Reportagem Vodafone Paredes de Coura 2016
Era uma vez num reino distante ... começam assim as histórias de encantar e esta não é nada mais nada menos que uma história dessas. Temos o cenário certo, um anfiteatro natural, um vale verdejante, uma praia fluvial de cortar a respiração e não faltam as donzelas e os cavaleiros andantes, um ou outro bobo da corte graças ao consumo mais excessivo dos líquidos fermentados disponíveis e claro os trovadores dos nossos dias. É o Couraíso como dizem os cartazes feitos à mão e expostos à entrada das tendas que se amontoam no parque de campismo.
Na 24ª Edição do Festival Vodafone Paredes de Coura os trovadores foram: U.M.O; The Oh Sees; LCD soundsystem; King Gizzard and The Lizard Wizard; Cage The Elephant; Portugal. The Man entre muitos outros num total de 35 bandas nacionais e internacionais. E aconteceram vários enamoramentos e até verdadeiras histórias de amor entre os trovadores e o público.
Aqui começa o sonho, lê-se na entrada do recinto e não podia vir mais a propósito. No âmbito de toda essa experiência, sempre saborosa, à qual o Festival de Paredes de Coura nos habituou nestes 24 anos de vida não podemos deixar de partilhar alguns dos melhores momentos da edição de 2016.
Não podemos esquecer as emblemáticas Secret Sessions, um cartaz secreto num local secreto. O Palco Jazz, montado na margem do Taboão, recheado de preciosidades para desfrutar no período da tarde, concertos, poesia, etc, com acesso livre e claro, os after hours para dançar pela noite dentro.
Houveram enamoramentos com o público como foi o caso de Unknown Mortal Orchestra que apresentou os seu mais recente albúm “Multi- Love” com as suas canções inquietantes de matriz psicadélica e influências soul. Houveram relações sólidas e competentes como com LCD Soundsystem e a sua música de batida electrónica. Houve paixão com The Oh Sees e o seu garage rock potente e estrondoso. E houveram amores, mais intensos, mais duradouros. Esses sim, queremos partilhar em detalhe.
Sleaford Mods no Palco Vodafone
Espírito Hip Hop com atitude Punk
O vocalista Jason Williamson e o músico Andrew Fern entram em palco. O duo de Nottingham apresenta-se com a consola onde estão guardados os samples instrumentais que acompanham as canções. Canções poderosas sobre o descontentamento e dificuldades da classe média, sobre a austeridade, criticas ao sistema político e ao poder vigente. Letras que apesar de actuais poderiam ter sido também escritas nos anos 80 quando a Inglaterra estava sobre a “tutela“ da Dama de Ferro. Desemprego, dificuldades financeiras, austeridade, patronato versus proletariado povoam as letras das canções dos Sleaford Mods, são os problemas do dia- a- dia do homem comum em linguagem de rua sem filtros.
No decurso do concerto, Williamson chama ao palco uma personagem imaginária designada “Little England” e pede desculpa por ela não nos querer dizer olá e se achar melhor que os outros numa clara alusão ao “Brexit”.
As palavras jorram da boca de Williamson carregadas de uma perpétua raiva e emoção como se tratassem de um manifesto, verdadeira poesia Punk. Dotado de um sotaque marcado da região de East Midlands torna-se, por vezes, difícil perceber as letras, mas fica a emoção e a batida rítmica de samples (instrumentais). Andrew Fern, cuja função em palco é carregar no “play” no inicio de cada música, fica em em pé abanando a cabeça ao som de samples enquanto Williamson gesticula e passa a mão na cabeça de forma de forma repetitiva e ritmada como um qualquer tique compulsivo.
Canções como “ Tied up in notz”, “Jobseeker”, “Jolly Fucker”, “Bronx in a six”, “Live Tonight” e “Face to faces”, estas três últimas do mais recente álbum “Key Markets”, povoaram o concerto dos Sleaford Mods.
O duo partilhou com o público que geralmente não actuam para tanta gente e despediu-se de Paredes de Coura assumindo que foi bom enquanto durou.
