Reportagem Vodafone Paredes de Coura 2017
Em 1993, Paredes de Coura - essa pacata mas bela vila minhota - recebia pela primeira vez o festival que, em 2017, constitui um dos mais celebrados eventos de Verão em Portugal. Todos os anos, o ritual é cumprido: milhares de pessoas rumam em direção a este recinto paradisíaco em busca de música, diversão e uma experiência marcante para mais tarde recordar. A edição de 2017, a vigésima quinta, era claramente especial, e a vontade de comemorar essa impressionante longevidade refletiu-se num cartaz apelativo, que soube misturar eficazmente regressos com estreias e nomes consagrados com revelações.
Neste primeiro dia, a oferta, como de costume, resumiu-se ao palco principal, que começou de forma engraçada com a Escola do Rock. Esse adjetivo acaba por ser a melhor forma de descrever o projeto, onde um grupo de miúdos, sob a direção de Nuno Alves, se juntam para uma interpretação de temas clássicos, aqui a pensar sobretudo nas bandas que já passaram por Paredes de Coura. Ouviu-se Motörhead, Nine Inch Nails, Pixies e os obrigatórios Queens of the Stone Age, entre muitos outros, numa atuação que acabou por funcionar como uma espécie de homenagem não só ao rock – está no nome, afinal de contas – como ao próprio festival de Paredes de Coura.
Não foi uma prestação incrível, mas foi honesta e agradável; acima de tudo, fez sentido arrancar uma edição comemorativa com algo assim.
Posteriormente, os The Wedding Present vieram também em modo de comemoração, especificamente para celebrar as três décadas de existência do álbum “George Best”, inspirado no lendário jogador de futebol do mesmo nome. O concerto da banda de David Gedge foi competente, mas acabou por não passar disso, de uma prestação satisfatória que provocou reacções moderadas sem nunca causar genuíno entusiasmo. As composições do álbum em destaque - muito à base de fortes melodias apoiadas em guitarras estridentes (jangle pop, resumidamente), são inegavelmente bem construídas, sendo que foi isso que permitiu apreciar minimamente o concerto. Contudo, aquele sentimento mágico que faz de qualquer actuação um momento verdadeiramente memorável esteve ausente. Neste início de noite, os The Wedding Present cumpriram, mas não deslumbraram.
Quem deslumbrou, contudo, foram os Mão Morta. Bastante familiarizados com o festival – a história de Paredes de Coura não se escreve sem dedicar parágrafos às várias aparições do grupo bracarense - criaram um espetáculo à volta do mítico “Mutantes S.21”, álbum que atinge um quarto de século este ano e que foi revisitado nesta bela noite de Verão. Temas como “Paris”, “Istambul”, “ Lisboa” ou “ Budapeste” fizeram as delícias dos presentes juntamente com outros clássicos - desvios, como Adolfo Luxúria Canibal lhes chamou - como “ Velocidade Escaldante” ou “Bófia”, este em modo de encerramento. Pelo meio, o carismático frontman, cuja voz permanece maravilhosamente cavernosa, pediu que cantássemos os parabéns ao festival que tanto já deu ao seu grupo e aproveitou para afirmar que há 25 anos o mundo era diferente… disso não duvidamos, mas uma coisa é certa: os Mão Morta não perderam qualidade durante esse período, continuando a ser a banda que tanto adoramos.
Os BEAK>, liderados por Geoff Barrow dos Portishead, proporcionaram uma viagem psicadélica com ponto de partida no krautrock. A sua sonoridade é deveras cinematográfica (foram recentemente responsáveis pela banda sonora do filme “Couple in a Hole”, de Tom Geens) e, portanto, ideal para ser escutada enquanto criamos imagens mentais para acompanhar a beleza de um conjunto de composições delicadas mas misteriosas. Contudo, cientes do facto de estarem em ambiente de festival, souberam incorporar humor, desde a comunicação descontraída às brincadeiras em que fingiam preparar-se para tocar Pink Floyd ou Dire Straits; um elemento lúdico que contrastou bem com o registo introspetivo das músicas e que fez com que o concerto se tornasse mais memorável.
