Reportagem Vodafone Paredes de Coura 2013
Gonçalo Trindade
Trezentos e sessenta e cinco dias de espera são necessários para que a semana mais aguardada do ano regresse para encantar e fazer as maravilhas daqueles que se dirigem ao monte encantado, local esse onde se encontra a acolhedora vila de Paredes de Coura, que proporciona momentos de pura diversão, inspiração e, principalmente, de muita música.
Este ano não é diferente e com o magnífico apoio da Vodafone, um dos festivais mais queridos dos portugueses conta com um forte cartaz, notáveis reforços nas instalações e um embelezamento de infra-estructuras que ninguém conseguiu ficar indiferente.
As margens do Taboão começaram a ser ocupadas já no ínicio do mês de Agosto, apesar de a época oficial de campismo abrir a dia 10. Isso não é problema, porque mais um dia nas margens do rio Coura é apenas e exclusivamente por amor à camisola.
Dia 0 – 13 de Agosto
O habitualmente apelidado de “dia zero” da edição do Festival Paredes de Coura, este ano pela mão da Vodafone, foi dedicado exclusivamente a projectos de origem nacional. O Palco Vodafone FM, secundário mas não menos importante, recebeu nomes como Tape Junk, O Bisonte, Moullinex, os muito aguardados Sensible Soccers e os locais The Filthy Pigs.
Conhecemos João Correia como vocalista dos Julie & The Carjackers e por dar o seu contributo significativo a outros projectos. Tape Junk, o seu mais recente trabalho, teve o previlégio de inaugurar o festival e apresentar The Good & The Mean aos curiosos que iam passando e ficando.
Os Sensible Soccers, logo depois da actuação d’O Bisonte, com as suas canções rock 100% em português, entraram em palco com um claro sorriso na cara. O percurso da banda nortenha não vai noutra direcção sem ser ascendente. Aos primeiros acordes sente-se uma leveza corporal que nos leva a fechar os olhos e mergulhar no imaginário onde existem traços de inspiração proveniente dos Boards of Canada. Uma hora que pareceu poucos minutos e canções com nomes sem qualquer tipo de nexo aparente, como “Fernanda” ou “Missé Missé”, são demasiado especiais para serem ignoradas, fazendo deste concerto um dos momentos altos do dia.
Moullinex foi destacado para dar início à longa noite que ainda tínhamos pela frente e os The Filthy Pigs tiveram o prazer de encerrar. Uns optaram por permanecer no recinto ou continuar a noite nas festas proporcionadas por alguns dos bares da vila, outros optaram por deambular à beira do rio e pelo campismo. O dia seguinte prometia (mas não muito).
Dia 1 – 14 de Agosto
Assim que o relógio atingia as doze horas, a ideia pré-concebida de tenda convertia-se em sauna. Calor era a palavra-chave e a solução mais evidente seriam as margens e os mergulhos no oasis do Taboão. A rotina era simples: acordar, ir à vila, voltar, almoçar, disfrutar dos momentos de paz nas margens do rio, ouvir as escolhas do Jazz da Relva, tomar banho, ir para o recinto e acabar no campismo num canto qualquer.
Já dentro do recinto, o dia 14 contava com as primeiras bandas internacionais, apesar de ainda com o acesso cortado ao deslumbrante palco principal. Os Unknown Mortal Orchestra e Bombino estavam no campo das estreias e Alabama Shakes no lado dos regressos mais esperados.
Ainda antes da subida dos Unknown Mortal Orchestra, a editora portuguesa D.I.S.C.O.Texas fez o fim de tarde parecer o after-hours. Talvez um pouco cedo para tanta euforia, a super-banda The Discotexas Band, que conta com Moullinex, Da Chick, Xinobi e Luis Calçada, interpretou temas dos projectos indivíduais de cada um dos integrantes: “Cocktail” por uma Da Chick notavelmente eufórica e pronta para mais, “You Take My Pain Away” de Moullinex e a já, literalmente, clássica “Maniac” (que integra a banda sonora de Flashdance) perante uma plateia suada mas conhecedora e disposta a tudo.