O Punk, ou neste caso, o “Punk – hop” não é para toda a gente. Este tipo de música minimalista, com batida electrónica e com temáticas recheadas de critica social e política não são para todo o tipo de público mas foram celebradas pelo público do Festival. As letras cruas e rudes perfumadas de rebeldia e de um quê de decadência agradaram ao público do Festival de Paredes de Coura. Um bom concerto, boas canções e uma interpretação magistral de Williamson, ele sim, o responsável pelo sucesso do espectáculo ao vivo.
Fotos - 18 de Agosto
King Gizzard and the Lizard Wizard no Palco Vodafone
Um orgasmo musical
A banda composta por sete elementos que tocam duas baterias, três guitarras, um baixo, teclado, sintetizadores e acumulam uma harmónica e uma flauta transversal, entra para o palco e sem mais demoras começa a tocar. Rock’n Roll electrizante, explosivo, executado sem falhas, tudo liga na perfeição. As duas baterias em uníssono, os sintetizadores, as cordas, as letras, tudo soa em harmonia perfeita. Caso para dizer “Caramba, tocam tão bem.”
Rock’n Roll cheio de volúpia, que nos faz instintivamente abanar a cabeça e bater com o pé no chão ao ritmo da música. Impossível de ficar indiferente, um orgasmo musical, pelo menos para mim que sou uma “Rock’ n Roll Girl”. Pronto, perdoem-me as metáforas de teor sexual mas houve efectivamente êxtase musical num concerto ao vivo de verdadeiro Rock’n Roll. Mosh, crowdsurfing, pessoas às cavalitas, houve tudo isso e mais durante o concerto.
Canções como “Robot Stop”, “Big Fish Wasp”, “Gamma Knife”, "People Vultures", “Evil Death Roll”e “Mr Beat” do mais recente álbum Nonagon Infinity deliciaram o público. As canções desfilam praticamente sem paragens, Nonagon Infinity foi gravado como uma grande canção, com diferentes marcações rítmicas que se ligam na perfeição.
Foi também revistado o álbum I’m In Your Mind Fuzz , o quinto disco da banda, datado de 2014, em músicas como “I’m Not In Your Mind”e “Cellophane” que também fizeram delirar o público.
São notórias as influências do Rock dos anos 60 e 70, da “British Invasion”, do Rock psicadélico e do Heavy Metal inicial. Mas, desengane-se quem pensa que a música dos “King Gizzard and the Lizard Wizard” é datada. Todas as influências foram digeridas e processadas e resultaram em algo fresco e vibrante.
O melhor concerto do Festival, directamente da Austrália para o mundo e o mundo agradece.
First Breath After Coma no Palco Vodafone FM
Uma viagem de emoções
Pouco antes das 18h havia algum reboliço na sala de imprensa para ver First Breath After Coma. O colectivo de Leiria era motivo de curiosidade e expectativa.
Com as suas composições pós – rock, as músicas apresentam dinâmica e textura, uma imensa variedade musical incorporada em cada canção, sons melódicos e suculentos. Os riffs das guitarras, as linhas do baixo, os compassos da bateria, as teclas e a presença dos instrumentos de sopro constituem a matéria prima das paisagens musicais criadas. As vozes são macias, harmoniosas e encaixam na música como se de mais um instrumento se tratasse.
A música esboça sorrisos no público e fá-los abanar a cabeça levemente ao som do compasso da bateria.
Noiserv, o alter-ego de David Santos, foi o convidado da banda. Juntos tocaram o single conjunto “Umbrae” do mais recente álbum Drifter. Bonita, intensa, pulsante são adjectivos que podem descrever a música e a respectiva performance. Noiserv partilha com o público algumas reflexões sobre a banda. Têm emoção e a música é boa. Gostava de há 15 anos conseguir tocar assim” são alguns dos verdadeiros elogios que tece ao colectivo.
Referência também para músicas do novo álbum como “Salty Eyes”, e “The Escape” bem como a mais antiga “Shoes For Man With no Feet”.
As músicas transportam-nos para ambientes oníricos, ficamos suspensos nas nossas emoções, somos seres difusos deambulando em paisagens lunares, enevoadas e contudo tranquilas. Sobrevoamos as paisagens islandesas e lembramos “Sigur Rós” e “Arcade Fire”.
Apesar de tenra idade o colectivo já conquistou o público português, são presença regular na rádio e têm dado concertos de norte a sul do país.
A curiosidade justificou-se e a expectativa cumpriu-se.