Quanto aos Future Islands, mostraram, uma vez mais, que podem ser vistos de duas formas: em primeiro lugar, como competentes autores de um synthpop musculado e dinâmico; em segundo, como um grupo liderado pelo frontman irrequieto que é Sam Herring. Oscilando entre o registo suave e o gutural (por vezes de forma cómica) e estando constantemente em movimento, o músico torna-se assim na alma da banda quando esta sobe ao palco. Um concerto inegavelmente bem dado, cujo ponto alto, como já era de esperar, aconteceu com a interpretação do êxito “ Seasons”.
A noite já ia longa, mas às 2h da manhã, eis que Kate Tempest surge em palco. Poetisa e rapper, faz da palavra- do spoken word - uma arma para disparar convicções e pensamentos, tendo baseado o concerto na fantástica obra " Let Them Eat Chaos”. O disco versa sobre as vidas de sete estranhos, todos eles habitantes da mesma rua de Londres, que se encontram pela primeira vez quando abandonam as suas casas na sequência de uma violenta tempestade, às 4:18 da manhã. São pessoas que lidam com diversas dificuldades, provavelmente idênticas às que muitos enfrentam na sua rotina diária, o que faz com que as histórias de Tempest adquiram um caracter fortemente realista. Contudo, mais do que uma mera observadora de pessoas e cenários, passa uma mensagem clara: precisamos de nos unir, de prestar atenção a quem nos rodeia – “Please wake up and love more”, gritou a certa altura. Na verdade, o que mais impressiona na atuação da intérprete londrina é mesmo a paixão com que debita os seus poemas, como se a sua vida dependesse isso. Tem uma banda a acompanha-la, mas quase que não precisa dela, tal é a força do seu discurso, apesar de as batidas enfatizarem as ideias expressas. Nesta noite, neste festival, Kate Tempest provou que é uma das melhores e mais relevantes artistas da sua geração.
Paredes de Coura – 17 de Agosto
O segundo dia de Paredes de Coura teve o rock como prato forte. Na verdade, foi logo com guitarradas que a maratona de concertos se iniciou, graças a uma forte atuação dos Sunflower Bean. O grupo nova- iorquino alterna entre o doce registo indie rock e momentos em que decide colocar o pé no acelerador para explorar o território do psych, soando bem nesse constante jogo de intensidade e melodia. Pelas reações que obtiveram, a estreia no nosso país foi um sucesso.
Seguiram-se, no mesmo palco, os Nothing. De regresso a Portugal depois da passagem pelo Porto e Lisboa no final do ano passado, o grupo – frequentemente associado ao movimento shoegaze - provou aqui que as suas influências vão muito mais além e que também buscam inspiração no emo dos American Football e até no post-hardcore, na maneira como incorporam ocasionalmente agressividade no meio da explosão enérgica de melodia. No agradável ambiente de espaço ao ar livre (melhor ainda se houvesse menos claridade, ficariam bem já de madrugada) a banda debitou malhas como “The Dead Are Dumb”, “ A.C.D.” ou “ Eaten By Worms” (onde Domenic Palermo abandonou o palco para ir ter com a audiência). Não são tão bons ao vivo como em estúdio – e desconfiamos que eles próprios têm noção disso – mas não deixaram de protagonizar uma boa prestação que nos deixou satisfeitos.
Já o regresso de Wil Toledo, o homem por detrás de Car Seat Headrest, ficou aquém das expetativas. Quem o viu no Primavera Sound assistiu a algo mágico, a um daqueles concertos permanentemente gravados na memória e no coração. Contudo, esta passagem, não tendo sido má, foi simplesmente competente… e isso não chegou.