São do hemisfério sul mas mudaram-se para o Norte. Vindos de Portland mas com origens neozelandesas, os Unknown Mortal Orchestra apresentaram-se perante o público do palco secundário com uma atitude humilde. Apesar de não começarem com o pé direito, pois Ruban Nielsen não parecia estar nos seus melhores dias vocais, os Unknown Mortal Orchestra conseguiram dar a volta à situação, onde o psicadelismo com traços pop invadiram os ouvidos dos presentes e foram capazes de cobrir as pequenas falhas.
O novo álbum II era o motivo da actuação: “The Opposite of Afternoon” menos contagiante, foi com o desenrolar do concerto que os neozelandeses americanizados se soltaram de preconceitos e mostraram aquilo que valem. “From The Sun” e “How Do U Love Me”, complementados com uma forte bateria que se faz notar e um jogo de luz sublime que nos preenche, o regresso aos primórdios da carreira era inevítavel e foi com FFunny FFrends, do álbum de estreia, que a banda se despede e ganha pontos por ser o primeiro concerto que será certamente lembrado nesta edição do festival.
Era uma vez uma rapariga que um dia decidiu, durante uma aula de psicologia, convidar um colega para tocar uns acordes. A coisa lá se deu e hoje percorrem o mundo a tocar rock, blues e soul ao jeito bem sulista do Alabama. Brittany Howard, dona e senhora de uma poderosa voz e de uma simpatia contagiante, faz-se notar sempre que entra em palco. Apesar da sua particular voz e em disco parecer mais interessante, a experiência Alabama Shakes ao vivo deixa muito a desejar. As canções permanecem sempre no mesmo tom e são pouco exploradas. Receberam provavelmente a maior enchente do dia, sendo eles os evidentes cabeças-de-cartaz.
Omara Moctar, pela mão de Dan Auerbach dos The Black Keys, foi capaz de criar um registo que melhor reflecte o seu estilo de vida e apresentou o terceiro álbum do guitarrista tuareg Bombino, que percorre o mundo a partilhar a sua cultura através da sua música. Independemente das letras, que pouco ou nada se percebem, o que importa aqui é a envolvência e a relação do público com um género de música pouco habitual em festivais grandes.
Daniel Guijarro é Headbirds, vem de Barcelona e é o primeiro destacado para fechar o primeiro grande dia do Vodafone Paredes de Coura. A electrónica tropical urbana que fora prometida ficou de parte, houve apenas techno dançável para se ouvir e sentir nos primeiros momentos mas que rapidamente se torna em vontade de abandonar o local e recuperar para o dia seguinte, que seria, sem dúvida, o dia mais completo e interessante.
Dia 2 – 15 de Agosto
Depois de uma noite interessante, segue-se o grande dia. A preparação à beira rio e entusiasmo para a estreia dos The Knife, um dos nomes mais sonantes da música electrónica contemporânea, era contagiante e fervorosa. Não menos importante, o regresso dos Hot Chip, o universo sonhador dos Widowspeak ou o sintetizadores incrédulos dos Jagwar Ma fizeram deste dia um dos mais fortes.
Dream pop e shoegaze pertecem à lista de géneros em que Paredes de Coura sempre apostou para as suas contratações. Depois de Memoryhouse no ano passado, Widowspeak, provenientes de Brooklyn, lembram um misto entre Beach House numa vertente mais folk, onde a voz de Molly Hamilton nos traz Hope Sandoval, dos Mazzy Star, à memória e encaixa com as canções produzidas por Robert Earl Thomas. Um concerto calmo e embalador mas que facilmente entra na onda de esquecimento.
Pouco depois entravam os Everything Everything a inaugurar, oficialmente, o palco principal. Sem sucesso, o indie pop genérico não foi suficiente para fazer com que a actuação do quarteto de Manchester merecesse muita atenção.
