jorge. Não foram recebidos por uma grande audiência, talvez por ainda ser cedo, no entanto, não deixaram de entretê-la com alguns temas do EP homónimo de estreia com Salão Paroquial, Leões e Tigres e Passeio de Bicicleta. Dizem gostar de dançar e as influências tradicionais da música portuguesa são notáveis originando assim canções rápidas de adolescentes que sofreram com o amor, escola, borbulhas e salões paroquiais.
Quase ao mesmo tempo, a simpática Luísa Sobral apresentava o seu The Cherry on My Cake, na Igreja de São Luís dos Franceses.
Julie & the Carjackers foram os responsáveis pela abertura do terraço do Hotel Tivoli. A banda soube cativar o público com a sua simpatia, à-vontade e músicas que se encaixaram na perfeição para dar ainda início a um desfile de bandas. Um concerto que se esperava bom e acabou por ser óptimo. A energia dos músicos em palco era contagiosa e cada um sabia bem o que fazia, quer fosse o guitarrista que parecia estar no seu mundo de acordes ou o baixista lá atrás cujo som passava tudo menos despercebido. Os coros femininos aquecem os temas, que remetem para influências de Bossa Nova. Apesar de cordas partidas e algum pânico por parte do vocalista a dada altura, o concerto decorreu na perfeição, com uma setlist bem pensada e cativante que incluiu Mr Williams, Chain on My Swing (também foram assoberbados pelo espírito natalício com este tema?) e a última e fabulosa Wait by the Telephone.
A Sociedade de Geografia de Lisboa serviu de pretexto para a actuação de Josh T. Pearson pelas 21h15, concerto que prometia grandes enchentes. Espaço que habitualmente não recebe concertos e que depois de três lances de escadas a subir nos levavam para uma sala centenária, com escadarias e varandins de ferro e cortinas vermelhas que dispersavam por momentos a atenção do palco da personagem barbuda e estimada de Pearson, um contador de histórias de melodias sofridas a cada nota e verso. Com um sentido de humor notório, o músico texano embalou os presentes com temas dignos de silêncio como Sweetheart I Ain’t Your Christ.
Rumamos, então, em direcção a Eleanor Friedberger, já atrasados e a falhar a actuação de Bebe, por causa da fila para os dois elevadores do Hotel (e as escadas?). Na belíssima casa do Alentejo, lá estava ela. Metade dos Fiery Furnaces, desta em nome próprio com um trio de rapazes de cabelo encaracolado. A voz é inconfundível e os temas também. Ouvia-se Heaven ainda antes de entrarmos. A sala, a transbordar (vão perceber que isto foi recorrente em todos os locais durante todo o festival), vibrava ao som dos temas de Last Summer, o primeiro álbum a solo da cantora. Estava a ser um bom concerto, mas era tempo de Handsome Furs no Tivoli. Subimos a avenida de novo e entrámos numa sala que se ia enchendo. Para ver o duo/casal de Montreal, Lisboa preferiu sentar-se, mas às primeiras notas já se encontrava de pé a dançar aos sons intensos de When I Get Back. A pessoa mais energética da sala era, de longe, Alexei Perry, nas teclas e descalça. All We Want Baby is Everything seguiu-se e os ânimos continuaram ao rubro. O vocalista Dan Boeckner revelou estar contente por estar de volta enquanto falava sobre os temas e aquilo em que se baseavam. Serve the People, para a polícia, mas foi o What About Us o tema mais esperado.
Enquanto Capitão Fausto e You Can’t Win, Charlie Brown, dois projectos bem nacionais e em emergência neste ano, actuavam nas respectivas salas, na sala 2 do São Jorge, os londrinos S.C.U.M davam início a um concerto influente do post-punk e garage rock onde as influências de The Horrors ou Bauhaus não foram postas de parte. Temas que oscilavam entre a voz depressiva de Thomas Cohen e um psicadelismo luminoso, com distorções de guitarras a puxar para o noise foram o suficiente para encher a sala e envolver os presentes num ambiente energético e tenebroso onde diferentes estados de espírito são impressos nas composições cavernosas. Com temas do EP Amber Hands e do álbum Again Into Eyes, S.C.U.M seduziram o público num concerto arrebatador onde ficou claro e registado o protagonismo que têm vindo a ganhar por todos como uma banda a seguir, sem dúvida.