Talvez o ambiente do Primavera tenha contribuído: Will e companhia atuaram na tenda Pitchfork, gozando assim de uma maior intimidade que permitiu ao homem que gravava músicas no banco traseiro do carro dos pais um maior conforto; talvez ainda não seja músico capaz de enfrentar um palco de maior dimensão, e não se pode dizer que o som tenha ajudado- faltava mais volume e pujança. Enfim, ao menos soube bem ouvir grandes canções de indie rock como “Drunk Drivers/Killer Whales” ou “ Fill in the Blank”. Talvez um regresso em nome próprio resulte melhor - ficamos a aguardar.
O que resultou bem foi o regresso dos ho99o9, depois da devastação sonora que assinaram nos Milhões de Festa em 2016. Habitam o mesmo universo esquizofrénico e negro dos Death Grips, mas com mais influências de hardcore, na veia dos Bad Brains, e deixam-nos atordoados quando tudo acaba. Se não fosse a competição oferecida pelos Lightning Bolt dois dias depois, a passagem dos ho99o9 teria sido sem dúvida a maior sessão de porrada sonora deste festival.
O destaque deste dia, no entanto, vai para a estreia no nosso país dos At The Drive- In. A banda que muitos viam como a salvadora do rock no início deste século e que se separou no auge da criatividade, depois de terem lançado o seminal “ Relationship of Command”, atuou pela primeira vez no nosso país, numa estreia não só aguardada, como quase surreal, já que muitos nem imaginavam que algum dia acontecesse. Já tínhamos visto elementos do grupo a pisar o palco de Paredes de Coura com projetos como Sparta ou The Mars Volta, mas aqui o cenário era ainda mais especial, o de concretização de um antigo sonho para os fãs da banda que tão bem soube – e continua a saber – misturar rebeldia punk/hardcore com a complexidade rítmica do math rock. Num concerto onde provaram estar em forma (com especial destaque para a enérgica prestação do vocalista Cedric Bixler- Zavala, tão impressionante a nível vocal como com as acrobacias), apresentaram temas novos e não se esqueceram de clássicos, indo mesmo até ao segundo álbum, intitulado “ In/Casino/Out” para recordar “ Napoleon Solo”. Contudo, os momentos mais memoráveis ocorreram naturalmente quando o alinhamento se focava na obra mais marcante do grupo de El Paso, Texas, sendo que o tema final desta poderosa atuação foi precisamente retirado de “Relationship of Command” - a mítica malha “ One Armed Scissor “ encerrou assim um concerto que ficará na memória de muitos.
Ainda neste dia destaca-se a boa prestação de Archy Marshall, mais conhecido como King Krule. Muito bem acompanhado por uma banda onde se destaca o saxofone, que confere uma certo cheirinho jazz a uma fórmula indie já bastante diferente na maneira como inclui um tempero punk, King Krule provou que é um dos nomes mais excitantes do atual panorama internacional. Um artista indiscutivelmente singular.
A fechar, Nick Murphy, que decidiu lançar música usando agora o seu nome verdadeiro em vez de Chet Faker, apresentou um espetáculo bastante agradável, alternando entre a pop de influência soul e a eletrónica dançável mas sempre ligeiramente intimista; uma prestação coerente e confiante, com algo de sedutor pelo meio, sobretudo quando tivemos a oportunidade de saborear um tema grandioso como “ Stop Me ( Stop You)”. Foi bonito, bem bonito; Chet Faker igual a ele próprio, só que agora com outra designação.
Paredes de Coura – 18 de Agosto
O terceiro dia de Paredes de Coura foi sem dúvida um dos mais diversos do festival, sendo que isso ficou logo provado com a atuação, ao final da tarde, de Bruno Pernadas. No habitual formato de big band, o músico voltou a apresentar a pop como um conceito musical elástico, um ponto de partida para uma entusiasmante exploração sem limites que visita, por exemplo, os territórios da soul ou do funk. O resultado final é algo tão eclético como grandioso e deixa bem claro que Bruno Pernadas é um dos maiores tesouros do panorama nacional.