Seguiam-se em palco os Jagwar Ma, uma das melhores surpresas desta edição. Para compensar o desastre anterior, Jagwar Ma, liderado por Gabriel Winterfield e Jono Ma (daí a origem do nome) subiram ao palco. Bem ao jeito de Happy Mondays, a banda que mais é evocada por semelhança, os australianos entre loops, samples bem usados e sintetizadores conseguiram cativar uma plateia que se concentrava na frente para ver a actuação de Justin Young e os seus sobrevalorizados The Vaccines. A única coisa a criticar é mesmo a hora escolhida, pois uma actuação deste tipo ficaria bem assente num after-hours.
Do outro lado estavam os TOY, que passaram por terras lusas um mês antes. O quinteto que remete para o universo sombrio dos The Horrors com traços laivos a psicadelismo teve a sua segunda oportunidade para compensar o primeiro concerto que, pelo que consta, não correu tão bem quanto se esperava, tudo isto por culpas alheias.
E falando em oportunidades, os The Vaccines já tiveram demasiadas e mesmo assim ainda não mostram o que é necessário. Rock sem qualquer tipo de conteúdo e canções orelhudas sem grande interesse, a banda de Justin Young editou o ano passado Come of Age, o sucessor do aclamado What Did You Expect From The Vaccines?. Esperava-se grandes tumultos perante a banda que coleccionava mais t-shirts pelo recinto, mas o público estava mais calmo para aquilo que era suposto.
Músicas de amor embrulhadas em teen angst já tiveram o seu tempo e já ninguém tem interesse nelas.
Victoria Hesketh já visitou Portugal por diversas vezes mas a terceira vez não correu tão bem, como costuma ser habitual. Nocturnes, o sucessor de Hands, foca-se mais em 80s disco, quase colado aos primórdios de Madonna. É um álbum interessante, mas não tão pop habitual como o seu antecessor. Não peca por inovar, peca por não ser tão entusiasmante como deveria ser. Independemente disso, Little Boots é uma pérolazinha bonita num mar profundo que se for bem polida pode ser brilhante. Contagiante, Hesketh deu tudo por tudo para entreter os que tiveram a decência de se afastar do tédio vivido na realidade do palco principal.
Foi o terceiro concerto dos Hot Chip em solo português em seis anos, e este terá sido provavelmente o melhor. A banda britânica fez a festa ao longo de dez músicas, com o melhor som que alguma vez lhes vimos (vantagens do anfiteatro natural de Paredes de Coura), e sacou dos maiores êxitos aliados às excelentes canções do mais recente In Our Heads. Ajudou o facto de terem tido à sua frente um público que, na sua maioria, parecia saber ao que ia, longe da indiferença e da minúscula plateia com que foram recebidos no Super Bock Super Rock de 2011.
Foi exactamente o último disco que começou o concerto, com a belíssima “How Do You Do?” a dar início à festa, seguida do excelente regresso ao passado (não assim tão distante) que foi “And I Was a Boy From School”, onde se notou bem aquilo que ao vivo os Hot Chip fazem melhor: mexer e remexer nos arranjos originais das músicas, tornando-as mais apoteóticas e energéticas que nunca. Tão divertidos como sempre em palco, dançando sem parar e com alguns a trocarem de instrumentos entre si, os sete membros desta orquestra pop revelaram-se em excelente forma, dando uma autêntica descarga de energia ao longo de dez músicas onde “Flutes” se revelou como um single portentoso, “Over and Over” como um dos momentos da noite, e “I Feel Better” como o final de um espetáculo que andou muito perto da perfeição.
Com concertos assim, e com todos os sorrisos que se viam na plateia (e em cima do palco), serão certamente sempre bem-vindos. É difícil não ficar com vontade de os ver num concerto a solo; se só com dez músicas fazem isto, o que fariam com mais?
Para quem pensava que os The Knife se iam entregar logo ao público estão bem enganados. Assim que é anunciada a entrada dos suecos em palco, eis que entra apenas um dos dançarinos desta tour que agita os conformes para nada mais, nada menos, do que fazer um pré-aquecimento. “DEEP Aerobics” é uma forma de interacção e de entretenimento, bem como um protesto ao padrões sociais e preconceito. Para ver The Knife é necessário perder as limitações do que é convencional num espetáculo e estar preparado para tudo, algo que o público presente não fez e não percebeu o previlégio que estavam a ter.
