Reportagem Vodafone Mexefest 2013
Francisco Silva
DIA 1 - 29 de Novembro
Novo ano, nova edição do Vodafone Mexefest. Já começa a ser habitual. Nesta terceira edição, temos um cartaz mais variado, com artistas não tão conhecidos por parte de público, mas que ainda assim pretendia conquistar e surpreender.
Desde Alex D’Alva Teixeira no Palácio da Independência (uma das novidades) até JUBA no Cinema S. Jorge, optamos por visitar a mui nobre sala da Sociedade de Geografia de Lisboa para ouvir Haruko, pseudónimo da cantora alemã Susanne Stanglow.
Com uma fragilidade abismal, entra de forma tímida em palco. O público, que infelizmente era pouco, não soube como reagir e coube então a Haruko quebrar o gelo. A sua música é, evidentemente, triste, mas como afirmou a própria, às vezes é preciso fazer-se música triste mas ficar feliz. Com Feathers & Drifwood, o mais recente trabalho na base do alinhamento, a voz doce de Haruko remete-nos para o universo de Scout Niblett e Cat Power, onde palavras simples nos enviam para o buraco negro da melancolia. Ganhou pela simplicidade, pela modéstia e pela simpatia, tudo o que se poderia querer logo no arranque do festival.
Antes de nos dirigirmos ao Cinema São Jorge para o concerto da Márcia, reparámos que, pelo menos numa primeira impressão, existia menos gente a povoar a Avenida da Liberdade. Mas não foi por isso que a música deixou de mexer na cidade. E nem o chocolate quente faltou.
Já dentro do Cinema São Jorge, uma sala praticamente cheia esperava ansiosamente pelo início do concerto de Márcia, que este ano lançara o seu novo álbum de estúdio, o belíssimo Casulo. Apoiando-se na melancolia, coesão e beleza das suas canções, a cantora e sua banda mostraram uma sensibilidade muito etérea, conseguindo embalar o público ora num registo mais rock – sim, ouvimos umas grandes malhas -, ora noutro mais acústico.
O concerto teve início com “Cabra Cega”, do seu primeiro disco Dá e, apesar de curto, a subtileza ficou bem patente em temas como “Delicado” ou “Deixa-me Ir”.
No entanto, foram mesmo os duetos com os seus convidados especiais Samuel Úria e António Zambujo que recolheram mais aplausos dos presentes. Se com Úria vimos uma dança desenfreada em “Menina” e um engano por parte do próprio em “Eu Seguro”, com Zambujo escutámos a apetecível “Vem” e, logo depois, “A Pele Que Há Em Mim”, com Zambujo a fazer de JP Simões.
Terminava com “Decanto” um concerto recheado de charme e com uma plateia entusiasmada.
Bastou uma canção para catapultar Sequin para as rádios. “Beijing” é uma canção pop a que ninguém consegue ficar indiferente e a isso junta-se a simpatia de Ana Miró, a mentora do projecto, para ter um resultado extremamente satisfatório e apetecível de acompanhar. Infelizmente o Cabaret Maxime não fez parte das salas disponíveis, mas não faz mal, porque Sequin conseguiu encher o Delta Q Avenida sem qualquer problema. Com um álbum a ser feito, Ana Miró deu aos presentes um cheiro do que está para vir. “Origami Boy” ou “Flamingo” já são algumas das canções deste primeiro trabalho. No entanto, para além dos problemas técnicos, houve ainda tempo para se prestar homenagem a Olivia Newton-John com uma fabulosa versão de “Physical”, com direito a dança. Conseguir transformar um concerto numa reunião entre amigos não é fácil, mas Sequin fá-lo e fá-lo bem.
Seguiam-se as Savages e, para já, podemos dizer que foi um dos concertos do festival. São realmente selvagens estas londrinas – pode parecer demasiado fácil a palavra, mas adequa-se perfeitamente.
Compostas por Jehnny Beth na voz, Gemma Thompson na guitarra, Ayse Hassan no baixo e Fay Milton na bateria, as Savages vieram até ao Vodafone Mexefest apresentar o seu álbum de estreia, Silence Yourself, que muito burburinho tem causado.
Apesar de não se terem mostrado tão furiosas quanto no Optimus Primavera Sound, as Savages não deixaram o crédito por mãos alheias e meteram um Coliseu já muito bem composto a fervilhar. Insistentemente comparadas a uns Joy Division – algo que detestam – as Savages apresentam um revivalismo pós-punk negro, mas sexy ao mesmo tempo.