Curiosidade pela explosão na internet da celebração universal ‘do coração não é tão simples quanto pensa, nele cabe o que não cabe na despensa’ passamos pela ilustre sala da Casa do Alentejo para conhecermos a Oração, d’A Banda Mais Bonita da Cidade que cantou e encantou milhares de internautas. Entre a música tradicional brasileira e baladas rock, os temas tocados são feitos de histórias ternurentas capazes de esboçar sorrisos na multidão.
Fanfarlo já começava no S. Jorge. A sala encheu rapidamente para ver a banda de Londres, que chegou tímida com a sua panóplia de instrumentos. Melhor e com mais personalidade ao vivo que em estúdio (lembra Beirut demais, por vezes), a banda exibiu os seus dotes no saxofone e no trompete, entre tantos outros, em temas como Replicate ou I’m a Pilot. O público apreciou mas não saiu totalmente convencido pela tímida banda. Nem com a bela “Luna” lá foi. Mas o esforço valeu e em relação ao álbum foi uma boa surpresa.
No Tivoli de novo para uma breve passagem, assistia-se aos canadianos Junior Boys e à sua música electrónica. O público estava mais que cativado e continuava a entrar gente.
A caminho do metro dos Restauradores, e já sem tempo para nos estrearmos no Cabaret Maxime, reaberto para os Spank Rock, revelou-se uma aventura encontrar o local onde os PAUS iriam tocar. Vários grupos de pessoas estavam com o problema comum de saltar de entrada em entrada (são 5, no total) sem conseguir encontrar a correcta para o concerto. Por fim, no sítio certo, viu-se uma enchente de gente rumo à música do quarteto português. Uma vez lá em baixo, o pensamento era comum: pior sítio de sempre para um concerto. Na verdade, o pensamento mais comum deve ter sido: os Blood Red Shoes vão tocar aqui?! Mas isso era só no dia seguinte, uma preocupação de cada vez.
No meio da multidão, amaldiçoava a minha altura quando percebi que o problema de não ver o palco era partilhado por todos os presentes a partir da… bom, da terceira fila, provavelmente. O palco não podia estar mais alto de qualquer maneira ou os músicos tocavam com a cabeça no tecto. Por isso não vos posso dizer como eram as t-shirts especiais deles mencionadas pelo Hélio. Posso dizer-vos que foi um belo concerto e que até pediram às filas da frente que se sentassem um bocadinho durante Deixa-me Ser e apenas levantar quando o Hélio pedisse. Correu bem. Malhão, Mudo e Surdo e Tronco Nu («dedicada ao Malato») foram alguns dos temas que por ali passaram. O pedido foi de Hélio - «ajudem-nos esta noite» - e assim foi. Vissem o palco ou não, todos ouviam a música e foi essa que deslumbrou todos os presentes.
Finda um noite cansativa, a recuperação para o dia seguinte era mais que necessária.
3 de Dezembro:
Mais uma noite de concertos na Avenida com o Vodafone Mexefest. Neste segundo dia, assim como no anterior, nada demoveu os festivaleiros de se deslocarem livremente para verem nomes como Filho da Mãe, EMA, Oh Land, Toro y Moi, Blood Red Shoes e o sempre procurado James Blake.
Desta vez começamos a viagem na Igreja S. Luís dos Franceses, pelas 20h30 com a actuação do Coro Africano, constituído por 25 pessoas com uma extensa variedade de cânticos e dialectos aliados a ritmos tradicionais africanos. Capazes de se adaptarem ao ambiente e à acústica da Igreja, o Coro Africano foi uma surpresa agradável para os presentes que pareciam entretidos.
No segundo e último dia, Filho da Mãe fazia as honras na Sociedade Geográfica de Lisboa. A sala, já sabíamos, era linda, e digna de Palácio, o álbum de estréia de Rui Carvalho, membro dos If Lucy Fell ou I Had Plans. Tanto que uma senhora foi receber o público com um discurso de orgulho por terem recebido alguns concertos do festival naquele local e pedir para que o barulho durante o concerto fosse reduzido ao mínimo. Apesar disso, houve palmas para Rui Carvalho e a sua guitarra. Devido ao atraso no concerto, apenas vimos o primeiro tema e o segundo, Eusébio no Deserto.
Ali ao lado começava Old Jerusalem que também sofreu um pequeno atraso. A banda portuguesa mostrou-se contente por tocar na Igreja de S. Luis dos Franceses e falou sobre os temas que ia tocando, como Tyndale and Augustines, sobre William Tyndale, o primeiro homem a traduzir a Bíblia para inglês, o que lhe causou alguns “problemas”. O tema foi referido pela banda como «político». Saímos a meio do segundo tema, rumo ao Teatro Tivoli que se preparava para receber os portugueses Dead Combo.