“A Cherry On Top” abre este espetáculo (sim, é um espetáculo que inclui arte perfomativa e não um mero concerto) onde vultos encapuzados se fazem notar. Ninguém sabe quem é quem, ninguém sabe onde estão os irmãos Dreijer. É tudo parte de um jogo pensado para nos deixar mais confusos, despertando mais curiosidade e interesse.
Se esperavam clássicos como “Heartbeats” ou “Pass This On”, esqueçam. Todo o trabalho é focado principalmente em Shaking the Habitual, que mais do que um álbum é um manifesto e um protesto contra a política, questões de género e o domínio do patriarcado numa sociedade totalitária. Sim, ninguém nega que houve playback e uso de versões “ao vivo” pré-gravadas. Tudo isso pode ser muito ultrajante mas tem um propósito: lutar contra o que é convencional e mostrar que outras vertentes e opções também são para ter em consideração.
Performers tomam conta do papel de Karin Dreijer Andersson em “A Tooth For An Eye” ou “Full Of Fire” ou de Shannon Funchess dos Light Asylum durante “Stay Out Here”, enquanto dança freneticamente. Não há e não pode haver vergonhas quando se quer mudar o mundo.
O público parecia dividir-se entre indignados e fascinados. Bem ou mal, o que se viu teve impacto e formou uma opinião, seja ela qual for e é para isso que os The Knife existem: para marcar e primar, e muito bem, pela diferença.
John Talabot e The 2 Bears eram os nomes destacados para o after-hours mas como as emoções fortes vividas em The Knife foram muito grandes e intensas, optamos por ver ao longe, enquanto nos dirigíamos para o campismo.
Dia 3 – 16 de Agosto
Três dias passaram e nem demos por isso. O final aproxima-se mas ainda há muito por percorrer e por ver.
Noiserv e The Glockenwise não são nomes desconhecidos ao público que se considera alternativo. Integram sempre grande número de cartazes por esse Portugal fora e são sempre recebidos de braços abertos. Paredes de Coura não foi indiferente à música pensada ao detalhe e com um rigor singelo e encantador de David Santos, nem ao rock, punk ou o que quiserem chamar dos The Glockenwise. O melhor é que é feito para se esfregar na cara de qualquer um e mesmo assim continuamos a chorar por mais.
Os Citizens! optaram por acampar e aproveitar a oportunidade para conhecer a vila de Paredes de Coura e realmente viver a experiência de festival. A única diferença é que tinham um concerto marcado para as 19h15 do dia 16. Optimistas e visivelmente gratos pela oportunidade, o indie pop deste quinteto de Manchester é cativante e a alegria em palco é única. São músicos jovens e que se divertem a fazer o que mais gostam, mesmo tocando clássicos dos anos 90 como “Missing”, desta vez sem a voz da incontornável Tracey Thorn dos Everything but The Girl.
Enquanto entravam os Peace em palco, a expectativa para Iceage era grande. Formados na flor da juventude no frio da Dinamarca, os Iceage ganharam a atenção devida com o lançamento de You’re Nothing, lançado através da Matador Records. Elias Bender, vocalista, é um jovem bem parecido, o que também pode ser um factor importante na criação da fanbase. Bonito ou não, a música que estes dinamarqueses fazem não é para qualquer flor de estufa e foi possível comprová-lo com os intensos moshpits que o palco Vodafone FM albergou. Transformando o palco numa zona de guerra, o prazer sádico de Elias era visível e levava-o a incentivar mais a confusão enquanto ela deambulava sem rumo.
O culto à volta dos The Horrors parece maior cada vez que os vemos por cá. Num concerto muito reminiscente ao que deram no Super Bock Super Rock no ano passado, com um alinhamento praticamente igual (mas desta vez com a nova “Elixir Spring”, que ainda não foi lançada), a banda britânica de roupas negras e som denso teve desta feita um público mais numeroso e conhecedor à sua frente, com uma faixa etária surpreendentemente jovem (ao nosso lado, uma rapariga que não parecia ter mais que quinze anos implorava à mãe que fosse com ela para a grade) para o rock forte que agora fazem.
