Rock in Rio 2018 - 23 e 24 Junho
É sem dúvida alguma o festival mais mediático em Portugal. Tomando residência bianual em Lisboa desde 2004, o Rock in Rio Lisboa voltou este fim-de-semana para preencher o Parque de Bela Vista de música. Alternando o seu característico mês de Maio pelo sol de Junho, o Rock in Rio é, oficialmente, um festival de Verão, com o primeiro dia a registar a afluência de 71 mil pessoas, sendo os Muse a principal atração da noite.
Num dia onde o calor roçava o insuportável, as portas da Cidade do Rock abriram ao meio dia, tempo mais do que suficiente para explorar todas as novidades para a edição deste ano do Rock in Rio: uma EDP Rock Street alusiva a África, um Digital Stage, o Worten Game Ring, o Music Valley, … as novas inclusões do festival eram muitas, assim como a longevidade das filas para os típicos brindes que sempre caracterizaram o Rock in Rio, com os sofás insufláveis da Vodafone a serem o brinde mais concorrido.
Mesmo com um vasto leque de atividades para se matar o tempo durante a tarde, o Palco Mundo esteve sempre bem preenchido, com as t-shirts pretas com o logótipo branco dos Muse a serem a indumentária de eleição. No meio de tanto negrume, encontrava-se algumas peças alegóricas ao português Diogo Piçarra, o músico algarvio que não só se estreou pelo Rock in Rio como também coube a honra de dar o arranque do Palco Mundo para esta edição de 2018.
Apesar de os fãs de Muse estarem representados em maior número nas primeiras filas, foi com surpresa que se viu uma quantidade significativa de apoiantes de Diogo Piçarra a rivalizar com os primeiros, todos com as letras na ponta da língua e mais do que aptos a mostrar todo o seu apoio ao ex-vencedor dos Ídolos.
Pelo Parque da Bela Vista pairava um calor tórrido, mais do que convidativo a encontrar refúgio à sombra, mas mesmo assim Diogo Piçarra tinha um vasto leque de cartas na manga para levar a cabo um concerto capaz de tornar o seu concerto numa experiência agradável para todos. Independentemente da sua sonoridade ser algo de deslocada num dia virado para um registo mais ‘rockeiro’, ou não fosse ele um artista que oscilasse entre R&B, electrónica e um bom leque de baladas, a verdade é que Diogo Piçarra surpreendeu até os mais sépticos, mostrando estar à altura do desafio que é o Palco Mundo do Rock in Rio.
De lição bem estudada, Diogo Piçarra protagonizou diversos momentos carismáticos capazes de focar todas as atenções em si: máquinas de fumo, bailarinos irrequietos, um crowdsurf tímido, múltiplos pedidos de palmas, convidados especiais – Anavitória para “Trevo (Tu)” e Marco Rodrigues com “O Tempo” – e uma versão de “Homem do Leme” em homenagem ao mítico Zé Pedro, que levou praticamente todo o público a cantar, foram apenas alguns dos argumentos que cimentaram um dos primeiros grandes concertos do Rock in Rio. Simples e eficaz.
Numa onda algo mais festiva, passou-se pela EDP Rock Street para aprender as instruções do professor Bonga naquilo que à sedução diz respeito.
Com uma programação exclusiva a artistas de origem africana, o grande ponto de interesse para este dia 23 era sem dúvida o prestigiado músico angolano, este que levou a uma enchente considerável no palco desta Rock Street – a faixa etária dos trinta para cima era a mais representada.
Apoiado por uma excelente banda de apoio, também esta de origens africanas, Bonga não precisou de muito tempo para levar a que o público se perdesse de amores por si, abordando o mesmo no final de todas as canções, ora fosse para contar histórias de vida ou para se meter com os presentes; era quase como conviver com um velho amigo, cheio de episódios caricatos e interessantes para contar, de conversa para meter em dia. Sorrisos foi algo que não faltou ao som de Bonga. Isso e dança, muito dança, ou não tivesse Bonga convidado toda a plateia a juntar-se a si nuns quantos passos de dança, onde até Júlio Isidro marcou presença.
De alinhamento chorudo, capaz de libertar a vergonha que rodeia o desejo de dança, como “Currumba”, “Kaombo é que Pica” e a inevitável “Mariquinha”, Bonga trouxe felicidade e celebração, mostrando que há muito mais música a descobrir pela Cidade do Rock do que aquela emitida pelo Palco Mundo.