A conduzir as hostes está a vocalista do grupo, que nos apresenta a sua figura muito andrógena. Com o seu aspecto frágil, esta francesa até nos faz lembrar uma adolescente muito tímida, mas é ao microfone que constatamos de que fibra é feita.
Temas como “City's Full”, “No Face”, a explosiva “She Will” ou “Hit Me” mostraram a raiva, a atitude e a identidade própria destas quarto mulheres vestidas de preto. A voz poderosa, feroz e marcante de Beth enchia todo o coliseu e o instrumentalismo das suas companheiras contaminava agressivamente os ouvidos de todos os presentes que não arredavam pé.
O culminar do concerto deu-se com “Don’t Let The Fuckers Get You Down”, último tema do alinhamento. De novo em palcos nacionais, as Savages mostraram que não são apenas mais uma sombra dos Joy Division e bastará um segundo álbum para dissipar todas as dúvidas que ainda possam existir.
Seguiam-se os Wavves, que subiram ao palco imediatamente ao fim de Savages na porta ao lado. Nathan Williams revela sempre uma satisfação por voltar a Lisboa. Desta vez, prontamente admitiu que é de descendência portuguesa e aproveitou também para divulgar a recente colaboração com o artista português Rudolfo (que ilustrou Negative Dad, uma banda desenhada escrita recentemente por Williams).
Segue-se um concerto com temas maioritariamente dos últimos dois discos, assim como faixas de EPs. "Idiot", "Super Soaker","King of the Beach", "Friends Were Gone", "Hippies is Punks", "Afraid of Heights", "Demon to Lean On".
Muito caos , saltos, empurrões, crowdsurf e invasões de palco era o cenário previsto, que rapidamente transformou o Ateneu numa batalha campal.
Se com o concerto de Márcia o Cinema São Jorge estava praticamente cheio, com o americano John Grant a sala estava a transbordar, ficando totalmente esgotada. Depois de ter desiludido numa anterior edição do Misty Fest, Grant redimiu-se e deu um espectáculo para mais tarde recordar.
Aqui, em topo de forma, e a apresentar o seu segundo álbum Pale Green Ghosts, Grant foi desfilando, entre batidas graves e baladas ao piano, temas como “You Don’t Have To” – música com a qual iniciou o concerto – “Where Dreams Go to Die”, “Doesn’t Matter to Him”, o emotivo “Marz”, o ritmado “Pale Green Ghosts” ou o efusivamente celebrado “Black Belt” – com direito a uma ovação de pé.
Os tons dramáticos e o psicadelismo sombrio com que Grant brindou o público fez com que conseguisse agarrar a plateia do início ao fim do concerto.
Homossexual assumido, um bastante falador Grant prometeu um regresso em breve, já que Lisboa tem, na sua opinião, “homens muito bonitos”.
Pedindo desculpa por não falar a nossa língua – “perdoem-me, a vossa língua é muito difícil”, o americano e a sua competentíssima banda ainda nos mostraram Glacier e a faixa favorita de muito do público presente, “GMF”.
Fechava-se a contenda com “Queen of Denmark” e Grant voltou novamente a desculpar-se, desta vez com a duração do concerto. Ainda assim, um dos grandes vencedores da noite não deve demorar a voltar ao nosso país.
Chegávamos finalmente ao concerto mais esperado da noite. E, se no início nos parecia haver menos gente nas ruas, rapidamente mudámos de opinião ao ver um coliseu praticamente cheio para receber o francês Woodkid.
A haver alguém a ser corado rei da noite, esse título iria definitivamente para Yoann Lemoine – verdadeiro nome de Woodkid. O músico – que iniciou a sua carreira como produtor e realizador de vídeos – quis mostrar que também sabe fazer música, trazendo todo o seu imponente repertório à mítica sala lisboeta.
Dividindo-se entre os temas do EP Iron, de 2011, e The Golden Age, álbum de estreia, Woodkid soube montar com pompa e circunstância um forte espectáculo apoiado num belo jogo de luzes. Embora não parecendo – veste-se como um rapper -, o francês actua como mestre da sua orquestra moderna - composta por três percussionistas e uma secção de sopros -, e puxa diversas vezes pelo povo, que se revelou um profundo conhecedor do seu trabalho.
Destacamos temas como “Boat Song”, “The Golden Age”, um “I Love You” cantado em uníssono ou um acrisolado “Conquest of Spaces”, que permitiram demonstrar todo o dramatismo e teatralidade da música de Woodkid.