Os The Horrors em concerto de agora são muito diferentes dos The Horrors em concerto que vimos, por exemplo, num Coliseu de Lisboa com os Crystal Castles em 2010; se há três anos deram sonolência aos que não eram fãs, a banda de Faris Badwan está agora muito mais rock ao vivo, quase lembrando uns Sonic Youth bem mais jovens, dando uma descarga eléctrica com temas como “Sea Within a Sea” (recebida como um autêntico hino) ou, já no final, a excelente “Moving Further Away”, que pôs fim à actuação com um rock ruidoso e prolongado (tudo elogios).
Tocam nas sombras, com Badwan aproximando-se ocasionalmente da berma do palco, com o público sempre nas mãos e um som portentoso (mais uma vez, o palco de Paredes é uma maravilha), num concerto ritmado e sem momentos mortos. Apresentaram ao vivo uma única música nova, a já citada “Elixir Spring”, que os mostrou perto do som que apresentam agora, e ainda bem; os The Horrors são agora ao vivo uma excelente banda, que conseguem tanto convencer os devotos como os curiosos, e que em Paredes voltaram a mostrar a sua boa forma. No final, pairou um “See you next year” de Badwan que soou a promessa.
Ainda antes de encerrar o palco Vodafone FM para uma breve pausa, Wesley Eisold estreou-se em Portugal . Antes tarde do que nunca, Cold Cave ao vivo é algo único, íntimo e honesto, onde aquilo que se espera é aquilo que se recebe. Sempre muito carismático, as palavras proferidas por Wesley vêm do fundo do coração, daí as suas canções intercaladas com sedutores sintetizadores estarem recheadas de palavras de amor, desespero e de mágoa. Com um alinhamento principalmente dedicado ao novo álbum a sair em 2014, "Love Come Close" ou "Cherish The Light Years" não foram deixados de parte.
Os Echo and the Bunnymen já passaram o seu auge há décadas atrás, e hoje em dia são acima de tudo uma forma de relembrar alguns dos maiores clássicos de uma das maiores bandas dos anos 80 ao vivo. A voz de Ian Mcculloch já não está na forma em que estava antes (mas o estilo, esse, continua todo lá, com Ian sempre de óculos escuros e cigarro na boca), já só sobra este e o guitarrista da formação original, mas isso acaba por bastar para dar boa vida a canções tão icónicas como “The Killing Moon” ou “Lips Like Sugar”. Num alinhamento em formato best of, o grupo mostrou-se em boa forma, sem ter à sua frente uma plateia particularmente contente por os ver ou ouvir num festival onde, curiosamente, até seria de esperar que estivessem em casa.
O público mostrou-se entusiasta em alguns dos maiores êxitos (“The Killing Moon” foi a canção mais reconhecida, claro, e o momento do concerto, tal como o momento em que Mcculloch passou rapidamente por “Take a Walk on the Wild Side”, de Lou Reed, num momento arrepiante), mas revelou-se no geral indiferente ao grupo lendário que assinou aquele que é, ainda hoje em dia, considerado para muitos um dos melhores discos alguma vez feitos: Ocean Rain, de onde apenas ao longo da noite se ouviram “The Killing Moon”e a belíssima “Seven Seas”, recebida com apatia. Viam-se bocejos, indiferença, e desconhecimento geral por parte do público de baixa faixa etária que, na sua maioria, esperava a actuação dos Simian Mobile Disco.
É pena: os Echo and the Bunnymen até estiveram bem, mas não tinham ninguém para os ver. Os poucos devotos presentes deverão ter ficado satisfeitos; o restante público, no entanto, não deverá ter ficado com grandes memórias daquele que foi um bom concerto de um grupo que chegou a ser grandioso. Esse tempo já lá vai, mas o relembrar vale sempre a pena.