Fotos - 19 de Agosto
Portugal. The man no Palco Vodafone
Portugal, o país, recebe Portugal. The man, a banda
O grupo norte- americano formado no Alaska em 2004 regressa à praia fluvial do Taboão sete anos depois da primeira aparição em 2009.
O nome da banda não se deve a qualquer homenagem consciente ao país mas resulta apenas de uma tentativa de ter um nome fora do comum. Por cá o nome suscita uma óbvia curiosidade e contribui grandemente para o reconhecimento da banda no público português.
O grupo liderado pelo vocalista John Baldwin Gourley, que também toca guitarra, acompanhado por Zachary Carothers no baixo, Ryan Neigbhors nos teclados e sintetizadores e Jason Sechrist na bateria, toca músicas com influência vintage e base “Beatlesca” que se desenvolvem num largo espectro desde o estilo pop ao rock progressivo com ênfase no rock e pop psicadélico.
No último dia do festival com o recinto a abarrotar a banda é recebida com entusiasmo. Em pano de fundo aparecem luzes coloridas em ziguezague seguidas de ilustrações animadas que acompanham as músicas. Este cuidado cénico incrementou a qualidade do espectáculo visual e reforçou a intensidade das músicas. O alinhamento da banda começou com “Hip Hop Kids” seguido de “Atomic Man” passando por, “Evil Friends”, “Modern Jesus” e “Purple Red, Yellow, Blue” do álbum Evil Friends. Lugar ainda para recordar os álbuns In The Mountain In The Cold e Satanic Satanist em músicas como “So American”, “Got It All” e “Guns and Dogs”.
Apesar do alinhamento desenrolar as várias sonoridades, desde o rock mais psicadélico ao pop mais descarado, a voz de Gourley com o seu falsete que conferiu sempre um fio condutor a todo espectáculo. Como ponto negativo refere-se a a interpretação de “Don’t Look Back In Anger” dos Oasis sem qualquer cunho pessoal ou enquadramento justificado no alinhamento adoptado.
Gourley não interagiu com o público deixando as cerimónias para Zachary Carothers. Zachary Carothers refere que estão felizes por estarem ali, recorda a última vez que estiveram no festival a partilhar cartaz com “Peaches” e “Nine Inch Nails” e agradece ao público português por lhes ter emprestado o nome do país para a banda. O público dançou, cantou e aplaudiu todas as músicas. Portugal. The man despedem-se de Coura com a sensação de dever cumprido.
Secret Sessions , o cartaz secreto num local secreto.
Motorama, um concerto improvável num lugar improvável
Estar no sitio certo à hora certa é crucial. A dada altura são distribuídas pulseiras que dão acesso exclusivo a estes concertos. Estas pulseiras dão acesso aos autocarros que transportam os festivaleiros para o local, secreto, do concerto. Pouco ou nada se sabe, conta-se com umsítio bonito e improvável e com uma das bandas de cartaz.
No último dia do Festival os autocarros levaram-nos para o Miradouro da Capela da Pena onde nos deparamos com os russos Motorama que estão também marcados para o palco Vodafone FM pelas 20h30.
Motorama é uma banda russa pós- punk fundada em 2005 formada por Vlad Parshin, Maxim Polivanov, Alexander Norets e Oleg Chernov. Começaram a destacar-se na cena musical independente dos Balcãs e ganharam algum destaque na cena internacional.
Infra-estruturas montadas no local em fragas de granito rodeados de árvores. A plateia eclética, com curiosos de todas as idades, festivaleiros, autóctones e até o melhor amigo do homem, o cão, rodeavam este palco natural improvisado. Cada músico devidamente instalado em sua fraga e o espectáculo começa.
Músicas dos álbuns já editados: Alps, Calender e Poverty. Bem tocadas e cantadas em inglês. Músicas pós- punk na verdadeira ascensão da palavra, rico em elementos sonoros, introvertido, complexo, letras carregadas de existencialismo a lembrar “Joy Division” e os bem mais recentes “The National”.
E foi assim a 24ª edição do Festival Vodafone Paredes de Coura. Já temos saudades. No final todos viveram felizes para sempre ou pelo menos até ao próxima edição do Festival Vodafone Paredes de Coura.
Fotos - 20 de Agosto
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quinta-feira, 21 novembro 2024