Ainda assim, aquele que é para muitos considerado um dos melhores discos de 2013, revela-se algo repetente ao vivo: as canções começam calmas e, depois, vão para uma alta escalada sonora onde tudo se torna épico, grandioso e majestoso. Contudo, musicalmente acaba por se tornar repetitivo, tornando a fórmula algo gasta e sem grandes improvisos.
Ainda assim, é de realçar a voz poderosa e concentrada de Woodkid, que entreteve o público com uma actuação de encher o ouvido.
Antes do encore ouvimos ainda “Go”, um tema mediano, e o efusivo “Volcano”, provando que afinal há espaço para surpreender.
Depois da falsa despedida, Woodkid e companheiros regressaram para mais dois temas: “Run Boy Run”, cantado a plenos pulmões por todos os presentes e que até se prolongou, deixando os músicos surpreendidos, e “Other Side”, faixa que encerra The Golden Age. “Vocês são loucos” - várias foram as vezes em que ouvimos estas palavras saírem da boca de Yoann Lemoine. E, se o músico francês conseguiu deixar o Coliseu rendido a seus pés, não nos admiramos se um regresso a Portugal estiver para muito breve, como o próprio disse – “See you next year”.
DIA 2 - 30 de Novembro
Se já com o lançamento de If You Leave, o álbum de estreia dos Daughter, tínhamos a impressão que eram potenciais candidatos ao estrelato, a experiência ao vivo é algo inexplicável e não deixam margem para dúvida. Conseguiram, e muito bem, estrear-se em Portugal, ainda para mais numa das mais míticas salas do país. Algo surpreendente foi quando se depararam com a legião de pessoas que não tiveram problemas em acompanhar a encantadora Elena Tonrer ao longo de “Youth”, a canção recebida com mais carinho. Apesar da sonoridade se assemelhar aos The XX, conseguem deixar a sua marca, num som simples e fiel a si próprio.
Depois fomos até à estação Vodafone FM, onde o brasileiro SILVA tentava encantar os presentes. Logo à partida, ainda não conseguimos perceber o porquê de a organização colocar a estação como um palco para o festival. Depois, e talvez por isso mesmo, o concerto – com 15 minutos de atraso - não correu de feição a Silva, amaldiçoado por vários problemas técnicos que fizeram com que a sua voz fosse engolida por diversas vezes.
Ainda assim, e tentando acabar com o (irritante) burburinho que se ia ouvindo na estação, o simpático brasileiro fez desfilar a sua pop alegre e luminosa do seu disco de estreia Claridão. Em digressão pelo nosso país, Silva tem vindo a apresentar temas como “2012” – com o qual abriu o concerto -, “Falando Sério”, "Imergir" ou até uma fenomenal versão de “Taí”, de Carmen Miranda. Não muito falador, Silva lá esboçava um sorriso ao final de cada tema. Algo tímido, mas verdadeiramente genuíno.
Ainda conseguimos ouvir “Cansei” e “Posso”, e ficámos uns minutos em silêncio por, lá está, problemas técnicos. “Não nos querem deixar tocar”, desabafava o azarado brasileiro.
Todavia, o melhor estaria guardado para o fim: “A Visita”, tema folk que foi muito celebrado, e “12 maio” fechava um concerto que pedia melhores condições. A culpa não foi de Silva, longe disso, que de tudo fez para entreter da melhor forma o seu público. Pouca sorte desta vez, mas nada que um próximo concerto não possa resolver.
A Casa do Alentejo acaba sempre por passar despercebida mas desta vez recebeu uma banda de peso. Apesar de virem substituir Autre Ne Veut, que teve que cancelar a tour europeia, a confirmação de Braids foi mais que bem que recebida, e, diga-se, bem mais interessante.
Oriundos de Calgary mas a viver em Montreal, os Braids, apesar de terem uma carreira curta já têm algum peso no campo das electrónicas etéreas, tendo lançado as fórmulas a projectos como Purity Ring ou Blue Hawaii. Raphaelle Standell-Preston entrou de forma discreta. Apesar de serem a banda “substituta”, não se sentiram de todo incomodados com a sua tarefa. Com um jogo de luz bem articulado com o magnífico candeeiro de lustre da sala dos espelhos, aliado ao minimalismo característico de todo o seu trabalho, e ainda a subtil voz desvasnescente de Standel-Preston, os Braids são uma projecto coeso, um pouco desvalorizado quando só merece elogios e projecção na Indústria. Flourish // Perish, editado ainda este ano, é algo especial e foi o dominador do alinhamento, num concerto que teve as medidas certas, o local certo, as pessoas certas e aconteceu na altura certa.