De regresso ao grandioso palco principal do Rock in Rio, Portugal voltou a marcar encontro com as Haim, isto depois da sua estreia em palcos portugueses há quatro anos, no NOS Primavera Sound.
A expectativa pelo regresso destas três irmãs era imenso, mas mentiríamos se não disséssemos que eram o nome mais desfalcado de todo o cartaz do Rock in Rio, visto que o seu registo indie rock não se enquadra tão bem neste tipo de festival como num NOS Alive, por exemplo. Talvez pela sonância do seu nome não estar ao mesmo nível do que os restantes artistas do cartaz, houve quem se desligasse por completo do concerto; erro tremendo, ou não tivesse o tripleto feminino assinado um belíssimo concerto.
Nascidas em Los Angeles, num seio familiar onde a música sempre desempenhou um papel de núcleo, o som das manas Haim tem uma relação quase intrínseca com o Verão, com o calor, ou não fosse o sol a ‘marca oficial’ da Costa Oeste dos Estados Unidos. Como tal, a refrescante sonoridade das Haim funcionava como uma brisa pelo Parque da Bela Vista, com “Don’t Save Me” e “Little of Your Love” a soltar um doce aroma a pop rock capaz de agradar a todos.
Em dia que marcava o desfecho da tournée europeia das Haim, as americanas predispuseram-se a levar a cabo um concerto de celebração, e sem dúvida que fizeram para tal, mas a reticência de grande parte do público ameaçava ser impeditiva. Todavia, canções como “My Song 5”, “Want You Back” e “Nothing’s Wrong”, que misturam a doçura da pop com um rock frenético, iam fazendo com que esse público reticente se deixasse levar pelo encanto das Haim, isto enquanto os grandes fãs da banda iam fazendo a festa.
Comunicativas e simpáticas, as Haim chegariam mesmo a convidar o público a que, juntos, regressam ao passado, mais propriamente ao EP Forever, com o tema título a desencadear algumas palmas merecidas. Intercalando entre as três a função de levar a cabo a cantoria, isto enquanto cada uma tocava os seus respetivos instrumentos de forma sublime – com especial destaque para a habilidade de Danielle Haim na guitarra, as Haim balançaram o melhor dos seus dois discos num concerto que culminaria ao som de “Right Now”.
De forma quase irónica, Dan Smith usou uma t-shirt onde se podia ler “bodega”. Logo após o arranque por “Good Grief”, o vocalista abordou o público num português arranhado, tendo inclusive dito, na nossa língua, que o seu “português é uma merda”. Quis o destino que o concerto dos Bastille não fosse nenhuma das duas, mas sim o melhor concerto dos britânicos por Portugal.
Os Bastille partiam com a tarefa árdua de anteceder o concerto dos Muse, o que implicava uma enorme enchente de público já a tentar marcar lugar para o concerto mais antecipado da noite, muitos dos quais só tinham os Muse em mente. Contudo, os Bastille já são um caso sério de sucesso em Portugal, o que levou a que a trupe de Dan Smith acabasse mesmo por beneficiar da coisa, tocando para um dos maiores públicos da sua vida, cujo extenso alinhamento – dezoito (!) canções – tanto deu para encher o apetite dos fãs como para conquistar uns quantos novos, levando a que imensa multidão do Rock in Rio (quase) se esquecesse dos Muse por um pouco.
Mesmo com disco novo lançado há relativo pouco tempo, foi o primeiro, Bad Blood, que os catapultou para a fama, muito por culpa do contagiante hit “Pompeii”. Apesar de o novo disco até ter estado presento no alinhamento de forma modesta, o grande foco acabaria mesmo por ser o álbum de estreia, ou não fossem temas como “Laura Palmer”, “Things We Lost in Fire” ou “Icarus” a reunir um maior apreço por parte do público, público este que entoaria, de forma alta e bom grado, o mashup que os Bastille criaram de dois grandes hits de eurodance: “Rhythm is a Dancer” e “Rhythm of the Night”.