As propostas refrescantes continuaram com os escoceses Young Fathers. O grupo, vencedor de um Mercury Prize, encontra no hip-hop a sua base criativa, mas a verdade é que coloca-los nesse universo é demasiado redutor, pois vão muito mais além no modo como adicionam elementos de rock ou gospel para criar uma sonoridade ora melódica, ora abrasiva, mas sempre experimental e desafiadora.
Não se pode dizer que os Young Fathers sejam uma banda fácil de digerir quando se entra inicialmente em contacto com a música que produzem, mas muita da magia reside nessa estranheza que se instala e que rapidamente dá lugar a um sentimento de fascínio. Em Paredes de Coura, conseguiram agradar ao público que os foi ver através de um concerto absolutamente contagiante e demolidor, em que “ Shame” ou “Only God Knows” – este último tema retirado da banda sonora de “ T2 Trainspotting”, de Danny Boyle, foram alguns dos momentos altos. Essa notória aceitação é, bem vistas as coisas, fácil de compreender se tivermos em conta que o coletivo possui a energia desenfreada que muitos festivaleiros apreciam e a originalidade e ambição artística que os ouvintes mais exigentes procuram. Em conversas pós-festival, os Young Fathers serão certamente recordados com nostalgia por parte de quem testemunhou esta poderosa prestação.
Continuando a onda de ecletismo, surgiram em palco os muito aguardados Badbadnotgood. O grupo canadiano, que conta com um elemento luso-descendente na sua formação (o teclista Matthew Tavares) proporcionou um dos mais épicos concertos de rock que já vimos no festival, e fizeram-no através de uma bela sessão de jazz. Confuso? Poderá parecer, mas os Badbadnotgood aplicam a fórmula de uma maneira bastante simples. Tendo o baterista Alexander Sowinski a servir de frontman – e a comunicar extremamente bem com o público, há que referir - criam uma magnífica festa, incentivando a audiência a saltar ou a pôr os braços no ar. Quem disse que uma prestação de jazz tem de ter sempre uma atmosfera séria e contemplativa? Os Badbadnotgood claramente que não acreditam nesse conceito, até porque são tudo menos conservadores. Tocam jazz, mas decoram-no com batidas hip-hop (não nos esqueçamos que a sua introdução ao mundo foi através de uma interpretação de uma peça baseada na música do coletivo Odd Future) e são filhos da internet, tendo usado essa ferramenta para promover a sua arte e criar um legado. E que legado é esse- ainda que provavelmente não tenha sido intencional? O de responsáveis pela renovação da popularidade do jazz nas gerações mais jovens. Não são os únicos, já que artistas como Kamasi Washington ou Yussef kamaal também merecem crédito, mas bastava olhar para o público durante esta atuação, a receber os Badbadnotgood de braços abertos, para nos apercebemos que hoje em dia, há um lugar para o jazz em eventos de grande dimensão e que o género consegue ser tão acarinhado neste tipo de ambiente como o rock ou a pop. Na sua estreia em território nacional, assinaram uma prestação memorável, tendo exibido criatividade, destreza técnica (sem chegar ao exibicionismo) e uma louvável ligação com a audiência de Coura, que vibrou ao som de grandes composições como “Chompy's Paradise” ou “ CS60”.
Mantivemo-nos em companhia canadiana com a chegada dos Japandroids, que já tinham marcado presença na última edição do Primavera Sound e que passaram no dia anterior à atuação de Coura pelo Maus Hábitos, para um concerto intimista com lotação limitada.