E se no Optimus Alive! actuaram para 200 pessoas, devido à obsessão com os Pearl Jam, os Simian Mobile Disco desta vez tiveram um anfiteatro todo aos seus pés. Apesar de evitarem o uso aleatório de êxitos (aliás, um dos maiores hits, “Audacity Of Huge”, ficou de fora), Jas Shaw e James Ford não precisam de muito para criar imenso. Basta uma hora propícia, o ambiente adequado e alguns trunfos da sua carreira para tornar o palco principal num espetáculo ao vivo, onde as luzes nos consomem e a música nos invade, onde ficar quieto não é opção.
Dia 4 – 17 de Agosto
A tristeza preenche-nos quando somos obrigados a pensar em fazer as malas para ir embora. Sair de Paredes de Coura é novamente uma cruz que temos de carregar durante mais 365 dias até que regresse a melhor semana do ano.
Para o último dia estava reservado o regresso dos Justice, o imaginário twee dos Belle & Sebastian e o post-rock intenso dos And So I Watch You From Afar.
Com os já badalados Black Bombaim a fazer a honras de abrir o palco pela última vez nesta edição, foi só em Palma Violets que as coisas começaram realmente a aquecer. Os Palma Violets estrearam-se em terras lusas, mas foram recebidos como velhos conhecidos. O quarteto inglês ficou surpreendido pelo público que teve à sua frente, e incetivou à festa com crowdsurfing e mosh pelo meio, sem ignorarem as influências do seu punk (começaram com “California Sun”, música popularizada pelos Ramones), mas mostrando ao mesmo tempo que o género está bem e recomenda-se. Foram recebidos por um público mais numeroso que tínhamos visto nos outros dias à mesma hora, mostrando bem que 180, único disco que lançaram até à data, chegou bem de Inglaterra até nós. Músicas como “Best of Friends” ou “Tom the Drum” lembram-nos coisas que já ouvimos antes, mas às vezes não é preciso ser a banda mais original do mundo para se saber dar um bom concerto; com atitude, energia, e um dos membros da banda a entregar-se ao crowdsurfing a certa altura, os Palma Violets deixaram em Paredes a promessa daquele que pode vir a ser um belo futuro. O tempo o dirá, mas por agora confirma-se o que de bem se tem dito sobre eles lá por fora.
Os Calexico não punham cá os pés há quase dez anos, e fizeram falta. Com sete discos editados (o último, Algiers, é do ano passado), a eclética banda de Joey Burns chegou para a fazer a festa e que festa foi; ora em espanhol ora em inglês, os ritmos mexidos dos Calexico revelam-se em canções ora festivas ora de uma beleza sensível, que facilmente contagiam tanto os fãs como os curiosos (pareceu-nos haver mais os desta segunda categoria que da primeira). Burns puxou ao máximo por um público que ao início parecia acanhado e desconfiado, mas que aos poucos se foi soltando aos trompetes, aos teclados, ao acordeão e até à improvável mas fantástica versão de “Love Will Tear us Apart” que surgiu a certa altura. Passaram por todos os registos, num concerto que teve o gosto especial a reencontro, com Burns a lançar elogios frequentes e honestos à paisagem e à zona (gostou muito do vinho, parece), e não faltaram autênticas pérolas para os fãs como “Black Heart” ou “Alone Again Or”, versão dos Love do disco Forever Changes. O som ao início esteve disforme, mas à segunda canção já estava em topo de forma, com o cenário a parecer todo idílico e mágico; se há banda que foi feita, com o seu som exótico e cheio, para tocar em Paredes de Coura, essa banda são os Calexico. E com o Sol a pôr-se e a plateia numerosa a dançar, foi difícil não ficar com a ideia de foi dos momentos mais memoráveis do festival. O final, com "Guero Canelo", veio demasiado depresssa e deixou saudades. Se tudo correr bem, e se o sorriso de Burns significar alguma coisa, não teremos de esperar mais dez anos para os voltar a ver.