O duo entrou num palco decorado como a banda nos tem vindo a habituar: a lâmpada solitária por cima das cabeças dos artistas balouçava amplamente depois de uma pequena ajuda por parte de Pedro Gonçalves. Ao fim dos dois temas iniciais, o contrabaixo foi trocado por uma guitarra eléctrica, tocada sublimemente nos temas Lisboa Mulata e Cachupa Man. A sala estava composta mas muitos estavam já a caminho de outras paragens.
EMA, uma das revelações da música alternativa do ano de 2011 apresentou-se na sala 2 do Cinema São Jorge num registo cativante e intenso, do ponto de vista da sala bastante satisfatório. Cria-se um duelo de guitarras e violino electrónico com sons ríspidos e crus adicionados à voz lúgubre de Erika M. Anderson que olha o amor e a vida como uma tragédia digna de uma broken heart girl com uma forte atitude e presença em palco.
Entretanto demos um salto à estação de metro dos Restauradores onde nos cruzamos com doismileoito, capazes de estimular uma enchente de pessoas à entrada e de colocar os presentes a par de uma dança com o single Quinta Feira. O quarteto apresenta-se com raízes entre o rock e o pop com umas breves passagens pelo ska. Apesar de curto foi uma experiência agradável e animada que não deixou ninguém ficar parado e onde o quarteto se desdobrou facilmente nas suas funções e instrumentos. A diversidade entre o público presente era enorme e inquietos, não chegaram a ter os Pés Frios.
Seguimos para o Terraço do Hotel Tivoli onde Warren Hildebrand ou se preferirem, Foxes in Fiction deu início à sua actuação utilizando-se apenas de uma guitarra e um teclado num registo experimental a desvanecer suavemente para o dream pop. Elogiado pela Pitchfork, Warren cria e reiventa novas técnicas de abordagem electrónica capazes de cativar os presentes. Será de referir no entanto um som de fundo anteriormente gravado e demasiado marcado que, ao vivo acaba por não resultar.
A banda dinamarquesa Oh Land chegou com algum atraso, mas rapidamente tal foi esquecido. Muitos já estavam de pé dançando ao som de Perfection, que deu início ao concerto. Com uma bandelete a lembrar um chifre de unicórnio, Nanna Øland Fabricius mostrou desde o início que a sua missão da noite era conquistar o público português. Não foi difícil. Não sei se houve alguém que saiu daquela sala sem se ter apaixonado pela cantora. O seu passado na dança é perceptível nos seus movimentos e os temas são facilmente digeridos. O teclista e o baterista que a acompanham são bons no que fazem e ela também. Sempre a puxar pelo público, a energia e simpatia da dinamarquesa não deixaram ninguém imune e temas como Sun of a Gun, Voodoo ou mesmo Wolf & I fizeram o resto – a sala estava quase toda de pé e as primeiras filas mais que rendidas aos encantos da banda.
Nanna contou que tiveram a sorte de ter 3 dias para conhecer e passear por Lisboa, bem como comer Pastéis de Belém e invejou os portugueses por terem sol até tão tarde, ao contrário do seu país. Temas como Rainbow, Lean ou Deep-Sea (dedicado especialmente ao público português) deram a conhecer o lado mais emocional e romântico dos álbuns Fauna e Oh Land e fizeram as delícias dos espectadores.
Um dos pontos altos da noite teve lugar no Cabaret Maxime por volta das 23h quando os dinamarqueses When Saints Go Machine entraram em palco. Um pop sintético que nos traz à memória Animal Collective, com ritmos orientais e viagens sonoras diversificadas acompanhadas por luzes avermelhadas que aqueciam o espaço e que fazem a sala encher aos poucos. São as composições clássicas do sintetizador a intersectarem a voz mística do vocalista pausadamente que nos fazem arregalar os olhos e que nos hipnotizam criando ritmos envolventes que nos obrigam a ficar. Poderia muito bem ter sido a revelação da noite se não soubessemos o que viria a seguir.