Essa repetição num curto espaço de tempo poderia facilmente tornar-se enfadonha, não fosse o grupo irrepreensível na arte de proporcionar concertos de rock perfeitos. Quase que não importa onde estão a tocar (se bem que Coura é o cenário onde mais parecem brilhar, como se tivessem destinados a fazer história aqui), pois é certo que o resultado será sempre incrível. Sejamos sinceros, a sonoridade também ajuda – a energia juvenil (no bom sentido) do punk rock do duo, de inspiração 90's, é simplesmente contagiante, e malhas como “ North East South West” ou “ The House That Heaven Built” convidam à diversão máxima, constituindo a banda sonora perfeita para uma noite de Verão passada com amigos. Voltem quando quiserem, são sempre bem-vindos!
Quis o destino que o dia 18 estivesse bem preenchido com bandas e artistas canadianos, e antes da chegada dos Badbadnotgood e Japandroids, Andy Shauf subiu ao Palco Vodafone FM – o mais pequeno – para nos fazer chorar (novamente, no bom sentido) com as suas composições de folk delicadas e super detalhadas. Tudo na sua música se revela encantador, desde a voz frágil à inclusão de clarinetes, que enriquecem ainda mais a beleza melancólica dos temas que tão cuidadosamente elabora. Podíamos não ter a intimidade que a música introspectiva e doce do artista tanto pede, mas mesmo assim, naquele deliciosa hora onde o dia se começava a despedir, Shauf brilhou.
Nesse mesmo registo de contemplação, os Beach House fecharam os concertos no palco principal. A atuação do grupo norte- americano formado por Victoria Legrand e Alex Scally, acompanhados de um baterista, foi tudo menos consensual, sendo que para isso muito contribuiu o atraso de cerca de 35 minutos causado por problemas técnicos, que fez com que a paciência de muitos tenha sido testada. Além disso, a própria natureza da atuação, com um palco mal iluminado e os músicos envoltos em escuridão, não foi naturalmente bem aceite já que provocava uma sensação de distância entre banda e público.
Todavia, essa ausência de luz, essa frieza, foi precisamente o que tornou a prestação tão bela e majestosa. Porquê? Porque liga extremamente bem com aqueles maravilhosos hinos de dream pop frágeis e românticos ao qual o grupo já nos habituou, convidando o espetador e ouvinte a sonhar tranquilamente, sendo que a qualidade visual presente na música dos Beach House foi aqui enfatizada graças à inclusão de projeções. Poderá não ter sido o melhor concerto para encerrar a oferta do palco principal (esse teria sido o dos Japandroids), mas foi bastante envolvente.
Paredes de Coura – 19 de Agosto
No último dia de Paredes de Coura o cansaço acumulado misturava-se já com um sentimento antecipado de saudade, pois sabíamos que a nossa despedida deste cenário idílico estava próxima.
Contudo, havia ainda muito para ver e ouvir, incluindo uma maravilhosa prestação de Benjamin Clementine. O músico londrino há muito que conquistou o público português, sendo que aqui foi recebido como uma estrela consagrada, quase como se fosse o verdadeiro cabeça de cartaz para muitos que se deslocaram ao recinto (não tirando mérito aos headliners oficiais).
Essa adoração, de resto, é perfeitamente compreensível: Benjamin é detentor de uma voz poderosa, quente e arrepiante; canta não só com as cordas vocais, mas também com o coração, parecendo por vezes estar tão emocionado quanto o público que assiste comovido à sua magnífica prestação. No entanto, não vive somente dos seus dotes vocais- é também um talentoso compositor, como provam músicas excecionais como “ Nemesis”, “ Condolence” (onde colocou a plateia a cantar com ele) ou a majestosa “ Adios”, que marcou apropriadamente a despedida que praticamente ninguém queria que chegasse depois de um concerto tão belo e intimista; um concerto em que os êxitos se misturaram com novidades como “ Phantom of Aleppoville” ou “Jupiter”, e em que Benjamin Clementine, que outrora vivia tempos difíceis em Paris na condição de sem-abrigo, atuou, juntamente com uma banda que incluía um brilhante coro feminino, perante milhares de fãs, assinando uma passagem simplesmente fenomenal… o que não é de admirar: ele próprio já se transformou num fenómeno.