Dan Smith não gosta de alienar a sua música a política, como confessou no concerto, mas como mandar um manguito a Donald Trump nunca sairá de moda, chegou a dedicar “The Currents” ao presidente dos Estados Unidos, momento muito aplaudido pelo público. Momentos antes, houve tempo para abrandar as coisas e puxar pelo lado mais emotivo através de “World Gone Mad”, gravada em exclusivo para o filme Bright, da Netflix, apelando ao público para agir de forma a ser uma mudança positiva no mundo.
Já perto do final, “Quarter Past Midnight” levou a que Dan Smith desse uso à plataforma central que separava o público em ‘lado direito’ e ‘lado esquerdo’, quase em jeito de serenata para cada um dos lados. Bem guardada para o fim, e antecedida por agradecimentos sentidos, acompanhadas por uma ovação mais do que merecida, viria claro “Pompeii”, cujo início quase ameaçou uma versão algo mais de cristalina, só com piano a acompanhar, mas que rapidamente escalou para o grandioso hino que é, deixando praticamente todo o público ao rubro, fosse aos saltos ou a entoar a dita canção em plenos pulmões. Um concerto em nome próprio é uma iminência.
Passaram-se dezoito anos desde a estreia dos Muse por Portugal, no extinto Festival da Ilha do Ermal, em Vieira do Minho. Nos dias de hoje, a evolução foi tanta que tornaram-se numa das melhores bandas ao vivo da actualidade. Todavia, para este estatuto que foi ganho com todo o mérito, os Muse não conseguiram fazer-lhe jus.
Os Muse são incríveis, sem sombra de dúvida. Mas depois daquele que foi capaz de ter sido um dos melhores concertos de sempre a acontecer em Portugal, a mítica noite do Estádio do Dragão, e seguido de um encontro estrondoso pela (aí) MEO Arena, em divulgação de Drones, e com o palco a 360º, ver Muse em âmbito de festival sabe a pouco. Contudo, o argumento que a noite seria de greatest hits numa já vasta carreira e que não aparenta ter vestígios em abrandar, fez-nos fechar os olhos um pouco à coisa.
Quinze minutos depois da hora marcada, os fãs de Muse entram em total modo de euforia quando a banda sobe a palco e atira-se logo de cabeça com dois dos seus temas mais pesados: “Thought Contagion” e “Psycho”. Ao pedirem emprestado um rock quase a soar a metal, que em muito foge às tendências mais alternativas da banda, para decorarem estes dois temas, os Muse mostram que têm a capacidade e a aptidão em criarem canções tanto sonantes como destrutivas, daquelas capazes de encher o índice de adrenalina numa multidão no seu expoente máximo, levando estes a entoá-las com a mesma intensidade de uns quantos cânticos de estádios de futebol.
São poucas as bandas que tenham uma legião de fãs tão fiel como os Muse, sabendo todas – sim, excepção – letras na ponta da língua. Como a aula seria de revisões, a turma declamou a matéria bem alto e livre de erros, com “Hysteria” e “Plug in Baby” a receberem ambas nota vinte. De seguida, para abrandar a tempestade de rock maquiavélico que por ali andavam, o ritmo abrandou ao som de “The 2nd Law: Isolated System”, que serviria para a troca de instrumentos, e a tímida “Get Down”, cujas experimentações electrónicas ainda mostram resiliência pelos fãs em ser totalmente digerida. Logo de seguida, o furacão Muse voltaria à carga para deixar mais destruição pelo seu caminho, com “Resistance” a acender o rastilho, “Supermassive Black Hole” a criar a chama e a velhinha “Stockholm Syndrome” a soltar o incêndio pelo Parque da Bela Vista.
São já duas as décadas que a carreira dos Muse tem, e ao longo destes anos todos, a banda pode orgulhar-se em já ter feito de tudo um pouco na sua sonoridade. Talvez seja aí que reside o segredo da banda: há canções para todos os gostos. Rock leve e pesado, instrumental e electrónico, experimental e pop... enfim, a lista é vasta e repleta de êxitos em todas as categorias. Foi dentro das duas últimas que “Madness”, onde Matt Bellamy a utilizar uns óculos onde eram transmitidas as letras, e “Starlight”, com o vocalista a descer junto do público e a saudar os muitos que suplicavam por um outro cumprimento, enquanto os restantes se entretiam com gigantes balões soltos momentos antes. Voltando à grandiosidade dos primórdios de Muse, houve “Time is Running Out” para recordar o passado, que antecederia o final da noite que se faria ao som de “Mercy”, havendo direito a um furacão de confettis e serpentinas a serem soltas no clímax da canção.