De volta ao Terraço do Hotel Tivoli, desta vez para ouvir Beat Connection, que tocavam ao mesmo tempo que os Aquaparque. Podemos considerar, sem margens para dúvidas, que a banda de Seattle é uma das pérolas do lo-fi e chillwave da nossa geração. Escutamos In The Water e tornou-se visivél uma nostalgia presente em todos os cantos da sala, saudades do Verão ou de qualquer recordação aprazível. Por momentos podemos parece que nos encontramos numa discoteca ou num bar frequentado pela malta indie que de vez em quando gosta de fugir ao habitual apesar do teclado e da bateria que definem o ritmo apresentarem bases tipicamente pop. Os presentes das mais variadas faixas etárias dançaram eufóricos e pediram por mais à medida que viajavam entre os beats à anos 80 ou por sons mais minimalistas edificados por uma guitarra e um excelente kit de sintetizadores.
Era altura de James Blake. Pelo menos para alguns. Porque muitos ficaram na rua, numa fila que chegou ao Marquês (eu disse que tinha sido ridícula). O cantor inglês, que já tinha estado no festival Optimus Alive! em Julho levou ao teatro uma autêntica maré de fãs, curiosos e – infelizmente – simples admiradores da sua aparência. O recinto continuava a encher quando o músico entrou em palco. Unluck fez as honras e foi bem escolhida. Tep and the Logic seguiu-se-lhe e I Never Learnt To Share deixou-nos perplexos: como era possível estar quase toda a gente ainda sentada? É inegável que o contraste entre os temas em estúdio e ao vivo é muito grande. As músicas ganham força, mais ritmo e uma energia que parece puxar por nós e não nos larga enquanto não nos deixarmos levar. CMYK foi uma das favoritas (mas também não houve propriamente nenhuma que não fosse) e o festival de gritinhos e “chiuuuu” que durava desde a primeira música continuou. Se alguém ganhou, foram os gritinhos. Infelizmente. Limit To Your Love provocou algum histerismo, bem como Wilhelms Scream e o encore com A Case of You.
Corremos para a sala principal do S. Jorge onde conseguimos ouvir Toro y Moi, ainda dentro da onda chillwave e dream pop a derrapar pelo rock a que tão bem nos habituou. Não podemos infelizmente considerar Toro y Moi como um concerto capaz de marcar a noite sendo a setlist espectável, não criando assim qualquer surpresa com os temas tocados. No entanto, o público chegou-se à frente para ouvir os temas do novo álbum Underneath The Pine e ficou hipnotizado por tais temas capazes de ganharem uma nova dimensão ao vivo.
No Cabaret Maxime, Lindstrøm enchia o local com a sua música electrónica. A fila para entrar era enorme, preenchida por aqueles que ainda iam a meio de uma noite de música e divertimento. Lá dentro, o clima era de dança.
Finalmente, rumamos pela última vez para a estação de metro dos Restauradores, pelo menos no contexto do festival, para ouvirmos os tão aguardados e célebres Blood Red Shoes que ainda não se cansaram de meter os sapatos por cá. Fãs de Fred Asteire ou apenas curiosos, como seria de esperar conseguiram transformar os pares de sapatos brancos que se encontravam na sala vermelhos de dançar frenéticamente ,saltar ou simplesmente sacudir a cabeça e bater o pé aos ritmos acelarados e imparáveis de Steven Ansell. Bandas influentes como Nirvana ou Pixies são reconhecidas nos acordes de Laura- Mary Carter que em Light It Up incendiou o pavimento e os presentes a começar nas filas da frente que gritavam em plenos pulmões as letras mais que decoradas da banda britânica. Decerto que a estação nunca esteve tão abafada como na noite de hoje onde os já experientes Blood Red Shoes divagavam entre o primeiro e o segundo álbum tocando temas como Heartsink, It’s Getting Boring by the Sea, I Wish I was Someone Better, Keeping it Close e Say Something Say Anything que levou desde início a uma espécie de riot na multidão, algo comum nas actuações da banda. Um concerto impetuoso e arrebatador que só ficou a perder pelo espaço em questão, a pior aposta da organização em termos de localização mas que nem por isso impediu o público de apreciar o que terá sido o encerramento da primeira edição do Vodafone Mexefest.
O Porto, sabe agora com o que contar. Preparem os vossos melhores sapatos e em Março, não deixem de visitar a edição nortenha do festival possivelmente mais cansativo do país. Cansa, mas sabe bem.
O movimento no Porto vai-se centrar, pelo Coliseu, Maus Hábitos, Passos Manuel e outra série de salas onde, com certeza, passará boa música.
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quarta-feira, 26 junho 2013