Quanto aos Foals, encerraram com chave de ouro esta edição do festival. Ao contrário dos Beach House, beneficiaram de um excelente jogo de luzes, um fator que se revelou crucial para a qualidade da atuação; contudo, não só de espetáculo vive o grupo britânico- muito pelo contrário. Tem à sua disposição um conjunto de boas composições, exemplos de como o indie rock pode ser um exercício musical variado: há momentos dançáveis e outros mais atmosféricos (quase post-rock em certas alturas, por muito ousada que a afirmação possa soar), mas independentemente da fórmula que usam, prendem a atenção do ouvinte. Nesta noite, mais do que convencer a audiência, encantaram-na, ao ponto de um fã ter subido ao palco… mas não foi o único ato de loucura típico de concerto rock, já que o próprio vocalista Yannis Philippakis fez questão de descer várias vezes até ao fosso para conviver com o público. O concerto – que terminou, já em encore, com “ What Went Down” e “ Two Steps,Twice” - foi assim uma autêntica celebração entre banda e fãs, num ambiente perfeito para dizermos adeus a um festival que nos ofereceu tantas alegrias.
Mesmo neste dia, para além de Benjamin Clementine e Foals, houve mais momentos para recordar: o ataque sónico dos Lightning Bolt ,que cuspiram noise rock a todos aqueles que se atreveram a aproximar-se (e se aqui teve este nível de intensidade, só podemos imaginar como seria se os víssemos num espaço mais intimista que lhes permitisse provocar ainda mais caos), o californiano Ty Segall, portento de garage rock psicadélico, aqui a rockar no palco onde já merecia atuar há muito, ou o espetáculo dos Foxygen, liderados pelo exuberante frontman Sam France, uma personagem peculiar que diz que somos todos bonitos e que podíamos estar num filme de Hollywood. Tudo faz parte do teatro destes norte-americanos, uma big band que abraça o swing jazz, o psicadelismo e a loucura dos Rolling Stones, revelando-se orgulhosamente pomposa. O grupo tem também, no entanto, músicas bem interessantes que foram interpretadas nesta ocasião como “ San Francisco”, “ Follow the Leader” ou “Avalon”. Sam France acabou assim por agradar ao público de Coura, mesmo pensando, a julgar pelo seu discurso, encontrar-se no Porto.
Destaque ainda para as grandes composições pop de Alex Cameron, uma preciosidade vinda da Austrália, ou o espetáculo apresentado por Manel Cruz, um senhor que conhece muito bem este festival (já cá tinha estado com os Foge Foge Bandido, em 2009, ou com os Ornatos Violeta, em 2012, no único concerto de festival que o influente grupo portuense deu na sua segunda existência) e cuja presença nesta importantíssima edição era, desta forma, quase obrigatória. Não tocou Ornatos (mas reconheceu a presença de um cartaz que pedia que o fizesse, exibido por alguém que, devido à mensagem “ Toca Ornatos, ó boi”, devia ser do norte, comentou) mas apresentou um conjunto de boas canções inéditas - poesia á base de uma bela folk com o seu quê de decadente, e foi bem recebido por um público que respeita o legado que o músico construiu e ainda constrói. “Obrigado, foi fantástico”, admitiu; foi sim senhor, pensamos nós, e rapidamente nos apercebemos que essa mesma frase reflete na perfeição aquilo que sentimos em relação a Paredes de Coura: foram quatro dias (mais para quem começou a aventura na vila) de felicidade ao som de alguma da melhor música alternativa, pois Coura é mesmo isso, uma montra de oferta musical contemporânea. No final, uma pequena celebração, com imagens de alguns dos mais inesquecíveis concertos da história do festival, ao som de “All my Friends” dos LCD Soundsystem, anunciava o fim. Até para o ano!
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Organização:Ritmos
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quarta-feira, 30 agosto 2017