Para o encore, “Take a Bow” ofereceu algum tempo para que o público lá se conseguisse recompor, mas, se o Rock in Rio fosse uma sala fechada, o tecto desabaria por completo ao som da dupla de canções explosivas constituídas por “Uprising” e “Knights of Cydonia”, esgotando-se as últimas cargas de energia que sobravam pelo público. Não poderia haver melhor maneira de iniciar mais uma edição do Rock in Rio Lisboa.
Esgotado desde Abril, o segundo dia do Rock in Rio Lisboa era já há muito tempo antecipado. Contando com Bruno Mars, Demi Lovato ou Anitta como principais pontos de interesse, foram 85 mil aqueles que se dirigiram à Cidade do Rock no passado domingo.
Num dia que, ao que tudo indica, seria o mais concorrido de todos nesta edição do Rock in Rio Lisboa, a tela humana que se pintou para receber Agir era de um preenchimento notável, facto mais impressionante quando se tem em conta o horário diurno que lhe competia.
Acompanhado por uma competente banda e talentosos bailarinos, o concerto de Agir beneficiou da tremenda energia do artista, que conquistou facilmente o público com os seus constantes pedidos por palmas ou mãos no ar, tomados como ordens por uma plateia mais do que disposta a fazer parte da festa.
Mesmo com a companhia de convidadas especiais - Carolina Deslandes para a mui aplaudida “Moutains” e Manu Gavassi em “Ninguém Vai Saber” - Agir conseguiu tomar conta do palco só por si num concerto com sabor especial, ou não fosse aquele que contou com a maior quantidade de público em toda a sua carreira. Como tal, Agir quase como se auto desafiou em inserir (ainda) mais intensidade na sua prestação, com os êxitos “Tempo é Dinheiro”, “Como Ela é Bela” e “Parte-me o Pescoço” a serem entoados com uma intensidade equipare, tudo num jeito de comunhão de celebração entre as duas partes.
Espaço ainda para realçar o grande herói do concerto de Agir: o Diogo, o rapaz que pediu a namorada em casamento em pleno concerto, num dos momentos mais bonitos em toda a história do festival e capaz de emocionar qualquer um. Ah, e claro, a resposta foi sim, para o contentamento do Parque da Bela Vista.
Dando continuado à forte aposta na música portuguesa nesta edição do Rock in Rio, descemos pela primeira vez às pessoas imediações do Music Valley para um agradável encontro com o funk de gosto fácil dos HMB.
Com um Music Valley completamente apinhado, quase tanto como o próprio palco - para além das letras da banda almofadadas, eram sete os músicos em palco - Héber Marques estava ciente que tinha tudo para fazer uma grande festa, e não hesitou até que a mesma não ficasse implementada. Com o groove incontornável da banda a convidar a uns quantos passos de dança, daqueles teleguiados pela felicidade de quem só se quer divertir, “Não me Leves a Mal”, “Feeling”, “Talvez” ou “CDQP” foram apenas alguns dos êxitos que levaram a que o público entrasse em êxtase.
Com o ritmo a abrandar na balada “Peito”, onde a banda fez questão de relembrar que está junta há dez anos e aproveitou a oportunidade para agradecer todo o apoio ao longo desse tempo, os fãs de HMB fizeram questão de a cantar de forma a roçar o sublime, o que alienado ao toque mágico dos teclados, foi a melhor forma do público demonstrar essa gratidão. Movendo para campos mais festivos, a inevitável “O Amor é Assim” daria a festa como terminada; “Rock in Rio, quem é que saiu hoje de casa para se divertir?” tinha perguntado Héber Marques perto do início do concerto. Se tivesse questionado, no fim, se todo o Music Valley se tinha divertido, o ‘sim’ teria sido a resposta universal.
Anitta vai ao Rock in Rio. Está poderia ser um dos títulos de uma das mais histórias da célebre personagens dos livros com que muitos cresceram em pequenos, mas não. A Anitta que agora está na moda é o mais recente fenómeno vindo do Brasil, e teve no festival a oportunidade de se estrear não só em Portugal como em território europeu, estreia esta que em tudo teve de feliz.
