Reportagem Vodafone Mexefest 2012 no Porto
Lucelina Santos
Vamos fazer contas: uma rua, dez espaços, 57 projectos musicais. Feitas as contas, vamos ao que interessa. Nome? Vodafone Mexefest. Local? Porto. Chegámos ao fim da segunda edição do festival Vodafone Mexefest e, sim, foi uma festa bem mexida, ninguém parou um segundo. Foi um deleite para os ouvidos mais afinados e para os menos também, de um cartaz que muitos acharam que não valia a pena 40 euros, pois enganaram-se e agora já passou. Para os ausentes e arrependidos garantidamente haverão mais edições.
O Vodafone Mexefest mexeu a cidade do Porto, numa espécie de "shaken but not stirred" com concertos muito peculiares e na dose certa. A segunda metrópole do país acolheu a também segunda edição do festival (cuja primeira ocorreu em Lisboa) na rua Passos Manuel (e alguns lugares próximos), local escolhido para este festival urbano, longe do pó e do calor, de tendas, djambés, suor e bafo quente veraneio a que estamos habituados.
Rua cheia, salas cheias e barriga cheia de cerveja, cachorros, algodão doce e pipocas dos carrinhos que se espalhavam pela rua fora. O cantor norte-americano Josh Rouse inaugurou o festival na Fnac Santa Catarina onde deu um arranque suave e melódico. De seguida, ainda no mesmo espaço, a banda barcelense Alto! veio "deitar abaixo" a Fnac e os dispositivos electrónicos que estavam à venda ao lado do café-concerto. O álbum, com o mesmo nome da banda, lançado em Fevereiro deste ano, foi apresentado por João Pimenta que saltava de microfone em microfone dentro da sala cantando "Velania", "Xasmins" e "Halavni Nadrazi".
Subindo a rua, de dentro de um eléctrico estacionado entre a rua Santa Catarina e a Passos Manuel ouvia-se "Bésame, bésame mucho". Lá bem aconchegados estava um grupo de fanfarrões acompanhados de quase todos os instrumentos de sopro que conhecemos. Tocavam músicas com influências caribenhas e ciganas, tão ciganas que Farra Fanfarra saiu de dentro da sua "sala de concertos" e veio para o meio do público, junto com os seus trompetes, trombones, tuba, oboé, tambores, saxofones e afins.
A rua cortada ao trânsito, o Majestic cheio, uma senhora idosa com um papelinho a pedir o autógrafo ao Tiago Sousa depois do seu majestoso concerto no mais emblemático café do país. A música ouviu-se tranquila e é acima de tudo, bela. Impera a imponência do piano de cauda e a solenidade do café. Tiago Sousa é ele próprio uma espécie de encarnação da beleza, que desta vez é sonora, é visual e é tranquila.
A próxima paragem foi no Cinema Passos Manuel e, por esta altura, acontecia o grande jogo entre Benfica-Porto. Norberto Lobo demonstrou-se neutro e imparcial levando umas sapatilhas azuis e umas meias vermelhas. Longe dos gritos e da euforia futebolística era hora de acordes suaves, calmos e de paz. A cabeça de Norberto Lobo dançava à medida que interpretava as faixas do álbum "Fala Mansa". De olhos fechados, tocava a sua música feita de verdade e de sentimento na sua guitarra acústica de onde impregnava refulgência e formosura. Foi uma magnífica performance.
Passando para os Maus Hábitos, são os Best Youth que, num registo diamentralmente oposto, animam o público. Pop electrónica divertida, a banda portuense tem espalhado a sua batida um pouco por todo o país. É uma actuação animada e despretensiosa.
Num pulo, um salto até Capitão Fausto que à hora marcada debitam a sua "Gazela" na Garagem Vodafone FM. A banda reúne, desde 2009, amigos que pretendem acima de tudo, diversão em palco. Eles são psicadélicos, são irreverentes e chamam-se Manuel Palha, na guitarra, Domingos Coimbra, no baixo, Francisco Ferreira, nas teclas, Tomás Wallenstein, na voz e guitarra e Salvador Seabra, na bateria.
A entrada para Russian Red foi difícil. Muita gente à porta para assistir ao concerto da bela e jovem Lourdes Hérnandez que em todo o seu conjunto combinava com a sala do Ateneu Comercial, uma sala com motivos dourados e paredes cor de vinho. "Fuerteventura" foi o álbum apresentado pela cantora madrilena que disse "ontem cheguei ao Porto e quero ficar aqui para sempre", ficando cabisbaixa durante alguns segundos e recebendo muitos aplausos. É uma cantora nova, nascida em 1985, e com mais uns anos em cima (uns cigarros e whiskies) podemos quase compará-la à Chan na sua vertente indie e folk.
Descendo rua abaixo, Cass McCombs. O ambiente intimista do Teatro Sá da Bandeira acolhe o vocalista e compositor norte-americano e o resto da banda que o acompanha. Pede que se apaguem as luzes e é num cenário escuro, íntimo que se ouve "Dreams Come True Girl". A assistência que quase enche a plateia sorri à medida que os temas se vão sucedendo. Em "Angel Blood" a guitarra imiscui-se voz adentro e é a sua simbiose que torna este concerto memorável. O concerto termina absolutamente às escuras enquanto "County Line" é escutada. Será difícil esquecer.
Directamente de Estocolmo, chegam os Nikki & The Dove ao palco do Coliseu do Porto. Apesar de ainda com uma carreira ainda menos que pré-adolescente, o duo formado por Malin Dahlström e Gustaf Karlöf é já considerado como um projecto de destaque. Assinam em 2011 pela Sub Pop Records e a ascensão nos principais palcos mundiais inicia-se. Aos ouvintes portugueses trazem-nos "The Fox" e o recente single "The Drummer".
