Reportagem Vodafone Mexefest 2015
Alexandre Lopes
O Festivais de Verão (FDV) esteve presente na 5ª edição do Festival Vodafone Mexefest que, como habitualmente, decorreu no último fim-de-semana de novembro.
Percorremos vezes sem conta a Avenida da Liberdade e as Portas de Santo Antão, desafiamos o frio com meia dúzia de castanhas, apanhamos o shuttle, descobrimos novas bandas e novos locais, dançamos no teatro e no tanque, ouvimos música na igreja e no cinema, despertamos os sentidos no escuro de uma sala. Mais ainda: lamentámos o cancelamento de Roots Manuva mas consagramos Benjamin Clementine, bebemos champagne com Peaches e voltamo-nos a emocionar com Patrick Watson.
Num festival urbano com um cartaz tão diversificado – mais de 50 bandas e de uma dezena de palcos - implicou necessariamente fazer escolhas, por vezes dolorosas. A equipa do FDV deu corda aos sapatos e cobriu cerca de 20 concertos. Segue agora o nosso roteiro cronológico e lê a reportagem que preparamos sobre cada um dos espetáculos a que assistimos!
Clica na reportagem que te interessar:
AKUA NARU | EL SALVADOR | ANNA B. SAVAGE | TÓ TRIPS | LA PRIEST | CHAIRLIFT | DUCKTAILS | MÁRCIA | BENJAMIN CLEMENTINE | JENNY HVAL | FLAMINGOS | CASTELLO BRANCO | GEORGIA | ARIEL PINK | BOMBINO | NICOLAS GODIN | PEACHES | PATRICK WATSON
DIA 1 – 27 de NOVEMBRO
AKUA NARU – Cinema São Jorge (19:40) e Estação Vodafone.FM (21:00)
Para nós, o Mexefest começou literalmente às escuras. Aqueles que conseguiram entrar no pequeno Blackout Room viveram uma experiência verdadeiramente sensorial: assistir a um unplugged de quinze minutos na mais completa escuridão. “Are you scared?”, perguntou Akua Naru enquanto as luzes ainda estavam ligadas, ela própria confessando que nunca tinha atuado naquele formato. Acompanhada pela sua banda (dois elementos na guitarra acústica, um na percussão e um coro de três vozes), a norte-americana despertou-nos os sentidos com três canções do seu novo álbum, lançado no início do ano.
Abriu com Seraphim, ao estilo de uma hip-pop soul jam session, e prosseguiu com Mr. Brownskin, durante a qual o público fez prova de vida, acompanhando com palmas. Com Sugar (HoneyIceTea) fechou uma atuação curta mas açucarada em que ficou patente o poder das palavras, usadas como metáforas sobre a raça, que nos abriram o apetite para o seu concerto em formato normal, uma hora mais tarde.
Na Estação Vodafone.FM, acompanhada por uma banda e coro irrepreensíveis, Akua Naru (comparada a nomes como Lauryn Hill e Erikah Badu), apresentou-se cheia de energia com muito para dar e distribuir. Ali mistura-se o hip-hop e o jazz, adicionando funk, soul e o uso e abuso da palavra. Estavam reunidos os ingredientes necessários para um concerto brutal.
Tudo começou com um arranque instrumental de saxofone, com todos os elementos da banda em palco, à exceção de Akua Naru. Depois apareceu, e, com a ajuda da sua banda estrondosa, revelou-se uma excelente intérprete capaz de mobilizar massas ao defender a igualdade e a justiça e a dar boas graças pela vida e pela existência do amor. O público participava, falava pelos cotovelos, mas estava atento. Pena foi terem tocado naquele espaço, onde a acústica era fraca. Não obstante, foi um dos grandes concertos do festival.
EL SALVADOR – Cinema São Jorge (20:00)
Na sala ao lado já tocava El Salvador. Neste novo projeto, o baterista dos Capitão Fausto e dos Modernos troca a bateria pela voz e guitarra. Em formato de quarteto, apresentou o seu primeiro EP, lançado em agosto passado, e pôs toda a gente a dançar ao som do seu garage punk, a partir de letras hilariantes e descontraídas sobre a vida na estrada. Visivelmente bem disposto, Salvador Seabra até se meteu com quem estava na mesa de som: um tal de Tomás Wallenstein...