Com um grandioso espectáculo em mãos, capaz de superar as expectativas de muitos, torna-se quase difícil acompanhar tudo o que acontece em palco: contentores onde se lia “Made in Brazil”, placards decorados com base no seu disco Bang, telas com graffitis a serem feitos, cenários de casas, uma banda ou mais de vinte bailarinos - altos, baixos, magras, gordas, brancas, negros, preconceito é algo que não consta no dicionário de Anitta - foram alemãs algumas das menhas que Anitta teve em mãos, isto para não mencionar as múltiplas trocas de indumentária que foram ocorrendo pelo concerto.
Por ser uma artista (ainda) emergente, Anitta peca em termos de repertório conhecido, mas em jeito de recompensa, variados foram os medleys ou adaptações de temas que constaram no alinhamento, como Rihanna, Mariah Carey, J Balvin, Cardi B, MC Kevinho e até mesmo o “Faz Gostoso” de Blaya. Pelo meio, houve ainda tempo para uma versão de “Garota de Ipanema”, demonstrando um vozeirão em Anitta que poucos lhe conheciam. Mais tarde, a banda seria substituída por um DJ para dar lugar aos temas mais electrónicos de Anitta, aqueles que lhe valeram o estatuto de estrela do funk brasileiro, como “Sua Cara”, tema concebido pelos Major Lazer e que partilha com Pabllo Vittar; embora o artista se encontrasse por Portugal nesse dia, não houve a oportunidade de o ter em palco. Uma pena.
Numa das poucas ocasiões em que abordou o público, Anitta agradeceu, de forma sincera, a forma acolhedora com que os portugueses a tinham acolhido, dizendo que ela estava ali para representar todos os artistas de funk brasileiro; “vocês achavam que eu hoje não ia rolar minha bunda hoje?” provocou a artista antes do “Movimento Sanfoninha”, onde Anitta rolou e abanou aquilo que Deus lhe deu, deixando o público eufórico. Pouco depois, o fim viriam ao som (e à dança) de “Vai Malandra” e do êxito que a catapultou para o estrelato, “Show das Poderosas”. Da conquista de Portugal ao mundo, será só um saltinho.
Tirem-lhe o chapéu! Demi Lovato foi de longe a maior surpresa que o Rock in Rio teve ao longo deste fim-de-semana. Ao início, algum ceticismo pairava pelo ar perante a confirmação da artista do Rock in Rio, especialmente tendo em conta que antecederia Bruno Mars; as más-línguas diriam que ela não tinha repertório ou mediatismo suficiente para tal tarefa. Foi quase como se a própria tivesse lido esses comentários, visto que a artista deu um concerto que tanto teve de vibrante como de emocionante.
Ao início, as más-línguas até poderiam dar indícios de estarem certas: três músicos mais dois bailarinos, multiplicados por poucos adereços dá o resultado de um espetáculo pobre para alguém que se assume como ídolo pop. Porém, a ex-menina da Disney não precisa de muito quando tem uma voz arrebatadora, quase de outro mundo, demonstrada desde cedo através de “Daddy Issues” ou “Heart Attack”.
No mundo do pop, é fundamental o uso de roupa extravagante e do jogo da sedução: Demi Lovato cumpriu ambos estes requisitos. Porém, é na sua vertente mais emocional, que chega mesmo a puxar uma ou outra lágrima, que a artista se sente mais em casa. Abrandando o ritmo do espetáculo para dar lugar a um registo bem mais sentimental, a norte-americana aventura-se por “Catch Me”, “Don’t Forget”, “Stone Cold” e “Skyscraper”, canções de cariz tão intimista que muitos foram os fãs da cantora que não se contiveram e desfizeram-se em lágrimas, muito por culpa de como estes temas têm um teor de fácil identificação. Alienado para as luzes dos telemóveis que iluminaram o Palco Mundo, até a própria Demi Lovato se comoveu perante cenário tão belo.