Seguem-se os King Krule e Dani Black. Os primeiros actuam na Garagem, enquanto Black no belíssimo Ateneu Comercial do Porto. Os primeiros são miúdos, ainda sem barba e trazem até ao Porto um rock-dub-jazz adolescente. Por sua vez, Black, é mais seguro, uma das novas estrelas da Música Popular Brasileira. E depois temos a Emika, mulher vistosa que dá pelo nome de Ema Jolly. É um som pesado, uma batida dura de um curioso dubstep experimental e o seu arrojo vai mais longe, entrando nos meandros do obscuro minimalismo electrónico de vanguarda.
Aquando da chegada a St. Vicent ouvimos "I think I love you, I´m fucking mad" e foi uma boa altura. Annie Clark, linda e vibrante, apresentou Strange Mercy (2011) lançado pela editora 4AD. Do álbum saíram "Surgeon", "Cruel" e "Strange Mercy" que foram exibidas através de uma postura bastante roqueira da cantora norte-americana, em conjunto com beats fortes, daqueles de arrebentar com os tímpanos. Presenciámos uma sala bem mais cheia em contraste com Niki and the Dove, o concerto prévio na sala do Coliseu do Porto.
Descendo novamente a rua rumo ao Teatro Sá da Bandeira, Manuel Cruz apresentava a sua voz inconfundível em mais um concerto estilo "sardinha em lata". Grandes ovações para o músico que nos tem vindo a acompanhar há mais de uma década com os seus diversos projectos musicais. Supernada é o nome do mais recente e Manuel Cruz despiu a t-shirt mostrando talvez que é um "supervivente" e um sobrevivente graças ao seu dom vocal que nos traz no mínimo nostalgia.
Para terminar, Portable veio ao Pitch apresentar "Find Me". Um excelente fim de noite, com música adequada a um início da manhã em frente à praia, contudo, sim, deu-nos o que precisávamos para descontrair porque no dia seguinte haveria mais.
3 de Março de 2012
Já no segundo dia, a grande afluência deu-se, tal como todos já previam, com o cada vez mais aclamado Twin Shadow. George Lewis Jr., após cinco visitas a Portugal em 2011, foi o cabeça de cartaz daquele que sem dúvida encheu a sala do Coliseu do Porto. Foi de pé que todos dançaram "Tyrant Destroyed". George Lewis Jr. sabe bem o que faz e o resultado são temas com a quantidade certa de pop, de exotismo rockeiro e afinação certa. Com uns pós do melhor dos anos 80 está o ramalhete completo e todos agradecem. "Slow" e "Castles in the Snow" são inegavelmente os momentos altos da noite.
Às 18 horas do segundo dia do Vodafone Mexefest a rua Passos Manuel mostrava-se calma e ocupada apenas por credenciais. Depois de David Pires e Diego Armés e o seu horário de concertos "matutino", era hora de tomar um café em Lacraus no Café Guarany. Findo este espectáculo o rumo seria saltar entre Elisa Rodrigues com Júlio Resende no belo café Majestic e The Underdogs na Fnac Santa Catarina. De seguida Norton, a banda natural de Castelo Branco, estaria presente no Ateneu Comercial do Porto a apresentar um dos motivos pop-indie que os trouxe à ribalta: Pump the Jam, música que percorreu as rádios portuguesas há dois anos atrás.
Passam pouco das dez da noite e são os The Dø que ocupam o Coliseu e ocupam-no muito bem. Temas deliciosos numa sucessão demasiado rápida, "Gonna Be Sick", a aclamadíssima e reconhecida "Slippery Slope", "Too Insistent", "On My Shoulders", "Aha" e, já a terminar "Dust It Off". Um dos concertos grandes do festival.
Também no segundo dia, escutou-se The Glockenwise na Garagem e Fink de novo no Ateneu. Dois projectos com dois registos musicais díspares e que trouxeram também diferentes públicos.
Subindo novamente a rua e chegando ao Cinema Passos Manuel, Dillon foi uma espectacular surpresa. Nascida no Brasil, Dominique Dillon de Byington apresentou-se como uma deusa das trevas carregada de influências de hip-hop em conjunto com beats electrónicos. Carismática e em constante interacção com o público convidou todos a cantar "Tip Tapping" e levantar para dançar - algo que a plateia fez em massa. Durante o concerto havia um suave headbanging e brilho nos olhos de quem assistia.
Hanni El Khatib tocou na Garagem Vodafone e como se esperava ofereceu-nos um rock vibrante e arrebatante. "Come Alive" caiu que nem ginja. Se este puro rock&roll fosse mais disseminado na Palestina, Portugal teria muitos "primos" de Hanni El Khatib a espalhar esta energia contaminante. Se fizessem com guitarras o que fazem com bombas na faixa de Gaza seriamos todos mais felizes não? "Loved One", "You Rascal You" e "Dead Wrong" foram os temas exemplares do álbum Will the Guns Come Out (2011). Hanni (Honey?) come back.
Nos Maus Hábitos a festa fez-se com o DJ Set dos Foals enquanto o Pitch era ocupado por Freshkitos, Makam (em registo live, bem mais interessante), Rui Trintaeum, Tiger & Woods (também live), Nuno Forte e os aclamados Beatbombers.
Termina assim a primeira edição do Vodafone Mexefest na cidade do Porto, com muita animação e dando vida à baixa da cidade.
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quarta-feira, 26 junho 2013