ANNA B. SAVAGE – Igreja de S. Luís dos Franceses (20:30)
Corremos céleres na direção da Igreja de S. Luís dos Franceses, que foi demasiado pequena para tamanha mole de crentes e curiosos que estavam ali para ver e ouvir Anna B Savage. Na escadaria muitos ainda foram tentando espreitar o sermão da britânica, enquanto outros nem isso conseguiram. No topo da igreja, a inscrição “Pray for Paris” elevou o nosso pensamento para os tristes acontecimentos vividos há apenas duas semanas.
Sozinha no altar, a inglesa não precisou mais do que a sua voz, uma guitarra elétrica e um amplificador para nos proporcionar uma experiencia tão intensa quanto espiritual. A sua voz profunda e confessional faz lembrar Antony Hegarty, embora a música de Anna reflita uma emoção que é mais crua e de uma urgência terrivelmente dolorosa. Tudo nela é minimalista: sem qualquer interação com o público, desfilou os temas do seu único EP (intitulado “EP” e cujos nomes são I, II, III e IV) e duas novas canções integradas em Live at Café Oto, álbum ao vivo que editou este mês.
As suas canções não são alegres e muitas vezes a calmaria desaba em explosão, com a intensidade duma PJ Harvey. As letras são honestas e vulneráveis: “Jesus I’m too insecure for this, for him to undress me and take the piss”, confessou quando tocou o tema de abertura do seu EP. Quinze minutos antes da hora prevista para o fim da missa, pousou abruptamente a guitarra e saiu apressada. Um mistério para desvendar em futuras epístolas…
TÓ TRIPS – Sociedade Geográfica de Lisboa (20:30)
Uma das metades dos Dead Combo apresentou-se neste primeiro dia do festival com um concerto na Sociedade Geográfica de Lisboa para apresentar o seu disco a solo Guitarra Makaka – Danças A Um Deus Desconhecido, que desde logo registou imenso público no bonito espaço.
Acompanhado por João Doc (baterista dos Wraygunn) na bateria, as melodias debitadas pelas guitarras de Tó Trips variam entre África e Portugal, apresentando-se quentes e cheias de ritmo. Há quem diga que é banal e que esta aventura de Tó, como o próprio se apresentou ao público, não apresenta nada de novo. Nós gostámos. Foi um bom início de noite.
LA PRIEST – Teatro Tivoli (21:15)
O palco do Teatro Tivoli abriu em grande estilo com o novo projeto de Sam Eastgate. Na verdade, já passaram oito anos desde que o antigo vocalista dos Late of the Pier se autoproclamou como LA Priest (LA pronuncia-se “laah”) mas foi preciso esperar por 2015 para que o seu álbum de estreia (Inji) visse finalmente a luz do dia, após várias falsas partidas. Perante uma sala muito bem composta, o artista inglês apresentou-se sozinho em palco, trajado com roupa larga que mais parecia um pijama de ceda branco.
Estrategicamente colocado no centro do palco, andou maioritariamente de volta dos sintetizadores e do seu microfone mas, demonstrando que aquilo não era um DJ set, usou também a sua guitarra, dançou e até chegou a descer até à plateia para pedir que algumas pessoas do público emprestassem as suas vozes, que gravou e reproduziu num loop ritmado. Pelo meio, muita comunicação e boa disposição por parte de LA Priest, que confessou estar habituado a tocar a horas mais tardias para pessoas consideravelmente mais “tocadas”.
A plateia transformou-se em pista de dança, uma vez que muitos levantaram-se das cadeiras para balançar ao som funky de temas contagiantes como Lady’s in Trouble with the Law, Party Zute/Learning to Love, Night Train e Oino (pronuncia-se “Oh-I-know”), este ultimo com uma sonoridade que nos remete para os territórios eletrónicos dos Blood Orange e com um falsetto roubado a Prince. Uma bela surpresa, sem sombra de dúvida.