Os Belle & Sebastian nunca foram um grupo de esgotar um Pavilhão Atlântico, nunca foram headliners de grandes festivais, e sempre foram (tal como The Divine Comedy, por exemplo), um grupo que tem um nicho de fãs devotos e fiéis, que em particular na Europa (não fossem eles tipicamente ingleses, com algum sucesso nos EUA) os segue para todo o lado. Para muitos dos que se queixavam do cartaz deste ano de Paredes, os Belle & Sebastian eram o trunfo, o regresso aguardado da banda de culto que não vinha cá desde 2006 (estranho, tendo em conta as vezes que vão a Espanha), quando deram no Coliseu de Lisboa um concerto que, dizem os presentes, foi monumental.
De 2006 a 2013 muita coisa mudou, mas os Belle & Sebastian (felizmente) mantêem-se iguais a si mesmos; e se o concerto de 2006 deixou muitas boas memórias aos sortudos que lá estiveram, o deste ano em Paredes (de longe o festival perfeito para os receber) também as deixará para quem os viu. Eram um dos nomes mais aguardados, e não desiludiram, com um alinhamento recheado de clássicos que soaram incrivelmente bem ao vivo, canções mais recentes que soam igualmente bem (quem diria que “I Didn’t See it Coming” seria um momento tão bonito?), e um concerto sem altos e baixos: foi, apenas, consistentemente espetacular. O início com a instrumental “Judy is a Dick Slap” foi logo a descarga de energia necessária colocar um sorriso na cara dos presentes, e logo a seguir “Another Sunny Day” afastou as dúvidas e os receios: a voz de Stuart Murdoch continua suave como seda, os arranjos ao vivo soam ainda mais “cheios” que em disco, e tudo encaixa na perfeição. Acompanhados por um quarteto de cordas, e com um total de onze músicos em palco, a banda de Murdoch assume-se como uma autêntica orquestra pop, mostrando bem ao vivo o porquê de terem o culto que têm, e o porquê de serem considerados por tantos como uma das melhores coisas a sair do Reino Unido nas útimas décadas - If You’re Feeling Sinister será, certamente, o disco da vida de muito boa gente.
Além de algumas passagens por esta obra-prima (“Stars of Track and Field”, não muito longe do início, foi talvez o primeiro momento para ir às lágrimas), passaram também pelo seu disco mais recente, Write About Love, datado de 2010 e que se na altura não foi particularmente bem-recebido, ao vivo mostrou-se detentor de algumas canções ao nível do mais alto que os Belle & Sebastian alguma vez fizeram; “I Didn’t See It Coming” ou “I Want the World to Stop” impressionaram imenso, tendo em si tudo aquilo que a banda faz de melhor: twee-pop do coração, que tanto dá para dançar com um sorriso na cara como para chorar com as letras sempre soam-tão-bem-mas-são-tão-tristes de Murdoch. Ainda assim, notou-se uma divisão do público entre os devotos do grupo, e os que estavam só a guardar lugar para os Justice, que vinham a seguir. Mas se nos Echo and the Bunnymen isso minou o concerto, aqui viu-se um conquistar de toda a plateia, fossem conhecedores ou não, que se rendeu facilmente à banda energética que tinha em palco.
Com simpatia para dar e vender, Murdoch dançou do início ao fim, acedeu a pedidos do público (ouviu-se “Mayfly”, que não tem sido tocada, e que se revelou um momento incrível), e até chamou membros ao palco naquele hino que é a “Boy With the Arab Strap”, que tantos anos depois continua a transpirar tanta alegria e energia quanto a primeira vez que foi ouvida, no longínquo ano de 1998, quando muitos dos presentes ainda nem sabiam o que era esta coisa bonita dos festivais de música. Foi um daqueles concertos inatacáveis, ora de uma energia dançável ora de uma beleza que faz ir às lágrimas, com um alinhamento onde faltaram tantas (como não poderiam faltar?), mas onde todas as canções tocadas se revelaram momentos certeiros, e onde os devotos puderam finalmente ouvir aquelas músicas que há tantos anos ouviam sozinhos no quarto nos phones do mp3, deixando que as canções se enraizassem na pele e na ponta da língua, até as poderem finalmente libertar neste concerto de 2013. Clássicos absolutos como “Judy and the Dream of Horses”, “Legal Man”, “If She Wants Me” (aquela canção genial que nunca ninguém se lembra que o é) ou, já no encore, “Get Me Away From Here I’m Dying”, foram cantadas por alguns como se fossem hinos de vida, em uníssono com uma banda que, em palco, se mostrou numa forma impressionante.