Fugindo para caminhos mais festivos – leia-se ‘música-para-fazer-dançar’ – seguiu-se um trio de canções populares às quais a artista empresta a voz: “No Promises” (Cheat Codes), “Solo” (Clean Bandit) e “Échame la Culpa” (Luis Fonsi) imergiram o Parque da Bela Vista num estado de alegria e diversão, com o estado de êxtase que formava a culminar em “Sorry Not Sorry”. Quanto tudo parecia estar terminado, eis que chega a surpresa da noite: “Sober”, tema lançado há poucos dias e que retrata a batalha de Demi Lovato com o álcool, teve a sua estreia em palcos no Rock in Rio, com esta a ser acompanhada somente por piano e pelas milhares de luzes de telemóveis que, de certa forma, transmitiam força à cantora para esta batalha. Sem dúvida, um dos momentos mais bonitos do dia.
Chama-se Peter Hernandez, mas no mundo da música assina por Bruno Mars. Sobre o apelido, diz-se que vem do planeta Marte, ou não fossem os comentários que diziam que ele “era de outro planeta”; para o primeiro nome, pode muito bem ser por se tratar de um nome tipicamente português, pois no Rock in Rio, Bruno Mars sentiu-se em casa.
Muita da culpa do dia ter esgotado tinha em Bruno Mars o principal culpado, e o artista pop mais do que justificou esse estatuto. De sorriso saudável e contagiante em todos os instantes, a persona de rapaz maroto e traquina começa tanto antes de subir a palco, com mensagens emitidas nos televisores a preparar o público pois este ficaria “loud and sweaty”, como quando já estava em cima do mesmo, lançado o desafio ao lado direito e esquerdo público para ver qual era o mais ‘fixe’; não o decretou, mas o resultado foi um claro empate.
Ainda em prol da tournée do seu mais recente disco, 24K Magic, que chegou a passar por Portugal o ano passado na Altice Arena, Bruno Mars começa a festa logo ao som de “Finesse” e “24K Magic”, que viriam a ser apoiadas logo de seguida por uma mão cheia de canções do disco galardoado nos Grammys, como “Chunky”, “That’s What I Like” e “Perm”; no meio de todas estas canções do seu último álbum, voltar-se-ia ao passado ao som de “Treasure”.
“É uma honra estar neste palco”, disse entre canções, maravilhado com um cenário tão composto como o 85 mil pessoas que decoravam o Parque da Bela Vista. Ciente que aquela multidão estava ali com o (quase) objetivo único de o ver, Bruno Mars não fazia qualquer tipo de intenções em desiludi-los, tarefa quase impossível para um entertainer como o havaiano; com o palco modificado de forma a suportar o impressionante jogo de luzes do artista, Bruno canta, Bruno dança, Bruno encanta; “eu quero vocês, meu amor”, dizia Bruno Mars num português enrolado durante “Calling All my Lovelies”.
Mesmo acompanhado por uma excelente banda de apoio, em que a mesma faz parte da festa ao tocar os instrumentos ao mesmo tempo em que alinham nas coreografias de Bruno, tudo com a sintonia em ponto, Bruno Mars consegue preencher o palco só por si, apesar do seu pouco mais de metro e sessenta; seja só de piano como em “Versace on The Floor” ou de guitarra em punho em “When I Was Your Man”, a sinceridade nas palavras de Bruno Mars arrepia, com a postura de rapaz divertido a ser convertida em romântico inconsolável. Todavia, o lado mais frenético daria também o ar de sua graça, como em “Marry You”, chegando mesmo a apontar para algumas sortudas das primeiras filas.
Já perto do fim, houve o oito e o oitenta, com “Locked Out of Heaven” a não só gerar uma sincronização de palmas e sorrisos por parte do público como também um dilúvio de confettis pelo ar e fogo-de-artifício pelos ceús, e “Just The Way You Are” a levar o Parque da Bela Vista a cantar no seu expoente mais alto, chegando quase a ofuscar o próprio artista; ele não se haveria de importar, claro, pois tinha ali a prova viva que tinha mais do que cumprido o dever de animar o público.
A noite poderia ter terminado ali e ninguém ficaria chateado, mas o encore viria ao som da exorbitante e contagiante “Uptown Funk”, com mais fogo-de-artifício e até labaredas em palco, naquela que foi a melhor despedida com que Bruno Mars poderia ter oferecido ao seu público, que entoava “Bruno! Bruno! Bruno!” quando este abandonava o palco. Há quem lhe chame o futuro rei da pop, mas Bruno só quer cantar sem preocupações. E pouco são aqueles que o fazem tão bem como ele.
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sexta-feira, 29 junho 2018