CHAIRLIFT – Coliseu dos Recreios (22:00)
Chairlift no Vodafone Mexefest? Certamente que muitos ficaram encantados com a notícia, tal é a comparação com bandas como MGMT e Vampire Weekend. Porém, o que se viu no Coliseu foi uma total desilusão. Basicamente, o que salva estes Chairlift é a voz da vocalista Caroline Polachek - figura levíssima e capaz de dar grande espetáculo - e os sintetizadores. Só que nem isso se ouvia. Aliás, não se percebia bem o que saia das colunas. Não havia batida, não havia ritmo. O público não compreendia mas a banda agradecia.
Não é que a música seja má mas a própria banda fez tremendamente mal ao optar por tocar os temas do mais recente disco Moth, com data de lançamento prevista para janeiro. Portanto, ao invés de tocarem hits conhecidos, optam por apresentar temas de um disco que ainda não saiu?! Não faz sentido.
A coisa só animou nos três últimos temas mas a prestação já estava manchada. Certamente que muitos acabaram por adormecer ou abandonar o espaço. No nosso caso, sentados no balcão do Coliseu, nem agora acreditamos como fomos capazes de assistir à totalidade da prestação. Grande desilusão.
DUCKTAILS – Teatro Tivoli (23:00)
A expetativa era grande e traduziu-se em casa cheia para ver Ducktails, o projeto de Matt Mondanile. O guitarrista dos Real Estate aproveitou para apresentar o seu quinto álbum, St. Catherine, editado no verão passado. A receita continua a ter como ingrediente principal uma delicada dream pop servida em camadas lentas e suaves, com uma boa dose de melancolia. Mas desta feita Mondanile apresenta uma veia de escritor: no novo trabalho sobressai uma maior foco na composição das letras que deixa para trás a anterior fase eminentemente instrumental da banda norte-americana.
Como habitualmente, Matt Mondanile desdobrou-se entre o microfone, a guitarra e os teclados, enquanto a interação com os espetadores ficou sobretudo a cargo do baixista Josh da Costa. Sob um bonito jogo de luzes, o público sentado foi sendo embalado ao som de canções como Headbanging in the Mirror e Under Cover.
Foi um bom concerto? Foi. Foi espetacular? Nem por isso. Talvez os Ducktails não sejam uma banda de festival. Deram um concerto para gente sentada que foi demasiado hipnótico e ao qual faltou qualquer coisa que aumentasse a rotação e espevitasse a atenção daqueles que não eram propriamente fãs. E foi assim que um concerto que a certa altura teve poucas cadeiras vazias (e que os levou a dizer que se tratou do maior espetáculo da sua Tour) acabou com um cenário bastante despido…
MÁRCIA – Cinema São Jorge (23:10)
No São Jorge, a portuguesa Márcia apresentou os temas do mais recente disco Quarto Crescente, um dos melhores álbuns nacionais deste ano. Acompanhada por uma banda com cinco músicos, Márcia mostrou estar cada vez mais madura e segura, deliciando o público a cada faixa apresentada. Apesar de muitas vezes escrever sobre coisas tristes, canta sempre de sorriso na cara, seduzindo os presentes com a sua simpatia.
Contou com a ajuda de Samuel Úria no tema Menina, demonstrando a cumplicidade que os une, e pediu ajuda a alguém do público para cantar a Pele que Há em Mim, cantado a meias com JP Simões, que não esteve presente. Ninguém respondeu ao desafio e a nossa Márcia lá prosseguiu, a solo, somente com a guitarra em palco. Volvida a banda, continuaram com Insatisfação.
Outros temas também se destacaram, como Decanto ou Mal Menor, demonstrando que a outrora pequena Márcia (chegou a cantar no metro em outra edição no festival) já se começa a tornar gigante, pedindo um espaço cada vez maior para tocar as suas belíssimas canções.