O concerto de Erlend Øye era um dos mais esperados do festival e, por isso mesmo, à porta vimos colocarem uma folha com a qual ninguém queria deparar-se: “Lotação esgotada”.
Lá dentro, a esgotadíssima sala rendeu-se do primeiro ao último minuto ao humor e descontração do gigante norueguês.
Muitos sabem que o músico perfaz uma das metades dos Kings of Convenience, poucos deverão conhecer a sua outra banda, The Whitest Boy Alive, e ainda menos saberão que este falso “nerd” tem também uma carreira a solo. Contudo, não só veio apresentar temas do seu novo álbum a solo, La Prima Estate, como tocou com facilidade nos corações dos “mexefestianos”.
Ao entrar em palco, Erlend segurava apenas a sua guitarra, tendo mais tarde sido apoiado por um instrumentista de sopro e um guitarrista. Extremamente simpático e falador, Erlend – que nos faz lembrar um eterno adolescente - lá foi desfilando a serenidade e doçura das suas canções. Estamos no Outono, mas cheirou-nos a Primavera.
Começando com uma versão de “Thirteen”, dos Big Star, passando pela alegríssima “Grande Grande Grande”, por alguns inéditos ou pela já muito conhecida “La Prima Estate”, o adelgaçado Erlend Oye mostrou que a solo também dá cartas e que a beleza e simplicidade da sua pop fica bem em qualquer altura. Um dos pontos altos da noite.
Voltámos à malfadada Estação Vodafone FM para, desta vez, assistirmos a actuação muito enérgica (e também esgotada) por parte de Oh Land. A dinamarquesa, que teve melhor sorte que Silva, já tinha surpreendido numa anterior edição do Super Bock Super Rock, e voltou a fazê-lo.
Gírissima, Oh Land conseguiu que o espaço enchesse com facilidade. Sabe cativar, sabe como se há-de mexer e parece-nos um doce de pessoa.
Soube pronunciar com (alguma) facilidade palavras em português, como “pastel de nata” ou “amo-te”, e soube afirmar-se inicialmente com “Cherry on Top” e, depois, em canções como a perfeita “Perfection”, “My Boxer” ou “Rainbow”.
Além de ter sido mimada pelo público, Nanna Fabricius, viu o seu público delirar com a muito aguardada “Wolf and I” e claro, a muito celebrada “Sun Of A Gun”.
Coisa rara em festival, mas dada a força da actuação, Oh Land regressou para um encore com mais dois temas: “Love you Better” e “White Lies”, que encerrava da melhor forma um dos melhores concertos do festival.
A pop nórdica de Oh Land dá prazer e puxa à festa. Até porque, no final, é tudo isso que queremos.
Lá para os lados do Cinema S. Jorge, The Legendary Tigerman preparava-se para subir ao palco para dar início ao fim de mais uma edição do Vodafone Mexefest. Nada de novo se tem a dizer do senhor Paulo Furtado, à excepção de Paulo Segadães (ex-Vicious Five, Men Eater) sentado à bateria. Com um álbum na manga e ainda no luto pelo final da fase Femina, ainda houve tempo para convidar o público para se aproximar do palco, mas a decisão não foi muito bem recebida pela organização do Cinema S. Jorge, imediatamente colocando os presentes nos seus lugares. Com imprevistos ou não, o concerto prosseguiu, onde se ouviu um pouco de tudo e lá se levantou um pouco o véu a True, o novo longa-duração do homem-tigre.
A festa continuava no Coliseu com a D.IS.C.O.Texas e o Picnic Live, que contou com as performances de Mr. Mitsuhirato, Mirror People, Da Chick, Moullinex e Xinobi, numa festa que transformou o Coliseu numa gigantesca pista de dança e que só acabou após as 4h00.
Quanto a um rescaldo, pontos positivos: a diversidade do cartaz, fazendo com que muitas salas enchessem mesmo com artistas menos conhecidos, e o upgrade para o Coliseu dos Recreios, algo que já antes teria feito todo o sentido.
Pela negativa, destacamos o horário, sendo muito complicado de gerir, e a (incompreensível) presença da Estação Vodafone FM como palco para actuações. É de muito mau gosto os artistas serem afectados pelas más condições do espaço. Ninguém ganha neste duelo: nem organização, nem artistas, nem público.
No próximo ano regressaremos ao Vodafone Mexefest. E esperamos boas surpresas.
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Organização:Música no Coração
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terça-feira, 03 dezembro 2013