Terá sido, para muitos, o concerto que os fez ir ao festival; e terá sido para ainda mais o melhor concerto que lá viram. “The Blues are Still Blue” e os Belle & Sebastian continuam incríveis. Porque, afinal, há músicas que não envelhecem, vozes que não perdem o poder, e regressos que não desiludem. Resta agora esperar um regresso a solo.
Via-se muita gente para ver os Justice (até vagueava uma cruz gigante de cartão pela plateia), e no final do DJ set que fizeram (um daqueles DJ sets em grande, com espectáculo de luz imponente, cheio de êxitos misturados com músicas da dupla francesa) fica-se com a ideia que dificilmente alguém terá ficado desiludido. Ouviu-se tudo desde a “D.A.N.C.E” à “Bohemian Like You” dos Dandy Warhols, num DJ set para agradar a gregos e a troianos, e que fez isso mesmo; algo facilmente visível com a enorme nuvem de pó levantada, fazendo com que por algum tempo Paredes lembrasse o Meco.
Os Justice foram lá para encerrar o palco principal, e fizeram-no tal como se esperava: transformando o recinto numa enorme pista de dança, onde também se viu mosh (porque o público de Paredes gosta de fazer mosh em tudo) e muito crowdsurfing por parte de um público que já estava a queimar os últimos cartuchos. Se em 2012, no Optimus Alive!, desiludiram muita gente como live act (não foi o nosso caso), em Paredes como DJs revelaram-se mestres.
Os And So I Watch You From Afar apresentam-se como uma banda de post-rock, mas aquele jogo imprevisível de guitarras lembra mais um math-rock que outra coisa qualquer. Se no post-rock há o jogo do pára-arranca, aqui não há grande jogo: há o arranca, e o pára só vem mesmo no fim. E ainda bem. Com um público maior que o que seria de esperar (actuaram às duas da manhã), e que sabia claramente ao que ia, a banda que vem da Irlanda (um sítio “muito, muito longe, naquela direcção”, disse um deles, apontando para norte... achamos nós) teve à sua frente uma plateia conhecedora, fã, e que recebeu com agrado cada riff de guitarra, cada explosão de bateria, e que no final ficou até sedenta por mais. Há muita, muita perícia no que o grupo faz, e é estranho que não sejam maiores que o que são; como é que não se dá mais reconhecimento a canções como “Like a Mouse” ou a grandiosa, monumental e incrível “Set Guitars to Kill” (um dos momentos de todo o festival)? Foi a segunda vez em Portugal, depois de no ano passado terem passado pelo Plano B, no Porto, e um concerto em Lisboa (e em todo o lado!) torna-se urgente.
O quarteto irlandês mostra-se ao vivo como uma máquina de som avassaladora, com músicas destruidoras (no melhor sentido), apoiadas por um som portentoso (houve gente que diz ter ficado surda depois do concerto, e percebe-se porquê), e mostrando também aquilo que só as melhores conseguem: às vezes, a violência é bonita. Os jogos de guitarras são uma onda de energia imensa, mas há sempre momentos lindíssimos em cada música, momentos em que melodias bonitas de quem fez boa música vêm ao de cima pelo meio do mosh, do crowdsurfing, e do headbanging. Os And So I Watch You From Afar são, numa palavra, poderosíssimos. E tanto moveram, como se deixaram mover pela reacção que tiveram (“Temos de cá voltar! Temos de cá voltar!”, diz um dos guitarristas, porta-voz do grupo, a certa altura); não há nada a enganar no empenho que tiveram em palco, no suor que lhes escorria pela cara, onde saltavam de canto em canto com sorriso de orelha-a-orelha.
Grande, grande concerto, de uma grande, grande banda para o final de um grande festival.
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sexta-feira, 30 agosto 2013