BENJAMIN CLEMENTINE – Coliseu dos Recreios (00:20)
Depois da meia-noite todos os caminhos foram dar ao Coliseu. Benjamin Clementine já não é um tesouro bem escondido. No verão passado estreou-se em Portugal com um concerto muito elogiado no âmbito do festival Super Bock Super Rock (SBSR). E como se o facto de, volvidos poucos meses, ter regressado como cabeça de cartaz não fosse já por si um chamariz suficiente, beneficiou ainda da feliz coincidência de este ter ocorrido na semana seguinte ao Mercury Prize atribuído ao seu primeiro e único álbum At Least For Now, lançado no início deste ano e no qual se cruzam o soul e a pop.
Prestes a completar 27 anos, o músico “vagabundo” que foi descoberto no metro de Paris não parece inebriado pelo sucesso. Entrou sozinho em palco e sentou-se descalço ao piano para abrir com Gone e Cornerstone e mostrou-se genuinamente surpreendido com a forma apoteótica como foi recebido por um Coliseu a rebentar pelas costuras.
Logo à terceira música, chegaria um dos momentos da noite: Condolonces arrebatou corações e ganhou músculo com a ajuda de um baterista, seu único acompanhante ao longo do espetáculo. Ao contrário do concerto no SBSR sob a elegante pala do Pavilhão de Portugal, desta feita Benjamin não trouxe banda (na altura foi acompanhado no violoncelo, nas teclas e no baixo). No entanto, favorecido pela intimidade de um concerto de sala, acabou por ter uma atuação ainda mais perfeita, enchendo a sala com a sua voz carismática e com magia na ponta dos seus dedos.
O público esteve à altura: guardando silêncio nos devidos momentos, oferecendo palmas a compasso quando a ocasião o justificou (Nemesis e Adios), batendo os pés quando quis transmitir vibração e repetindo juras de amor. Benjamin levantou-se e curvou-se em agradecimento, elogiou a beleza do Coliseu e chegou a improvisar um “Lisbon, Lisbon, Lisbon is calling you” em pleno refrão da faixa London. Já na reta final, ofereceu um encore que começou com um solo de bateria e acabou, sem razões de queixa, com I Won’t Complain, deixando para trás cem minutos bem preenchidos por cerca de uma dezena de canções.
Há vozes que são maiores que os corpos que ocupam, tão perfeitas que nem sequer se explicam. A primeira noite do Mexefest não podia ter acabado de maneira melhor.
DIA 2 – 28 de NOVEMBRO
JENNY HVAL – Cinema São Jorge (20:00)
Foram muitos os que não conseguiram entrar na pequena Sala Montepio do São Jorge para ver a art pop de Jenny Hvan. A norueguesa que chegou a descrever-se como fantasma de Lana Del Rey encerrou a sua digressão no Mexefest com uma performance íntima e provocante, baseada sobretudo no seu álbum mais recente: o intrigante e estranhamente sedutor Apocalipse, girl, lançado em junho passado.
Apresentando-se de peruca e de fato de treino preto, começou por avisar: “I feel very casual today”. A sua música experimental suscitou espanto e estranheza nos presentes, com frequente recurso à spoken word e a uma parafernália eletrónica de botões manipulados por um músico que a acompanhou em palco.
Temas como Kingsize ou Take Care of Yourself apelam à autoconsciência e versam sobre a temática da identidade do género, com abundantes referências ao corpo humano e à perceção sobre os papéis sexuais. Torna-se notório que Jenny quer chocar e perceber a nossa reação ao absurdo. Nós é que já não temos a certeza se estamos a assistir a um concerto musical ou a uma peça de teatro.
Ao longo de uma atuação entre o espiritual e o demoníaco, vimo-la sussurrar, gritar, chorar, sentar-se sobre uma bola de ioga e ligar o seu iPhone… E a despedida ao som de The Battle is Over foi outro estranho episódio: após ter-se libertado da peruca e do fato de treino (ficando apenas com a roupa de licra que trazia por baixo) deitou-se no chão em conchinha. E assim, num estado de sono profundo, desceu o pano...
FLAMINGOS – Garagem EPAL (21:00)
Apesar do cheiro nauseabundo que se fazia sentir, a pequena Garagem da EPAL pareceu-nos um cenário apropriado para ver a banda de Luís Gravito (o ex-Cão da Morte que agora assina como Luís Severo) e João Sarnadas (Coelho Radioativo). Perante uma plateia bem composta, a dupla lusa (Gravito na voz e Sarnadas na guitarra), fez-se acompanhar do convidado Rafael Silver (baixista The Lazy Faithful).
Da sua pop suave e melancólica, que nos remete para amores de praia, destacaram-se sobretudo os temas Souvenir e Dias de Calor. Mas os Flamingos debateram-se desde cedo com vários problemas técnicos que prejudicaram a sua atuação, obrigando mesmo a encurtar o concerto. Foi pena…
CASTELLO BRANCO – Sociedade de Geografia de Lisboa (21:00)
À semelhança do dia anterior, fomos até à bonita sala Sociedade de Geografia de Lisboa para assistir durante alguns minutos à atuação do brasileiro Castello Branco, que apresentava o seu álbum Serviço, lançado em 2013. A sala foi-se compondo mas ao mesmo tempo o ambiente permanecia intimista. Não era a primeira vez que tocava em terras lusas (e vai dar concertos por cá em Dezembro, em Vila Real e Porto) e, por isso, o entrosamento entre público e o artista brasileiro vai sendo cada vez mais evidente.
Acompanhado somente por um guitarrista, o público respeitou o artista, mantendo-se em silêncio sempre que necessário. Humilde quanto basta, o brasileiro provou ter também bastante piada sempre que abria a boca, algo que fez rir os presentes durante um bom serão.
GEORGIA – Teatro Tivoli (21:45)
A britânica Georgia tem apenas 21 anos mas foi seguramente uma das revelações do Mexefest. Vestida com um camuflado, esteve quase sempre aos comandos da sua bateria, colocada mesmo em frente do palco, e apresentou os temas do seu homónimo álbum de estreia, editado em agosto passado. No álbum a artista encarrega-se da maior parte dos instrumentos mas ao vivo esteve acompanhada por Hinako Omori nos sintetizadores.
À boleia de uma sonoridade electro-pop que combina grime e post-punk, conquistou o público lisboeta com uma entrega total na bateria e com a sua voz destemida. De tal forma que a grande maioria abandonou cedo o conforto das cadeiras e entregou-se à dança. Visivelmente emocionada, soltou um “Oh my God, this is amazing!” próprio de quem não esperava que temas como Tell Me About It, Nothing Solutions, Heart Wrecking Animals fossem recebidos de forma tão calorosa. As letras são pessoais e versam sobre os desgostos, sobretudo após o divórcio dos pais (o seu pai é Neil Barnes, dos Leftfield). Os decibéis estiveram sempre no máximo e as rotações apenas acalmaram para You, a faixa que encerra o seu novo álbum. Os ventos parecem correr de feição para esta britânica que recentemente abriu concertos dos Hot Chip e dos Palma Violets.
ARIEL PINK – Coliseu dos Recreios (22:00)
Não sabemos muito bem o que dizer do concerto de Ariel Pink. Foi uma atuação muito estranha, não fosse ele um estranho e bizarro ser. A verdade é que o Coliseu provou ser uma sala demasiado grande para um dos nomes grandes do cartaz. É que, aos poucos e poucos, o público foi abandonando a sala. Porquê? Os presentes não conseguiram compreender este estranho mundo de Ariel Pink.
Um pouco à semelhança do concerto dos Chairlift no primeiro dia, também a atuação do artista deixou a desejar, muitas vezes pela voz do próprio ser impercetível. E se a voz não se percebe, do que serve assistir a um concerto nestas condições? O concerto de Pink vai dos 8 aos 80, passando pelo pop e synth-pop até guitarras arranhadas e berros estridentes. É de uma extravagância tal que muitos não conseguem encaixar o conceito das canções saídas do mais recente pom, por exemplo.
Ainda assim, apesar de muito confuso e aborrecido para muitos, houve quem aguentasse grande parte do concerto para ouvir temas como Picture me Gone ou Put You’re Number in My Phone. Cativante para uns, sem fulgor para outros, e o som pouco claro também não terá ajudado. Pode gozar com tudo e com todos, pode não encaixar-se na sociedade, mas ficou provado que a própria sociedade não se encaixa nos terrenos experimentais e melódicos do músico. Fica para a próxima.
BOMBINO – Estação Vodafone.FM (23:10)
Delírio total! O tuareg Bombino, perante uma sala esgotada, pôs todos a dançar com os seus incríveis solos de guitarra, muitos deles de total improviso. O músico, que já atuou por diversas vezes em Portugal, não sabe falar português, mas nem disso precisa para começar uma grande festança.
Acompanhado por um segundo guitarrista, um baixista e um baterista, percebe-se que há aqui muito groove no dedilhar da guitarra. O som pode parecer repetitivo, mas esta mistura de rock psicadélico com melodias tuaregues leva a que este tenha sido um dos melhores concertos da noite. Os instrumentais são longos, mas ninguém leva a mal. Bombino é para curtir, é para a festa e, afinal de contas, é mesmo para isso que serve um festival como o Vodafone Mexefest. E, com uma vista sob o Castelo de S. Jorge ao fundo, o que se pode pedir mais?
NICOLAS GODIN – Teatro Tivoli (23:10)
Nicolas Godin foi sobretudo a escolha da faixa etária mais elevada do Mexefest. O músico e produtor francês (que é uma das metades dos Air) lançou recentemente Contrepoint, o seu primeiro álbum a solo, inspirado na reinterpretação que Glenn Gould fez das célebres Goldberg Variations de Bach.
A elaboração de Contrepoint obrigou Godin a estudar piano clássico de maneira a poder reinterpretar o centro de peças clássicas e trazê-los para a nossa época. O resultado final é magnífico e a sua apresentação ao vivo foi simplesmente sublime.
Sob um elegante jogo de luzes, Godin desdobrou-se pela voz, pelo sintetizador e pelo baixo. A acompanhá-lo estiveram três músicos na bateria, piano clássico e guitarra. A sonoridade dos novos temas traduz um casamento esteticamente perfeito entre a música eletrónica e a música clássica. Mas sem perder a sensibilidade pop, tal como sucede em Clara, belíssima música que em estúdio contou com a voz de Marcelo Melo e que no passado sábado foi cantada pelo próprio Godin, alterada com a ajuda de um vocoder. No final, ficou a certeza que tínhamos assistido a um dos momentos mais interessantes do festival.
Do alto dos seus 47 anos, Merrill Beth Nisker, conhecida mundialmente pelo nome de Peaches, subiu a palco pouco após a atuação da portuguesa Da Chick, mostrando o que já faz há muito: ter o público na palma da mão como poucos conseguem.
O início do concerto atrasou, mas nem isso demoveu toda aquela gente de ver a performance da canadiana. E que performance! Peaches continua igual a si própria: provocante e sempre a invocar o sexo numa festa imparável.
Dentro do Tanque, que é uma piscina adaptada a palco, o eletroclash desta cantora que é também compositora e bailarina arrancou a bom ritmo com Dub, do mesmo disco lançado este ano. De fato castanho e dourado e com várias mãos a aparecerem em zonas provocadoras, Peaches, que se apresentou sozinha em palco (ou seja, tomou conta sozinha da mesa de DJ), deu um bom espetáculo erótico ao vivo, apresentando tudo aquilo que já é costume nos seus concertos: movimentos sexuais, a limpeza de toalhas a zonas íntimas do seu corpo, o uso de bonecos insufláveis, a habitual caminhada nas mãos do público… Peaches é uma entertainer no sentido literal da palavra.
Havia muita gente curiosa no público mas outros tantos sabiam ao que iam. Boys Wanna Be Her, Operate, Vaginoplasty (“Isto é sobre a vossa grande vagina”, anunciou Peaches), Close Up (com a colaboração de Da Chick), o enorme Talk to Me, Mommy Complex, Lovertits ou o hino Fuck the Pain Away são imprescindíveis no repertório da canadiana e, acima de tudo, carregados de boa disposição.
Esta senhora de 47 anos não para em palco. Faz a espargata e sobe para cima de uma coluna de som. Coloca uma vagina gigante e brilhante ao pescoço. Tudo para entreter o público, que diz adorar. Sem pausas, e já na reta final, brinda as filas da frente com um banho de champanhe. Depois, pegou numa mala gigante e numa garrafa e despediu-se. Terminava 1h30 de concerto de pura apoteose. Um dos melhores concertos do festival, mas outra coisa não seria de esperar da canadiana que continua a chocar o mundo.
PATRICK WATSON – Coliseu dos Recreios (00:20)
Patrick Watson justificou plenamente o facto de ter sido cabeça de cartaz no segundo dia do Mexefest. À semelhança da noite anterior, o Coliseu de Lisboa registou uma enorme enchente de festivaleiros, principalmente após o final da atuação de Peaches. O canadiano é um velho conhecido do público português, tendo inclusivamente marcado presença na anterior encarnação deste festival (Super Bock em Stock - 2009).
Em clima de final de festa, o concerto do canadiano foi bonito como sempre, com uma duração superior a hora de meia e com direito a dois encores. Num palco onde se destacaram vários candeeiros em forma de balão, Patrick Watson esteve na maior parte do tempo sentado ao piano com a guitarra nas mãos. Ele e os cinco músicos que o acompanharam viram-se muitas vezes envolvidos numa misteriosa cortina de fumo.
Mais de metade do alinhamento baseou-se em Love Songs for Robots, álbum editado em maio passado. Aliás, as primeiras seis músicas seguiram praticamente a mesma ordem do mais recente registo de estúdio, no qual se nota uma mudança para territórios mais sónicos e um afastamento dos despojos folk que caracterizaram os seus álbuns mais antigos.
Mesmo quando recuou no tempo para nos embalar com alguns clássicos, fê-lo com novas roupagens, procurando conferir uma intimidade ainda maior às canções. Man Like You, de 2009, e Into Giants, do anterior álbum Adventures in Your Own Backyard (2012), foram interpretados ali mesmo na frente do palco, com os elementos da banda reunidos em volta do microfone de Watson e onde, para além das vozes e das guitarras clássicas, pudemos ouvir os sons de um serrote dobrado e de uma trompa. Ambos os temas receberam uma grande ovação, confirmando a grande empatia com o público português. Apenas um lamento: sentimos muita falta de Big Bird in a Small Cage, a canção que o Porto que a sorte de ouvir na noite seguinte…
A (primeira) despedida fez-se com Turn into Noise mas o encore não demorou a chegar com uma surpresa na manga: a banda surgiu na tribuna presidencial e ali em cima ofereceu Man Under the Sea, o hipnótico tema extraído do álbum Close to Paradise (2006). Depois dos últimos acordes de Luscious Life muitos pensaram que o espetáculo tinha acabado. Puro engano: o artista que momentos antes tinha confessado que se sentia em casa regressou para cantar To Buid a Home, a música que gravou com os The Cinematic Orchestra, em 2007. Exaustos mas felizes e com os sentimentos à flor da pele, ficamos com a certeza que o nosso Mexefest fechou com chave de ouro.
Contas feitas, tivemos mais uma edição esgotada do Mexefest, com os melhores concertos a terem lugar no Coliseu. Contudo, muitos outros artistas conseguiram destacar-se em diversas salas, tendo havido revelações, mas, também, casos de consagração. Um festival cada vez mais eclético e que quer chegar cada vez a mais gente.
A edição de 2016 já está confirmada e terá novidades. Segundo Luís Montez, responsável pela Música no Coração, promotora que organiza o festival, o conceito poderá sofrer extensões… Resta saber quais, porque se o festival começar a decorrer noutras zonas de Lisboa, então terá de ser novamente pensado ao pormenor.
Nós cá estaremos para vos dar todas as novidades. Até 2016!
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Organização:Música no Coração
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terça-feira, 01 dezembro 2015